segunda-feira, 30 de setembro de 2019

CONTAS CERTAS = DESTRUIÇÃO DO SNS


in https://www.jornaltornado.pt
por Eugénio Rosa
A VERDADE SOBRE AS TRANSFERÊNCIAS DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA O SNS, O ACESSO CADA VEZ MAIS DIFICIL A SERVIÇOS DE SAÚDE PELOS PORTUGUESES, E O ESTRANGULAMENTO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE QUE É EXEMPLO A SITUAÇÃO NA ADSE MOTIVADO PELA OBSESSÃO DE REDUZIR RAPIDAMENTE O DÉFICE A ZERO PARA “BRILHAR” EM BRUXELAS
Uma das questões que mais preocupam os portugueses, confirmada pelas sondagens realizadas, são as dificuldades crescentes que enfrentam para ter acesso a cuidados de saúde, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Por essa razão, esta questão tem sido objeto de grande debate público por parte dos partidos que concorrem às eleições de outubro. O governo e o PS têm afirmado que nunca tanto dinheiro foi aplicado no SNS, e que nunca tanto se fez pelo SNS como durante o atual governo. Mário Centeno, um dos arautos das posições governamentais, afirma mesmo que não há cortes e nem cativações na saúde. Os outros partidos criticam o governo e o PS pelas dificuldades visíveis que enfrentam os portugueses no acesso a serviços de saúde e pela escassez de meios que o atual governo dedicou ao SNS.
(…)
No período do atual governo (2015/2019) os défices acumulados (transferências do OE inferiores às despesas do SNS) somaram -5.264 milhões €. Portanto, embora as transferências do Orçamento do Estado para o SNS tenham aumentado (entre 2014 e 2019 em 1.410 milhões €), o certo é que os défices anuais do SNS não diminuíram; até aumentaram, daí as suas dificuldades crescentes.
DURANTE O ATUAL GOVERNO A PARCELA DE RIQUEZA CRIADA NO PAÍS TRANSFERIDA PELO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA O SNS ATÉ DIMINUIU
Como mostram os dados do gráfico 2, que também foi construído com dados oficiais (INE e MS), e contrariamente ao que se pretende fazer crer, a parcela de riqueza criada no país (PIB) transferida para o SNS, através do Orçamento do Estado, diminuiu com o atual governo.
(…)
As percentagens do gráfico 2 foram calculadas com base em dados oficiais. E a percentagem de riqueza criada no país (PIB) transferida anualmente para o SNS, através do OE, pelo atual governo não aumentou; pelo contrário, até foi inferior à de 2013 e 2014. Durante o debate da nova Lei de bases da saúde aprovada pela Assembleia da República, defendemos que fosse introduzida na lei uma norma travão que estabelecesse que as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde não podiam ser inferiores, anualmente, a 5% do PIB a preços correntes do respetivo ano. Isto para impedir o arbítrio dos governos, que transferem cada ano o que querem, muitas vezes condicionados, como aconteceu com este governo, pela obsessão de reduzir o défice a ZERO e de se apresentar em Bruxelas como “bom aluno”, e obter o aplauso, incluindo da direita, de ser “o ministro de contas certas” Assim é fácil. A introdução dessa norma travão contra o subfinanciamento crónico do SNS teria determinado que, no período 2015/2019, o SNS tivesse recebido do Orçamento do Estado , em média por ano, mais 1.100 milhões €, a quantia suficiente para acabar com o subfinanciamento crónico do SNS, pagar mais aos profissionais de saúde, acabar com a promiscuidade que existe a nível destes de trabalharem simultaneamente no SNS e nos grandes grupos privados de saúde, e exigir uma gestão mais eficiente e responsável, acabando com a má gestão e promiscuidade que prolifera no SNS e o destrói. Enviamos a proposta da introdução desta norma travão à comissão nomeada pelo governo e presidida pela Dra. Maria de Belém assim como aos partidos mas nenhum teve a coragem de propor e defender a introdução de uma medida desta natureza na nova lei de bases da saúde, mas agora todos falam, incluindo o partido do governo, que é preciso defender o SNS e dotar este dos meios financeiros necessários
O ESTRANGULAMENTO DOS SERVIÇOS PUBLICOS, NOMEADAMENTE DE SAÚDE, DE QUE É EXEMPLO A SITUAÇÃO NA ADSE
