quarta-feira, 31 de julho de 2019

(PS) “quem se mete connosco, leva”

LUSA/TVI24
Paulo Guinote
Há um oportuníssimo silêncio sobre o que se passa em torno da Ordem dos Enfermeiros e do risco da sua dissolução, alegadamente por se ter envolvido na organização da greve cirúrgica de há uns meses (o que contrariaria o nº 5 do artigo 3º do seu Estatuto, embora a alínea r) do nº 3 deixe ali uma margem de manobra, por pequena que seja nessa matéria).
O silêncio é natural em todos aqueles que desgostam das “ordens” por acharem que disputa, o espaço da “representação” dos profissionais aos sindicatos, mas ficam algo presos num paradoxo hipócrita porque a Ordem dos Enfermeiros está sob perseguição exactamente por ter colaborado com os sindicatos da sua classe na organização de uma greve. Porque se eu li muita gente criticar a existência das ordens profissionais por serem um resquício do “corporativismo fascista”, não leio nada agora sob o abuso do poder “democrático” sobre uma organização que colocou em primeiro lugar a defesa dos interesses laborais dos seus associados. Algo que há muitos sindicatos que sacrificam à primeira puxadela forte da trela dos “donos”. Mas as coisas são o que são e há por aí muito “purista” encartado que de coerência tem pouco.
O silêncio é igualmente natural, e bem mais expectável, em todos os que sempre consideraram que o poder político (confundindo o interesse particular de um dado governo com o do Estado) não deve ser contestado a partir da base e que todas (ou quase) contestações sociais devem ser contidas em limites “razoáveis”, devendo ser remetida para as eleições tetranuais toda e qualquer intervenção cívica mais activa. Basta ver que o próprio PSD (que se afirmava ser quem estava por trás da acção da OE ou da sua presidente) está silencioso sobre o assunto, sendo que na actual direcção do partido está uma ex-bastonária (da Ordem dos Advogados) que todos nos lembramos ter tomado atitudes bem agressivas em relação ao poder político.
E é aqui que desembocamos na diferença dada às ordens profissionais mais poderosas (advogados e médicos) e a que é reservada às restantes, sendo que algumas são perfeitamente anódinas e mal se sabe existirem.
Quem se esqueceu que no caso dos advogados existiram bastonári@s que disseram e fizeram coisas bem mais agressivas e utilizando linguagens e estratégias bem mais desrespeitosas do que a OE? O caso dos advogados, desde logo com o inefável Marinho e Pinto à cabeça, sempre com ameaças e chantagens públicas, e a acima referida Elina Fraga como sucessora muito razoável? E no caso dos médicos, em que, por exemplo, o actual bastonário parece um saltitão, a aparecer sempre que parece conveniente e a pronunciar-se sobre assuntos que dificilmente estarão nas atribuições da sua ordem (como comentar e condenar a acção de profissionais de outras classes), cujo estatuto segue uma matriz, nessa matéria, semelhante à dos enfermeiros?
O maior problema, contudo, é perceber que a lógica do quem se mete connosco, leva”, por estes dias, tem a cobertura, por omissão, de forças politicas que deveriam ser menos invertebradas na defesa dos direitos dos trabalhadores, mesmo daqueles que parecem considerar “privilegiados” por terem qualificações académicas superiores e remunerações médias mais elevadas? Sim, no fundo eles são contrários às “ordens” porque os seus sindicatos é que deveriam ter o monopólio da representação dos trabalhadores mas… enfim… se já os ouvi submeterem-se à lógica do “interesse nacional” e mesmo das “boas contas”, não deveriam preocupar-se, desde logo, com a forma como as soluções políticas transitórias abusam dos mecanismos do Estado para submeter os seus adversários?
Parecendo diferente, não o será muito a forma como no tempo do engenheiro mandaram intimidar um blogger (António Balbino Caldeira), constituindo-o como arguido e confiscando-lhe documentação e agora entraram pelas portas da OE e foram em busca do que lhes pudesse sustentar a intimidação e ameaça de dissolução. Nas duas situações está em causa não tanto o cumprimento da Lei, mas a intimidação pelo exemplo do que pode acontecer a quem levantar muito o cabelo…

Motoristas de Matérias Perigosas ou Centeno para o FMI?


