quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Uma sociedade que sofre de medicamentalização



Frustrações em nossa vida diária, angústias e excentricidades estão constantemente sendo categorizadas como doenças que merecem, além de uma grande atenção por parte da medicina, também uma rápida e certeira intervenção medicamentosa. Segundo Castiel, “a medicalização pode ser entendida como o processo pelo qual problemas que não são considerados de ordem médica passam a ser vistos como doenças ou problemas médicos. Isto pode ocorrer tanto em relação a condições naturais de vida, quanto em relação a desvios de comportamento, tais como tristezafalta de atençãoalcoolismodistúrbios alimentares dificuldades na aprendizagem, dentre outros”.

O termo “medicamentalização” é um conceito criado para se referir ao controle médico da mente dos indivíduos operacionalizados por inúmeros recursos farmacológicos. “De forma bastante esquemática e alegórica, será cabível imaginar que seremos cada vez mais dirigidos pela produção de subjetividades constituídas por um peculiar grupo de protótipos em função da hiperprevenção terapeuticalizadora e de suas variantes, todos chefiados, claro, pelo homo oeconomicus do utilitarismo que estabelece as receitas corretas de busca autônoma da felicidade. Então teremos vários componentes de um esquadrão imaginário hiperpreventivo”.

Somos “reféns” de uma sociedade altamente entregue ao fenômeno da “medicamentalização do comportamento”. Problemas que antes eram tratados em sua complexidade e singularidade, hoje são apresentados como doenças, déficits ou transtornos. Uma vez classificado como “doente”, o indivíduo torna-se consumidor dos mais variados medicamentos, que visam “consertar” o suposto desvio. “Queremos crer que o termo medicamentalidade, subsumindo, implicitamente, a dimensão diagnóstica dentro de uma perspectiva de gestão securitária das populações baseada na racionalidade dos riscos poderia explicar melhor o panorama dominante em geral das práticas preemptivas medicamente definidas. Algo como a mentalidade médica que se torna abusiva ao propor tratamentos medicamentosos ampliados para além dos medicamentos usuais ao incluir, por exemplo, alimentação e atividade física como remédios. E, ainda, haveria o plusvalor da vantagem de abordar outras práticas extramédicas de saúde que mimetizam a perspectiva preventiva, diagnóstica, terapêutica, reabilitadora e prognóstica do saber biomédico”.