Mário Centeno declara que não corta nem cativa despesas de saúde. Apesar da ADSE ser financiada quase exclusivamente com os descontos dos trabalhadores e aposentados da Função Pública (em 2019, são mais de 600 milhões €), no orçamento inicial apresentado ao governo este cortou, arbitrariamente e sem dar qualquer justificação, 50 milhões€ nas despesas com saúde e 1,5 milhões € nas despesas de pessoal. Como consequência, no orçamento aprovado pelo Ministério das Finanças não existe verba suficiente para pagar as despesas de saúde do Regime convencionado e do Regime livre dos trabalhadores e aposentados da Função Pública em 2019. E como tudo isto já não fosse suficiente, em fevereiro-2019 cativou mais 650.000€ nas despesas com pessoal o que determina que a ADSE não tenha verba para lançar qualquer concurso para contratar os trabalhadores que necessita para poder funcionar normalmente, servir melhor os beneficiários, e combater com eficácia a fraude e o consumo desnecessário. Durante janeiro de 2019, a ADSE esteve até impossibilitada de fazer quaisquer aquisições de bens e serviços essenciais para o seu funcionamento porque foi impedida pelo Ministério das Finanças (a razão é que não tinha lançado os “cativos”). É esta a realidade e a verdade na Administração Pública.
(...)
Mas mesmo aqui a interferência do Ministério das Finanças é brutal. É ele que fixa o valor máximo por hora que a ADSE pode pagar. E no último concurso, o Ministério das Finanças determinou que o valor máximo que a ADSE podia pagar por hora a uma empresa de trabalho temporário era apenas 4,77€, o que determina que a empresa de trabalho temporário pague ao trabalhador entre 2,5€ e 2,8€/hora. O concurso ficou deserto. E a ADSE tem de repetir o concurso com o mesmo valor. António Costa diz aos patrões privados que é necessário que aumentem os salários aos trabalhadores quando na Administração Pública, por imposição do ministério de Mário Centeno, se paga entre 2,5€ e 2,8€ hora a trabalhadores precários.
(...)
A DESPESA SUPORTADA COM SAÚDE PELAS FAMÍLIAS É MAIS ELEVADA EM PORTUGAL QUE NA UE 
Como consequência do subfinanciamento crónico do SNS, da promiscuidade publico privada dos profissionais de saúde, que trabalham simultaneamente no SNS e principalmente nos hospitais dos grandes grupos privados de saúde, devido a ausência de uma carreira e de remunerações dignas no SNS, e devido também ao estrangulamento de toda a Administração Pública levada a cabo pelo atual governo para reduzir o défice orçamental a zero, e à má gestão no SNS a despesa das famílias com a saúde aumentou muito em Portugal, sendo muito mais elevada do que a média da União Europeia.
(…)
Como consequência, o negócio privado da saúde explodiu em Portugal, nomeadamente o dos 5 grandes grupos (Luz, JMS, Lusíadas, Trofa e grupo dos Hospitais Privados do Algarve) que dominam totalmente o mercado privado da saúde, eliminando os pequenos e médios prestadores, o que tem sido ajudado pelos governos através do estrangulamento do SNS e de uma gestão na ADSE que procura concentrar a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários apenas nos grandes grupos (desde que entrei para o Conselho diretivo da ADSE em representação dos beneficiários tenho procurado combater essa gestão que favorece os grandes grupos de saúde e prejudica os pequenos e médios prestadores, e os beneficiários pois dificulta o acesso à saúde, mas tem sido em vão – até a esta data só consegui a assinatura de 2 convenções c/ hospitais de IPSS e Misericórdias - devido à forte oposição dos dois membros do conselho diretivo nomeados pelo governo em sua representação). A privatização da saúde em Portugal está-se a fazer através de aquisição de bens e serviços ao setor privado pelo setor público. Em 2019, a compra de serviços aos privados pelo SNS atingirá 5.756 milhões € e da ADSE 600 milhões €.
Em Portugal, em 2016, 28% da despesa com a saúde era suportada diretamente pelas famílias, quando a média nos países das União Europeia era, no mesmo ano, apenas de 18% como mostram os dados da OCDE (OECD Health Statistics, Eurostat Dabase). Atualmente a situação ainda deve ser mais grave. É esta a realidade.
Texto completo e com gráficos aqui