Henricartoon
Raquel Varela
Caros, a matéria mais perigosa na vida é a falta de curiosidade. O “saltar para conclusões” sem saber nada de um assunto, nicles, rien. Em matéria da greve de matérias perigosas estamos ao nível dos “5 mil euros dos estivadores”, e os “enfermeiros a matar doentes com a greve” – é o nível zero do conhecimento, aqui reduzido a “malandros, mafiosos”, que têm um “advogado que tem um bom carro”. Nem sei que vos diga…é tanta a superficialidade dos comentários que me dão uma certa vergonha alheia.
(...)
Agora a greve – já que toda a discussão anterior é de uma enorme inutilidade. Vamos ao que interessa. A Fectrans, dirigida maioritariamente pelo PCP, está ligada eleitoralmente ao apoio ao Governo actual. Ao romperem uma regra de ouro do sindicalismo – manter a independência face a qualquer Governo – os dirigentes da Fectrans abriram a porta a uma ruptura com a sua base. E resolveram assinar um acordo onde os motoristas passariam a receber de facto menos 400 euros por mês e sem limite de horário real. Este grupo de motoristas (de matérias perigosas) achou que a vida ia virar uma geringonça – que só na aparência saía do mesmo sítio. E resolveu sair da Fectrans e fez um Sindicato novo. E uma greve que paralisou o país, e ameaçam com outra greve. Podemos ser contra ou a favor. O que não podemos é inventar desculpas que atacam pessoas individuais (e carros!), para eludir a compreensão do problema. Tudo indica que já se escreveram centenas de peças sobre o tema mas ninguém leu o acordo assinado pela Fectrans. Eu li, claro, todo.
Estes motoristas, bem como quase todos no país, ganhavam até aqui da seguinte forma: salário base mínimo de 600 euros, mais 500 ou 600 euros em “ajudas de custo” – em que os patrões não pagam impostos – ; e mais 100 euros em horas extraordinárias. O que correspondia a um total real de 15 horas por dia de trabalho quase sempre e um salário trazido para casa no valor de 1200 a 1300 euros.
A Fectrans assinou com os patrões um acordo em que deixa de haver de facto limite de horas extra (é introduzido a laboração contínua, como foi na Auto Europa), mas o salário aumenta 100 euros na base e mais 300 euros em horas extraordinárias (não interessa se fazem mais 10 ou 100, o valor a mais é sempre um fixo de 300 – como na Auto Europa o valor ao fim de semana passou a ser fixo). Assim, os patrões passam a pagar o mesmo, cerca de 1200 euros, mas entram 300 euros desses em impostos a Centeno, e os motoristas no fim ficam com um salário real que trazem para casa de 900 euros (e com horas extraordinárias ilimitadas).
Acrescento que o número máximo fixo por lei de condução é 9 horas, mas 15 por dia no total – cargas, descargas etc, ou seja, estes homens trabalhavam 15 horas por dia e traziam para casa 1200 euros e agora trabalhariam 15 horas por dia e iriam trazer para casa 900 euros. Centeno vai para o FMI de Bentley, pois consegue como prémio mais um valor de impostos para pagar tiutlos de dívida pública-privada. Eles, os motoristas, vão para a estrada arriscar a vida – mas destas vez a vida vale menos 300 euros.
Em vez disso resolveram fazer greve, por um aumento real do salário, e que lhes permita viver sem trabalhar 15 horas por dia. A Galp, Repsol e grandes empresas fixam um preço Km, subcontratam às empresas que por sua vez subcontratam a empresas ainda mais pequenas – no fim da cadeia estão estes homens. Que vieram dizer ao país que não vai ficar no fim da cadeia, que querem salários decentes. O país não gostou, deles, do advogado e do carro.
Conhecem aquela velha canção norte-americana, cantada pelos membros dos seus mais poderosos sindicatos, e pelo magistral Pete Seger? Chama-se “Which side are you on?” – De que lado estás?. Ela desafia-nos a pensar até onde vai o nosso cinismo. Ou o nosso sentido de justiça social. São estas escolhas que decidem no fim do dia quem somos, e quem queremos ser.

terça-feira, 23 de julho de 2019

O SALDO ORÇAMENTAL CORRENTE CONSOLIDADO FOI POSITIVO ATÉ MAIO DE 2019 EM 318,1 MILHÕES €


Vasco Gargalo

MAS A DÍVIDA DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS A PRIVADOS CRESCEU, NO MESMO PERÍODO, EM MAIS 356,5 MILHÕES DE EUROS

Eugénio Rosa

Como os dados do Ministério das Finanças mostram, Centeno conseguiu obter um saldo orçamental consolidado das Administrações Públicas positivo de de 318,1 milhões € à custa do aumento da dividas destas ao sector privado em 356,5 milhões €. 

Só a nível do Serviço Nacional, a divida do SNS aos privados aumentou, entre Dez.2018 e Maio de 2019, de 503,5 milhões € para 658,7 milhões €, ou seja, mais 30,8% em 5 meses. Por isso, não é de estranhar nem as dificuldades crescentes do SNS para responder às necessidades de saúde da população, nem os protestos dos profissionais de saúde.

Mas não foi só desta forma que o ministro Mario Centeno conseguiu o saldo orçamento positivo de 318,1 milhões €.. Para saber como esse saldo orçamental foi obtido interessa conhecer também as suas origens. E uma parcela importante teve como origem a Segurança Social.

(...)

A SITUAÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE AGRAVOU-SE NOS PRIMEIROS 5 MESES DE 2019

A situação do SNS agravou-se nos primeiros 5 meses de 2019 como os próprios dados da execução orçamental mostram. É também desta forma que Centeno consegue o “milagre do défice”

Nos cinco primeiros meses de 2019 as receitas do SNS aumentaram 2,9% e as despesas cresceram 5,4%. Como consequência o saldo negativo cresceu 85,7% pois passou, entre 2018 e 2019, de -122,5 milhões € para -227,5 milhões €. O SNS só consegue funcionar com base no endividamento crescente. É esta também a explicação para o “milagre” de Mário Centeno.

