quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

2023: A evolução na continuidade no desmantelamento do SNS

A substituição de Temido pelo especialista em medicina interna Pizarro e a entrada em função do primeiro diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde são dois acontecimentos que marcam o princípio da criação do futuro SISTEMA Nacional de Saúde; ou seja, a substituição do SNS público por uma forma híbrida que engloba o mesmo SNS, mas empobrecido e amputado, com o sector privado e o serviço (dito) social dominado maioritariamente pela Igreja Católica, passando a ser uma das suas principias fontes de receita. Todos os lóbis privados da saúde irão ganhar fortemente com esta reestruturação – saliente-se! – feita à custa de uma maior quota parte da despesa saída do bolso do cidadão comum.

O SISTEMA Nacional de Saúde

Entre os privados serão os grupos estrangeiros que passarão a ter um quinhão maior entrando em competição directa com os nacionais já instalados. A entrega da gestão do Hospital de Cascais aos espanhóis do Grupo Ribera Salud no primeiro dia do ano em Portugal até ao final de 2031, por 561,2 milhões de euros, diz bem da política que irá ou, melhor dizendo, continuará a ser seguida pelo governo que se diz “socialista” – ora se não fosse! Deve-se salientar que este hospital tem sido gerido, também em parceria público-privado, pela Lusíadas Saúde, que se orgulha de ter “poupado” ao estado 230 milhões de euros, contudo, não esclarecendo quanto é que lucrou e quais os serviços de saúde prestados, geralmente, os mais baratos e desdobrados, enviando os casos mais dispendiosos para o SNS. Deve-se, igualmente, esclarecer que aquela empresa privada foi adquirida há pouco tempo pelo grupo Amil que, por sua vez, integra o norte-americano UnitedHealth Group.

Fica-se com a ideia clara que as constantes notícias lançadas pela imprensa mainstream nacional sobre os problemas das urgências hospitalares, sempre do SNS, se enquadram no mesmo tipo de propaganda que teve origem em Junho do ano passado a partir de notícia de não assistência no Hospital das Caldas da Rainha de uma grávida. Então foi o jornal “Público”, do grupo Sonae e família Azevedo, que deu o pontapé de partida; agora, é a televisão de Balsemão, o fundador e sócio nº1 do dito “principal partido da oposição”, que mais se encarniçado a denegrir o SNS e, através deste problema facilmente resolúvel caso houvesse interesse, para atacar o governo do PS e Costa. O SNS tem sido um alvo per si de ataque, mas também uma pedra de demolição do próprio governo, para mais, um governo que possui a estabilidade de uma maioria absoluta. Depois de algum tempo o grupo Sonae ter lançado o seu ataque, este deu a conhecer ao que vinha, anunciado a criação de um seguro de saúde e para o qual conta angariar 1 milhão de clientes. Agora, esperemos que o grupo Impresa anuncie um dia destes algo semelhante, já que o negócio da televisão e dos jornais já conheceu melhores dias.

Cuidados Primários e de Saúde Materna, os próximos alvos

São duas as áreas que o governo PS irá lançar à ganância dos privados os cuidados primários e os já mencionados cuidados de obstetrícia e ginecologia. Quanto a estes últimos a estratégia está delineada e é conhecida, as maternidades vão abrir de forma rotativa até Março, depois de cinco blocos de parto terem estado encerrados entre os dias 30 de Dezembro e 2 de Janeiro. Logo de imediato à notícia de encerramento rotativo das urgências das maternidades, o médico Diogo Ayres de Campos veio declarar que “não é solução civilizada para um país europeu" e que o "cerne do problema" são as equipas que estão reduzidas pela razão de que "o SNS não é atrativo" para os médicos e enfermeiros. Ora, o homem é quem tem estado à frente da comissão, nomeada pelo governo, para estudar este problema e que já afirmara que o mais certo é algumas maternidades do SNS terem de fechar; precisamente, são os mesmos argumentos usados pela Ordem dos Médicos e em inteira concordância com os interesses dos lóbis privados de saúde. Não esquecer que esta gente (os médicos que usam esta argumentação) acumula o público com o privado com o único fito de enriquecimento pessoal. Os utentes, os autarcas e alguns políticos, lesados por estes encerramentos, já ameaçaram com manifestações de rua.

Em relação aos cuidados primários de saúde, a privatização parcial foi especificada e será feita de duas formas, uma através de cooperativas de médicos reformados, mais um paradoxo, estão velhos para continuarem no SNS, mas ainda jovens para trabalhar em regime de empresariado, à semelhança com a promiscuidade público-privado quando ainda no activo; e com as USF (Unidades de Saúde Familiar) de modelo B, em que remuneração estará associada ao desempenho, serão consultas e teleconsultas ao metro e à resma, num verdadeiro atentado à boa prática de medicina e num modelo abertamente bio-médico, onde a prevenção e a educação para a saúde estarão praticamente ausentes; foram prometidas 28 unidades até ao meio do ano. Depressa o governo e o seu comissário para a saúde Pizarro passarão a entregar estas USF directamente para as mãos dos privados, à boa maneira americana.