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Ordem dos Enfermeiros encomenda estudo sobre as condições de trabalho e vida dos Enfermeiros em Portugal



Sem dúvida alguma que a OE (Ordem dos Enfermeiros) é uma mãos largas de dinheiro, são 36 mil euros para ter enfermeira em telenovela, numa estratégia de dignificação e promoção da profissão, segundo propala, e são 70 mil euros por pareceres sobre a sindicância, levada a cabo pelo governo PS e executada pelo pau-mandado do Costa, a ministra Marta Temido – uma manobra intimidatória com o falso pretexto da ilegalidade da campanha de fundos para apoio da greve cirúrgica que agora ficou desmascarada com a aprovação do dito crowdfunding pela ASAE que, na sua inspecção, concluiu que “não se verificou qualquer ilícito”.
Agora, é «a historiadora Raquel Varela vai coordenar um estudo encomendado pela Ordem dos Enfermeiros sobre as condições de trabalho e vida dos Enfermeiros em Portugal. O objectivo deste estudo é obter dados actuais e fidedignos sobre o desgaste destes profissionais, no ano em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu incluir na lista de doenças o "burnout", estado de esgotamento físico e mental causado pelo exercício de uma actividade profissional - classificação que vigorará a partir de Janeiro de 2022».
E mais: «O estudo, que pretende ser uma radiografia dos Enfermeiros que trabalham em Portugal, será realizado por um consórcio entre a Universidade Nova e o Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, coordenado por Raquel Varela e co-coordenado pelo professor Henrique Oliveira. Os primeiros resultados são esperados ainda este ano.
A Bastonária Ana Rita Cavaco alerta para a importância deste trabalho. “Estamos a falar de questões muito sérias, que têm consequências directas na prestação dos cuidados de saúde. Quanto mais Enfermeiros participarem, maior será a aproximação à realidade que muitos teimam em negar ou esconder”, sublinha a Bastonária, apelando à adesão dos Enfermeiros quando o estudo estiver disponível. (...)
Raquel Varela, que publicamente se assume como uma defensora do SNS e criticou a requisição civil durante a greve, tem manifestado preocupação com as condições laborais actuais. “Muitas destas pessoas trabalham horas sobre horas, turnos sobre turnos. Isto vai ter consequências”, alerta a historiadora.»
Ora, acrescentamos nós, será uma boa altura para os enfermeiros, encabeçados pela OE, já que esta se tem arvorado em associação de carácter sindical, e pelos demais sindicatos, que até são uma meia-dúzia, agarrarem a reivindicação de exclusividade dentro do SNS, com aumento correspondente do salário. Será mais que uma certeza depararem-se com a resistência tenaz por parte do governo, deste e do que vier a seguir, porque mantendo a situação presente é garantia de baixos salários e de maior desemprego, ganha o estado e ganham os privados.
A exclusividade significa, para além de um maior e mais justo salário (+50% sobre o salário base, por hipótese), será mais descanso físico, mais saúde mental e mais postos de trabalho disponíveis, ou seja, maior empregabilidade e menos emigração.
Uma enfermagem motivada é (também) sinónimo de melhores cuidados prestados pelo SNS. O povo português agradece.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O ataque à Ordem dos Enfermeiros – Santa inspecção ou Santa inquisição?


por António Garcia Pereira
1. O (des)respeito pelos princípios 
Passadas as (infelizmente, já habituais) manobras de contra-informação e de manipulação acerca da Ordem dos Enfermeiros levadas a cabo pelo Governo, fazendo escorregar para a Comunicação Social alguns, e apenas alguns, dos elementos do processo contendo a versão governamental, eis que, com o conhecimento de alguns dos pontos da defesa apresentada pela mesma Ordem, se vão conhecendo diversas realidades, cada uma delas mais estarrecedora do que a outra.
E a primeira e essencial questão que deve ser colocada não é se gostamos, ou não, da Ordem dos Enfermeiros, dos seus actuais dirigentes ou sobretudo da sua Bastonária, ou se concordamos, ou não, com as suas ideias políticas, profissionais ou outras. Tal como sempre afirmei[1], se nos prezamos de ter princípios, não é por não gostarmos de alguém ou por dele discordamos com firmeza e veemência que poderemos achar bem que esse mesmo alguém seja alvo de malfeitorias e de incorrecções, e muito menos de práticas absolutamente indignas e impróprias de uma sociedade que pretende ser um Estado de direito democrático.

