A substituição de Temido pelo especialista em
medicina interna Pizarro e a entrada em função do primeiro diretor executivo do
Serviço Nacional de Saúde são dois acontecimentos que marcam o princípio da
criação do futuro SISTEMA Nacional de Saúde; ou seja, a substituição do SNS
público por uma forma híbrida que engloba o mesmo SNS, mas empobrecido e
amputado, com o sector privado e o serviço (dito) social dominado
maioritariamente pela Igreja Católica, passando a ser uma das suas principias
fontes de receita. Todos os lóbis privados da saúde irão ganhar fortemente com
esta reestruturação – saliente-se! – feita à custa de uma maior quota parte da
despesa saída do bolso do cidadão comum.
O SISTEMA Nacional de Saúde
Entre os privados serão os grupos estrangeiros
que passarão a ter um quinhão maior entrando em competição directa com os
nacionais já instalados. A entrega da gestão do Hospital de Cascais aos
espanhóis do Grupo Ribera Salud no primeiro dia do ano em Portugal até ao final
de 2031, por 561,2 milhões de euros, diz bem da política que irá ou, melhor
dizendo, continuará a ser seguida pelo governo que se diz “socialista” – ora se
não fosse! Deve-se salientar que este hospital tem sido gerido, também em
parceria público-privado, pela Lusíadas Saúde, que se orgulha de ter “poupado”
ao estado 230 milhões de euros, contudo, não esclarecendo quanto é que lucrou e
quais os serviços de saúde prestados, geralmente, os mais baratos e
desdobrados, enviando os casos mais dispendiosos para o SNS. Deve-se, igualmente,
esclarecer que aquela empresa privada foi adquirida há pouco tempo pelo grupo
Amil que, por sua vez, integra o norte-americano UnitedHealth Group.
Fica-se com a ideia clara que as constantes
notícias lançadas pela imprensa mainstream nacional sobre os problemas das urgências
hospitalares, sempre do SNS, se enquadram no mesmo tipo de propaganda que teve
origem em Junho do ano passado a partir de notícia de não assistência no
Hospital das Caldas da Rainha de uma grávida. Então foi o jornal “Público”, do
grupo Sonae e família Azevedo, que deu o pontapé de partida; agora, é a
televisão de Balsemão, o fundador e sócio nº1 do dito “principal partido da
oposição”, que mais se encarniçado a denegrir o SNS e, através deste problema facilmente
resolúvel caso houvesse interesse, para atacar o governo do PS e Costa. O SNS
tem sido um alvo per si de ataque, mas também uma pedra de demolição do próprio
governo, para mais, um governo que possui a estabilidade de uma maioria
absoluta. Depois de algum tempo o grupo Sonae ter lançado o seu ataque, este deu
a conhecer ao que vinha, anunciado a criação de um seguro de saúde e para o
qual conta angariar 1 milhão de clientes. Agora, esperemos que o grupo Impresa anuncie
um dia destes algo semelhante, já que o negócio da televisão e dos jornais já
conheceu melhores dias.
Cuidados Primários e de Saúde Materna, os próximos alvos
São duas as áreas que o governo PS irá lançar à
ganância dos privados os cuidados primários e os já mencionados cuidados de obstetrícia e ginecologia. Quanto a estes últimos a estratégia está delineada
e é conhecida, as maternidades vão abrir de forma rotativa até Março, depois de
cinco blocos de parto terem estado encerrados entre os dias 30 de Dezembro e 2
de Janeiro. Logo de imediato à notícia de encerramento rotativo das urgências
das maternidades, o médico Diogo Ayres de Campos veio declarar que “não é
solução civilizada para um país europeu" e que o "cerne do
problema" são as equipas que estão reduzidas pela razão de que "o SNS
não é atrativo" para os médicos e enfermeiros. Ora, o homem é quem tem
estado à frente da comissão, nomeada pelo governo, para estudar este problema e
que já afirmara que o mais certo é algumas maternidades do SNS terem de fechar;
precisamente, são os mesmos argumentos usados pela Ordem dos Médicos e em
inteira concordância com os interesses dos lóbis privados de saúde. Não esquecer
que esta gente (os médicos que usam esta argumentação) acumula o público com o
privado com o único fito de enriquecimento pessoal. Os utentes, os autarcas e
alguns políticos, lesados por estes encerramentos, já ameaçaram com manifestações
de rua.
Em relação aos cuidados primários de saúde, a
privatização parcial foi especificada e será feita de duas formas, uma através
de cooperativas de médicos reformados, mais um paradoxo, estão velhos para
continuarem no SNS, mas ainda jovens para trabalhar em regime de empresariado,
à semelhança com a promiscuidade público-privado quando ainda no activo; e com
as USF (Unidades de Saúde Familiar) de modelo B, em que remuneração estará
associada ao desempenho, serão consultas e teleconsultas ao metro e à resma,
num verdadeiro atentado à boa prática de medicina e num modelo abertamente bio-médico,
onde a prevenção e a educação para a saúde estarão praticamente ausentes; foram
prometidas 28 unidades até ao meio do ano. Depressa o governo e o seu
comissário para a saúde Pizarro passarão a entregar estas USF directamente para
as mãos dos privados, à boa maneira americana.