As mortes por excesso por encerramento do SNS

Não é por acaso ou por capricho dos deuses que em Portugal se tem assistido a um aumento inédito de mortes por excesso. Ao longo do ano passado foram registados 124 792 óbitos, com 2022 a ser considerado o segundo ano com maior número de mortalidade de sempre no país, ficando apenas atrás do registado em 2021, com 125 231 óbitos – só no mês de Dezembro registou-se o record de 12 197 óbitos! Esta mortalidade poderá ser atribuída ao número de mortes por (ou com?) covid-19, mas a mortalidade de 2022 só poderá ser atribuída não às alterações climáticas, como referiu o ministro cabeça de tartaruga, mas aos casos de doenças que ficaram por diagnosticar e tratar durante os dois anos de pandemia, pelo facto do SNS ter encerrado para se dedicar exclusivamente ao combate de uma doença cujo índice de mortalidade andou pelos 2%. Terá sido mais uma mortandade devido à aplicação de uma política de saúde criminosa e de confinamento social em termos de ditadura sanitária para controlo da população e com fins abertamente políticos atendendo à grave crise económica que já se avizinhava.

Esta política de ataque à liberdades, direitos e garantias do cidadão continua na recusa do governo, através do referido ministro Manuel Pizarro, de “divulgar os contratos das compras das vacinas contra a covid-19”. A denúncia é do jornal online “PáginaUm”, que adianta: “Desde Março de 2021, não é colocado no Portal Base qualquer documento sobre compras às farmacêuticas. Até então teriam sido compradas menos de 11 milhões de lotes, menos de 25% do total eventualmente adquirido. Ignora-se também as condições acordadas, nomeadamente ao nível da responsabilização e de eventuais compras obrigatórias no futuro”. Espera-se a decisão do Tribunal Administrativo sobre processo de intimação movido por aquela revista e que bem diz da natureza da política e das intenções do governo sobre a saúde em Portugal. Costuma-se dizer que “quem não deve, não teme”, será para questionar: que corrupção se encontra por detrás deste negócio das vacinas? E não só!

Os privados estão primeiro

A defesa dos interesses dos diversos grupos de pressão dentro da saúde por parte de Costa é mais que notória: são diversos, vão desde as clínicas privadas, vendedores de equipamentos e Igreja aos laboratórios farmacêuticos e de exames complementares de diagnóstico. Recentemente, a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Sofia Ravara, não esteve com papas na língua e foi curta e grossa, acusando o governo e os deputados de falharem na implementação de medidas mais avançadas e eficazes sobre a proibição de fumar em espaços públicos, medida que passou a vigorar a partir do dia 1 deste mês, por interferência da indústria do tabaco. Os laboratórios farmacêuticos estão de igual modo a pressionar para o aumento geral do preço dos medicamentos, com a chantagem de terem retirado algumas moléculas do mercado, alegando aumento de custos de produção e distribuição. Esta, aliás, tem sido uma prática habitual e antiga com a substituição de moléculas antigas, baratas e sem registo de patente, por outras mais recentes e mais caras, mas não mais eficazes, por vezes, até o contrário, em aberta operação de candonga e especulação. Os governos têm sido permeáveis.

Não deixa de ser curioso verificar que este governo PS e Costa seja permeável só a alguns interesses, possui uma natureza de selecção muito questionável, porque se os comerciantes da doença têm escancaradas as portas para os seus interesses, em contrapartida, os trabalhadores da saúde encontram-nas geralmente semi-encerradas ou, então, totalmente fechadas. Os enfermeiros fizeram greve por uma série de questões, desde a contagem dos pontos/tempo à requalificação das carreiras e fim da discriminação dos CIT, apenas viram satisfeitas as relacionadas com as reposições, coisa que o governo já tinha decidido antes da greve. Em relações aos médicos, a situação é algo semelhante, deterioração da carreira, desvalorização salarial e profissional, com os internistas a queixarem-se do excesso de tarefas e desconsideração da especialidade, o artigo de opinião da presidente Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), professora Lélita Santos, no “Diário de Coimbra”, edição de dia 03 de Janeiro, é bem esclarecedor sobre esta matéria, uma especialidade que por sinal é a mesma do ministro. Os sindicatos queixam-se que a reorganização das urgências não cumpre direitos laborais dos médicos. Não se percebe que o governo continue a contratar médicos e enfermeiros através de empresas de trabalho temporário, que vão enriquecendo com o negócio, e não o faça directamente e sem precariedade, porque pouparia milhões de euros… ou as comissões falam mais alto?

Um país sem futuro?

Para quem tenha dúvidas sobre estas realidades da saúde em Portugal, que preste atenção aos números: acesso aos cuidados de saúde foi o principal motivo das reclamações entregues à ERS, no primeiro semestre de 2022 foram submetidos 60.391 processos REC (reclamações, elogios e sugestões), um aumento de 32,6% em relação ao período homólogo de 2021; A Ordem dos Enfermeiros (pese a manipulação para atacar o governo) recebeu 7.656 pedidos de escusa de responsabilidade de enfermeiros, “por considerarem que está em causa a qualidade e segurança dos cuidados prestados por falta de profissionais”, em 2021; Aariz, o primeiro bebé do ano em Portugal, nasceu no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), filho de paquistaneses a viverem em Portugal há três anos. Por este caminho, sem SNS, sem profissionais de saúde devidamente respeitados e valorizados e com a população autóctone a diminuir, Portugal será um país sem futuro. É contra este estado de coisas que nos devemos insurgir.

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