2. Truques para violar o direito de defesa
Ora, acontece que, de um relatório de 825 folhas (ou seja, de 1650 páginas!) que levou pelo menos 3 meses a ser elaborado, a Ministra da Saúde usou do truque de apenas notificar a entidade visada (a Ordem dos Enfermeiros) do relatório e despacho finais (cerca de 25 folhas), não remetendo nem disponibilizando cópia da integralidade do processo e só a entregando largo tempo depois, através da emissão de uma certidão, mas contando o prazo de pronúncia desde o primeiro momento. Esta habilidade fez com que a Ordem apenas dispusesse do exíguo prazo de 5 dias úteis para se pronunciar e responder, e ainda assim sem que lhe tenham sido entregues alguns dos alegados elementos de prova referidos no dito relatório (um suporte digital, um CD e uma pen). O que consubstancia, desde logo, uma grosseira e inaceitável violação do contraditório e do direito de defesa, tão flagrante quanto reveladora das reais intenções da Ministra da Saúde que foi quem, por despacho de 16/4/19, precisamente ordenou, e com carácter de urgência, a sindicância à Ordem dos Enfermeiros. 
(...)
5. Uma Ministra preconceituosa e especialista na manipulação

Por seu turno, a Ministra da Saúde Marta Temido já há muito que tinha revelado os seus pré-juízos sobre a Ordem dos Enfermeiros e sobre a sua Bastonária e quais as suas reais intenções. Quando era Presidente da ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, aí[6]procedia à manipulação das estatísticas oficiais relativas às listas e aos tempos de espera de consultas e de cirurgias, com “iniciativas centralizadas, em 2016”, as quais “incluíram a eliminação administrativa de pedidos com elevada antiguidade falseando os indicadores de desempenho reportados”, fazendo com que, também por essas razões, o mesmo Tribunal de Contas concluísse que “a qualidade da informação disponibilizada publicamente pela ACSS, IP sobre as listas de espera não é fiável”.
Ora, já nessa altura, e pensando, pelos vistos, que as contas consolidadas se afeririam pela mera soma aritmética das contas parcelares e julgando ter aí encontrado um pretexto para aquele que já então – no final de 2017, note-se! – era o seu principal objectivo (atacar a Ordem dos Enfermeiros e sobretudo a sua bastonária), solicitou ao Secretário de Estado da Saúde, Dr. Fernando Araújo, que este ordenasse a por ela já tão desejada sindicância à Ordem dos Enfermeiros, o que o mesmo governante então recusou liminarmente.
Ora, após ter sido afastada da presidência da ACSS pelo então ministro da Saúde, Dr. Adalberto Campos Fernandes, devido ao referido relatório de auditoria do Tribunal de Contas, António Costa foi buscá-la para a nomear Ministra da Saúde, julgando a mesma ter ficado “com a faca e o queijo na mão”. E daí ter ordenado, após a greve dos enfermeiros e a titânica luta destes pela dignidade da sua profissão, as medidas persecutórias que Fernando Araújo recusara…
Porém, como se isto tudo ainda não bastasse, a ministra Marta Temido ainda pôs mais a nu, não apenas a natureza parcial e pré-concebida da sua posição, como também que, com a tal sindicância, não se tratava de averiguar, séria, objectiva e imparcialmente qualquer verdade dos factos, mas sim obter a todo o custo o afastamento da Bastonária, chegando mesmo ao ponto de afirmar publicamente[7], e antes do contraditório da Ordem (!), que a sindicância revelaria “indícios comprometedores (…) suficientes para ditar o afastamento da Bastonária” e que teria “capacidade para ser afastada por uma medida que entenda ser a correcta”.
Em suma, esta sindicância foi ordenada e executada por todo um conjunto de “bons rapazes” e de “boas raparigas”, todos eles com mais que evidentes circunstâncias factuais absolutamente adequadas a fazer duvidar, séria e fundadamente da sua imparcialidade!…