As mortes por excesso por encerramento do SNS
Não é por acaso ou por capricho dos deuses que
em Portugal se tem assistido a um aumento inédito de mortes por excesso. Ao longo
do ano passado foram registados 124 792 óbitos, com 2022 a ser considerado o
segundo ano com maior número de mortalidade de sempre no país, ficando apenas
atrás do registado em 2021, com 125 231 óbitos – só no mês de Dezembro registou-se
o record de 12 197 óbitos! Esta mortalidade poderá ser atribuída ao número
de mortes por (ou com?) covid-19, mas a mortalidade de 2022 só poderá ser atribuída
não às alterações climáticas, como referiu o ministro cabeça de tartaruga, mas
aos casos de doenças que ficaram por diagnosticar e tratar durante os dois anos
de pandemia, pelo facto do SNS ter encerrado para se dedicar exclusivamente ao combate
de uma doença cujo índice de mortalidade andou pelos 2%. Terá sido mais uma
mortandade devido à aplicação de uma política de saúde criminosa e de
confinamento social em termos de ditadura sanitária para controlo da população e
com fins abertamente políticos atendendo à grave crise económica que já se
avizinhava.
Esta política de ataque à liberdades, direitos
e garantias do cidadão continua na recusa do governo, através do referido ministro
Manuel Pizarro, de “divulgar os contratos das compras das vacinas contra a
covid-19”. A denúncia é do jornal online “PáginaUm”, que adianta: “Desde Março
de 2021, não é colocado no Portal Base qualquer documento sobre compras às
farmacêuticas. Até então teriam sido compradas menos de 11 milhões de lotes,
menos de 25% do total eventualmente adquirido. Ignora-se também as condições
acordadas, nomeadamente ao nível da responsabilização e de eventuais compras
obrigatórias no futuro”. Espera-se a decisão do Tribunal Administrativo sobre processo
de intimação movido por aquela revista e que bem diz da natureza da política e
das intenções do governo sobre a saúde em Portugal. Costuma-se dizer que “quem
não deve, não teme”, será para questionar: que corrupção se encontra por detrás
deste negócio das vacinas? E não só!
Os privados estão primeiro
A defesa dos interesses dos diversos grupos de
pressão dentro da saúde por parte de Costa é mais que notória: são diversos,
vão desde as clínicas privadas, vendedores de equipamentos e Igreja aos
laboratórios farmacêuticos e de exames complementares de diagnóstico. Recentemente,
a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia,
Sofia Ravara, não esteve com papas na língua e foi curta e grossa, acusando o governo
e os deputados de falharem na implementação de medidas mais avançadas e
eficazes sobre a proibição de fumar em espaços públicos, medida que passou a
vigorar a partir do dia 1 deste mês, por interferência da indústria do tabaco. Os
laboratórios farmacêuticos estão de igual modo a pressionar para o aumento geral
do preço dos medicamentos, com a chantagem de terem retirado algumas moléculas
do mercado, alegando aumento de custos de produção e distribuição. Esta, aliás,
tem sido uma prática habitual e antiga com a substituição de moléculas antigas,
baratas e sem registo de patente, por outras mais recentes e mais caras, mas
não mais eficazes, por vezes, até o contrário, em aberta operação de candonga e
especulação. Os governos têm sido permeáveis.
Não deixa de ser curioso verificar que este governo
PS e Costa seja permeável só a alguns interesses, possui uma natureza de
selecção muito questionável, porque se os comerciantes da doença têm escancaradas
as portas para os seus interesses, em contrapartida, os trabalhadores da saúde encontram-nas
geralmente semi-encerradas ou, então, totalmente fechadas. Os enfermeiros
fizeram greve por uma série de questões, desde a contagem dos pontos/tempo à
requalificação das carreiras e fim da discriminação dos CIT, apenas viram
satisfeitas as relacionadas com as reposições, coisa que o governo já tinha
decidido antes da greve. Em relações aos médicos, a situação é algo semelhante,
deterioração da carreira, desvalorização salarial e profissional, com os
internistas a queixarem-se do excesso de tarefas e desconsideração da
especialidade, o artigo de opinião da presidente Sociedade Portuguesa de Medicina
Interna (SPMI), professora Lélita Santos, no “Diário de Coimbra”, edição
de dia 03 de Janeiro, é bem esclarecedor sobre esta matéria, uma especialidade
que por sinal é a mesma do ministro. Os sindicatos queixam-se que a reorganização
das urgências não cumpre direitos laborais dos médicos. Não se percebe que o
governo continue a contratar médicos e enfermeiros através de empresas de trabalho
temporário, que vão enriquecendo com o negócio, e não o faça directamente e sem
precariedade, porque pouparia milhões de euros… ou as comissões falam mais
alto?
Um país sem futuro?
Para quem tenha dúvidas sobre estas realidades
da saúde em Portugal, que preste atenção aos números: acesso aos cuidados de
saúde foi o principal motivo das reclamações entregues à ERS, no primeiro
semestre de 2022 foram submetidos 60.391 processos REC (reclamações, elogios e
sugestões), um aumento de 32,6% em relação ao período homólogo de 2021; A Ordem
dos Enfermeiros (pese a manipulação para atacar o governo) recebeu 7.656 pedidos
de escusa de responsabilidade de enfermeiros, “por considerarem
que está em causa a qualidade e segurança dos cuidados prestados por falta de
profissionais”, em 2021; Aariz, o primeiro bebé do ano em Portugal, nasceu no
Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), filho de paquistaneses a viverem em
Portugal há três anos. Por este caminho, sem SNS, sem profissionais de saúde
devidamente respeitados e valorizados e com a população autóctone a diminuir, Portugal
será um país sem futuro. É contra este estado de coisas que nos devemos
insurgir.
Sem comentários:
Enviar um comentário