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Publicação do CCT de Setúbal: um marco nas relações laborais



Quando se leva a luta até ao fim, a vitória sempre aparece! Eis o exemplo:
«Depois de vinte anos, durante os quais sucessivos governos e autoridades fecharam os olhos a níveis obscenos de precariedade, com a perpetuação e banalização dos contratos à jorna, a luta corajosa e sem precedentes de centena e meia de trabalhadores precários, apoiados pelos efectivos, durante a Batalha de Setúbal, concretizou a primeira grande viragem de página na arquitectura laboral deste importante porto nacional.
Para além da passagem a contratos sem termo de cinquenta e seis estivadores – número avançado pelo SEAL no início das negociações face ao histórico de colocações – garantimos neste acordo que todos aqueles que ainda não alcançaram o estatuto de efectivos terão garantido o direito a trabalhar um turno diariamente antes de qualquer trabalhador realizar trabalho suplementar, para além da garantia de que todos os actuais estivadores do porto – precários incluídos – terão prioridade total de colocação antes de qualquer outro trabalhador.
Consta do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) um outro princípio importante que o SEAL vem perseguindo e assinando em diversos portos, como seja o da distribuição equitativa de todo o trabalho – tanto normal como suplementar – entre todos os estivadores do porto.
Quanto aos avanços em matéria salarial, conseguimos que todos os trabalhadores possam alcançar o topo da tabela, quando anteriormente os estivadores mais novos paravam a meio; acordámos que os novos 56 contratados sem termo fossem posicionados na grelha salarial num ponto que lhes permite auferir mensalmente um salário mínimo, alimentação incluída, que ultrapassa os 1.400 euros; reposicionámos os estivadores mais novos, que já eram efectivos, em níveis bastante superiores da nova grelha salarial; e, finalmente, tendo partido de uma actualização transversal de 5,5%, e para além dos aumentos resultantes do ganho de diuturnidades e de subidas na grelha salarial, garantimos no CCT hoje publicado, uma actualização anual resultante do índice da inflação majorado em 1,3%, durante 6 anos, desde 2020 até 2025, final da vigência e sobrevigência do mesmo.
Em termos remuneratórios, estas foram as principais conquistas. Embora não tendo resolvido todos os desafios ainda por superar, este modelo alcançado terá um valor evidente aos olhos dos trabalhadores deste país ao abrir novos caminhos para padrões negociais de futuras negociações que comecem a enterrar, de uma vez por todas, a realidade salarial de um país de miséria que nos têm vendido e imposto.
Hoje, com a publicação do CCT de Setúbal, aprovado em plenário no passado dia 23 de Maio e que entra em vigor no prazo de cinco dias, entramos numa nova fase. O mesmo prevê que no primeiro trimestre de 2020 nos voltemos a sentar à mesa com as Associações Patronais para que se possa analisar a possibilidade de mais contratações sem termo, face ao novo histórico.
Sabemos bem como, para a generalidade da população portuguesa, são inconcebíveis os contratos à jorna dos estivadores, mas ainda existem mais de oito dezenas de estivadores no porto de Setúbal que continuam precários e a trabalhar neste regime esclavagista que, ao final de cada turno, os despede.
A verdade é que a não ser o SEAL a combater este cancro social, por acordo com as empresas ou pelas lutas no terreno, não será certamente qualquer governo, actual ou futuro, que terminará com esta doença social, independentemente da mensagem eleitoral que apregoe.
Uma nota final para todos os que apoiaram a Batalha de Setúbal, desde as organizações sociais, políticas e mesmo religiosas, até aos milhares de cidadãos que nos fizeram chegar a força da sua solidariedade, formando um bloco de opinião que ajudou a consolidar na consciência das pessoas a importância de se generalizar a justiça laboral e o combate à precariedade e aos salários de miséria.»
por António Mariano

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Maus "pais", padrastos e enteados


Fonte: Tribunal de Contas


«Não custa nada ser pai. O mais difícil é cuidar de um filho. 
O Partido Socialista tem querido, nesta campanha eleitoral, mostrar-se como o pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS). António Costa afirmou mesmo que se trata de "uma conquista que honra profundamente a história do PS e aqueles que já governaram em nosso nome e que, infelizmente, já nos deixaram”. Evocava assim o nome de Mário Soares e António Arnaut como “o pai e a mãe do Serviço Nacional de Saúde”. Parece que mais ninguém lutou no sector pela criação de um serviço público gratuito em prol de toda a população. 

O Partido Social-Democrata - mesmo sabendo-se que votou no Parlamento contra a criação do SNS (tal como o CDS) - considera-o já uma conquista da Democracia e puxa dos galões para acusar o PS de ter "degradado brutalmente o SNS". Marcelo Rebelo de Sousa - que no momento da criação do SNS andava a leste do assunto (ver aqui); que no momento da discussão da recém aprovada Lei de Bases da Saúde quis forçar o PS a negociar com um PSD que mais defende o sector privado do que o público (ver aqui) - até já se afirmou irmão do SNS, tudo porque, na sua opinião, o seu pai - o de Marcelo - terá sido percursor do SNS e Marcelo - à laia de António Damásio... - diz ter "uma razão afectiva" pelo SNS (ver aqui).

Mas quando se olha para os montantes que têm sido despendidos no SNS, verifica-se que, na prática, a teoria é outra.
Tentei encontrar valores sobre as despesas do Estado com a Saúde. Mas não é uma tarefa fácil. Para já, apenas há valores online posteriores a 1996 no Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado ou nas sínteses de execução orçamental da Direcção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças, sobre as contas da Saúde. Depois, as metodologias de apresentação dos valores vão variando e nem sempre se consegue manter as séries. Mesmo assim, é bem possível que haja qualquer erro de comparação - as contas públicas não primam por ser amigáveis para consulta pública. Os números carecem, pois, de confirmação e deve-se olhar mais para a sua tendência.

Quando actualizadas a preços de 2018, verifica-se que as verbas orçamentais distribuídas ao Ministério da Saúde não se alteraram substancialmente de 2004 a 2017. O investimento no SNS recuperou nos últimos anos, mas está mesmo assim abaixo - é metade! - do verificado em 1999.

E isso apesar de ser consensual que a população está a envelhecer, que a pressão sobre o SNS é cada vez maior, que os custos com medicamentos e exames é tendencialmente crescente. Apesar disso, os governos socialistas social-democratas pouco fizeram. Mantiveram. E ao manter, degradaram.

Durante esse período, passaram-se governos do Partido Social-Democrata e do Partido Socialista, chefiados por Durão Barroso, Santana Lopes, António Guterres, José Sócrates, Passos Coelho/Paulo Portas e, agora, António Costa. E revela-se que, apesar de António Costa se revelar impante com o SNS, na verdade o seu ministro das Finanças Mário Centeno parece ter menos afeição - neste caso uma razão menos afectiva - por aquela que o actual primeiro-ministro diz ser - agora! - a prioridade para a próxima legislatura.

Escrevi propositadamente por extenso o nome desses dois partidos. Assim, parece tornar-se ainda mais descarada a distância que vai entre as designações programáticas dos partidos, as afirmações fáceis de campanha e aquilo que, na realidade, se passa no terreno.»
J.R. de Almeida in ladroesdebicicletas

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Enfermagem: uma carreira made in OE e de agrado das chefias



A bastonária veio há pouco tempo lamentar o aumento da emigração dos enfermeiros, que atingiu este ano os níveis do tempo da troika, e atribuir o facto à desilusão provocada pela dita “nova carreira” - pode limpar à vontade as mãos à parede! É mais do que evidente que esta carreira, que deixou mais de metade dos enfermeiros de fora e provocou um sem número de injustiças teve a mão da Ordem, que esteve o tempo que a precedeu a funcionar como organização sindical.
Passados 10 anos após a entrada em vigor de uma carreira que na altura foi apresentada como a melhor do mundo, já que acabava com as categorias supérfluas de “enfermeiro-supervisor” e até de “chefe” e rearrumava os enfermeiros especialistas em “enfermeiro principal”, cujo salário médio seria o dobro do “enfermeiro especialista”, e - objectivo supremo de toda a movimentação, desde greves, manifestações, as maiores realizadas até então, juntando os sindicatos das duas centrais sindicais - instituía o grau de licenciatura.
Só que havia uma "pequena" questão: os “doutores” continuavam a auferir o mesmo salário que recebiam antes do reconhecimento da licenciatura. Outros problemas surgiram, que os sindicatos não conseguiram ou não quiseram ver: os especialistas desapareceram, porque concurso para enfermeiro principal nunca abriu; os salários estagnaram porque, entre outras coisas, a carreira e as progressões na função pública congelaram. O pretexto foi a crise e a subsequente intervenção da troika.
Com a substituição do PSD/CDS pelo PS no governo, os sindicatos em vez de reactivarem a carreira em hibernação forçada, vieram com a proposta de uma nova. O SEP inclusivamente fez um Congresso onde se apresentou a necessidade de “nova carreira”, mas sem conseguir explicar a caducidade ou a desactualização da carreira ainda em vigor, pelo menos no papel.
Veio, finalmente, a “nova carreira” - Decreto-Lei nº 71/2019, de 27 de Maio – que para além de não resolver as questões antigas ainda acrescentou mais algumas, e não só as já conhecidas “injustiças relativas”. Os sindicatos de pronto manifestaram o seu desagrado, genuíno ou fingido, mas manifestaram-se:
O SEP: “a carreira, agora publicada, constitui um pesado revés nas legítimas e justas expectativas e aspirações dos enfermeiros em possuírem uma carreira que valorize e dignifique o seu desenvolvimento profissional e salarial”... nomeadamente, “a imposição de uma quota de 25% (propusemos que fosse de 50%) de postos de trabalho para a categoria de Enfermeiro Especialista” ou “a imposição das regras de transição que obriga a que cada enfermeiro transite para as categorias de especialista ou de gestor com o mesmo salário.”
O SINDEPOR: “repudia a publicação do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 28 de Maio, que não passa de mais um ato a juntar a uma longa lista de completo desrespeito pela Enfermagem em Portugal. Consideramos tanto a forma como o conteúdo de todo o processo denominado de “negocial” uma farsa e um embuste uma vez que se concretizou a intenção demonstrada pelo Ministério da Saúde em 17 de janeiro de 2019, ignorando claramente e deliberadamente as pretensões dos Enfermeiros apresentadas pelos seus sindicatos”.
Os sindicatos prometeram luta. O SINDEPOR convocou greve para os dias 2 a 5 de Julho, que decorreu com elevada percentagem de adesão, provando que os enfermeiros na sua maioria estão revoltados com a situação, e o SEP ameaçou com “Carreira, Progressões e Especialistas: esta luta não pára” (06 de Junho) e “Estamos a intervir junto dos Grupos Parlamentares no sentido de suscitarem a “apreciação parlamentar”... Em breve avançamos com uma “Petição Pública”, a remeter à Assembleia da República, no sentido de serem debatidas em plenário as soluções de Carreira que são justas perante os enfermeiros. É a via legalista, dando na prática como inútil a luta mais dura que tanto têm apregoado.
Passado todo este tempo, a apreciação a fazer é fácil:
1- ao contrário do que afirma o SEP, há valorização para algumas categorias: o especialista passa ganhar em média mais 50 euros, para além do suplemento, os ditos “especializados” não tiveram que fazer concurso público, ao contrário dos especialistas na velha carreira (DL 437/1991); os chefes e supervisores passam a ganhar em média mais 300 euros, que são indubitavelmente os mais beneficiados, e duplamente: não desaparecem, recebem o maior aumento pecuniário e vêem o seu poder discricionário aumentado;
2- nem todos os especialistas foram recolocados na categoria, ou porque ficaram de fora na selecção feita pelos chefes - não houve critérios objectivos, por exemplo, nota ou/e tempo de especialidade ou de serviço – ou porque não se podia ultrapassar a quota dos 25%. Não se percebe que os sindicatos tenham reivindicado os 50%, sabendo que a intenção do governo era só os 25%, e não os 100%, que é o mais lógico: todos os enfermeiros devem ser especialistas;
3- a imposição de critério de transição para a categoria de enfermeiro especialista de “receberem o suplemento remuneratório” e a exclusão de enfermeiros já especialistas nos termos do DL 437/1991 mostra a intervenção da Ordem dos Enfermeiros, que teve em todo o processo um protagonismo que não lhe cabe legalmente e que foi ditado por obediência a agenda política do partido da bastonária – os sindicatos foram relegadas decididamente para segunda posição, com alguns deles, os que nem sempre estiveram com as greves, a desempenhar voluntariamente esse papel para não colocar em causa o governo;
4- o governo sempre manifestou, desde o início, uma explicita má-fé, que foi acompanhada pelas administrações da maior parte das instituições do SNS: pela não contabilização correcta e atempada dos pontos para progressão remuneratória; pela aprovação do Decreto-Lei nº27 de Abril de 2018, com retroactividade a partir de Janeiro, que deveria sair em 2017 a fim de os enfermeiros puderem actualizar a sua inscrição na Ordem; situação esta que foi exigida só em Agosto pelas administrações (CHUC, por exemplo) permitindo que estas beneficiassem de uma irregularidade pela qual também eram responsáveis; a não divulgação das listas de enfermeiros especialistas elaboradas pelas chefias em 2017, isto é, antes da publicação do Decreto-Lei, mas só depois, já com o facto consumado (O CHUC só agora publicou as listas dos enfermeiros consoante a data de inscrição ou actualização na Ordem, coisa que deveria ter feito em 2017!);
5- é notório não só a má-fé como todo o desprezo votado pelo governo aos sindicatos durante todo o processo (mais visível na não correcção das já referidas “injustiças relativas”), bem como o ódio dispensado a toda a classe dos enfermeiros. Foi o ataque pérfido contra as suas lutas, principalmente as greves cirúrgicas - atitude completamente diferente quando se trata de greves feitas pelos médicos ou pelos juízes. Foi o decretar da requisição civil, medida que faz inveja a qualquer governo de direita ou de extrema-direita. Esta política de ataque e de desconsideração de toda uma classe, um dos pilares fundamentais do SNS, só foi possível porque houve sindicatos, seguindo agenda partidária particular, que andaram, e continuam a andar, com o o governo do PS e do Costa ao colo.
O Costa, em entrevista recente dada ao Expresso, foi claro: “o país não pode estar refém das carreiras especiais da função pública”. E o PS, tempo antes, já dera a conhecer o seu programa eleitoral para as próximas eleições de 6 de Outubro, não deixando margem para dúvidas em relação às carreiras da administração pública, já que estas “custam todos os anos 200 milhões de euros e, deste valor, quase dois terços é gasto em carreiras especiais em que o tempo conta no processo de progressão” e “uma realidade que cobre cerca de um terço dos trabalhadores do Estado”, então há que desfazer o “desequilíbrio” e “limitar a política salarial na próxima década”, estabelecendo “uma política de incentivos na administração pública que premeie a excelência e o cumprimento de objetivos pré-definidos”. Só que a “excelência” e o “cumprimento de objetivos” serão sempre definidos pelas chefias.
A carreira de enfermagem será uma “não carreira”, onde se progride consoante a opinião do chefe, como agora já se ensaiou com os enfermeiros especialistas; progridem os afilhados, os informadores, os detentores do cartão do partido, à boa moda do antes 25 de Abril, faltará só assinar declaração de fidelidade política. Será uma carreira em modo CIT, daí também o desinteresse dos sindicatos em acabar com os contratos individuais, e de agrado das chefias e administrações. Será simultaneamente o acabar com as carreiras na administração pública – no privado, será com o fim da contratação colectiva. Será o complemento de destruição a breve prazo do SNS. Será a domesticação dos enfermeiros, à semelhança dos professores, que devem pensar (na lógica do governo) que não há alternativa e que não vale a pena lutar.
Bem pelo contrário, a luta a sério irá iniciar-se agora e intensificar-se depois de Outubro.