A ILUSÃO DO MEGACONCURSO DE 1000 TÉCNICOS: a situação dos serviços públicos vai-se agravar

A Administração Pública sofreu uma forte destruição durante a “troika” e o governo PSD/CDS. Dezenas de serviços foram encerradas e o numero de trabalhadores foi reduzido em quase 80.000. As consequências foram dramáticas para a população em termos de Saúde, Educação, Segurança Social. 

Durante o governo de Costa só uma pequena parte foi revertida, o que contribuiu para que a situação dos serviços públicos se agravasse ainda mais. Isso é visível no SNS, na Segurança Social, na ADSE, que devido à falta de trabalhadores, verifica-se atrasos nos pagamentos a beneficiários em 3 meses, o que está a causar uma insatisfação generalizada, etc..

Perante a degradação dos serviços públicos sentida por todos e a necessidade de urgente de contratar mais trabalhadores, Mário Centeno arquitectou um plano para dificultar e adiar a entrada, embora dando a ideia que quer contratar mais trabalhadores. Pela 1ª vez na Administração Pública impôs a centralização dos concursos no Ministério das Finanças, lançando um “megaconcurso” para contratar 1000 técnicos superiores impedindo assim que os próprios serviços o façam É mais um expediente para atrasar a contratação de trabalhadores o que vai agravar ainda mais a demora. É de prever que nem em 2021 haverá novos trabalhadores. 

E os serviços continuarão a degradar-se e os portugueses a terem piores serviços públicos, mas assim e o ministro ilude a opinião publica (os media participam nisso) de que está interessado em resolver este grave problema. Assim consegue diminuir a despesa com pessoal como defende o FMI apesar desta ter baixado segundo o INE: em 2008: 12% do PIB; 2011: 12,8%; 2015: 11,3% e 2018: 10,8% do PIB. 

E os serviços públicos para sobreviverem têm de contratar serviços a empresas privadas (até Maio o Estado gastou 3.370 milhões € com aquisição de serviços = 54,7% das despesas de pessoal). É uma forma de apoiar o sector privado e de privatizar os serviços públicos.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ordem dos Médicos denuncia "realidade desumana" na psiquiatria do hospital de Coimbra



A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) denunciou esta segunda-feira o que diz ser a "realidade desumana" dos doentes de psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) ao nível da higiene e alimentação

Em nota enviada à agência Lusa, Carlos Cortes, presidente da SRCOM, acusa o CHUC de desvalorizar a saúde mental, argumentando que os doentes "passam vários dias na urgência" por não existirem condições de internamento e que "apenas comem bolachas, sopa e leite ou sumos".
"Há inclusivamente doentes com critérios para internamento compulsivo e que permanecem vários dias no serviço de urgência" e outros, internados noutras enfermarias, "sem os devidos cuidados especializados".
Os doentes "passam dias a fio com dificuldades em satisfazer as suas necessidades básicas de higiene e alimentação, já que não existem condições para os internar".
"Este é um grito de alerta para uma realidade desumana, pois resulta em graves consequências para os doentes. O CHUC tinha um centro de referência nacional na área da psiquiatria que está a ser gradualmente destruído. O conselho de administração deveria valorizar a excelência do trabalho realizado pelos profissionais na área da saúde mental e não estar a pôr em causa a própria dignidade dos doentes", afirma Carlos Cortes.
A denúncia tem por base um documento, dirigido, "face à gravidade da situação", à administração do CHUC, por cerca de 40 médicos do serviço de Psiquiatria, onde são enunciadas "as carências e as deficiências" existentes, nomeadamente relacionadas com a falta de vagas de internamento e com o perigo que aqueles doentes correm na urgência, onde ficam "mais vulneráveis" e desenvolvem complicações orgânicas com infeções hospitalares.
No texto, datado de 26 de junho e a que a Lusa teve acesso, os médicos subscritores avisam a administração que "enquanto não se encontrarem reunidas as condições de segurança e de qualidade para a prática de atos médicos" (...) "declinam toda e qualquer responsabilidade derivada das insuficiências" assinaladas, nomeadamente quanto a acidentes e incidentes que possam vir a ocorrer em resultado das "anomalias" nas condições do serviço, em resultado da falta de condições de internamento.
Os subscritores apontam a "necessidade premente de aumentar o número de vagas para internamento no CRI [Centro de Responsabilidade Integrada] de Psiquiatria destinadas a doentes agudos", repondo-as, "pelo menos para o número igual ao que existia" em setembro de 2018 (54 para homens e mulheres, face às 48 agora existentes) antes do encerramento "intempestivo" da unidade de Psiquiatria Mulheres, em Celas.
Em finais de 2018, essas vagas de internamento foram "provisoriamente deslocadas" para o piso térreo do edifício central dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), onde funciona o Internamento Masculino e para o 1.º andar de um pavilhão no hospital Sobral Cid, a dez quilómetros de distância.

Esta é a acusação mais grave e séria: a UE “provocou conscientemente a morte de mais de 14 mil pessoas”


Vasco Gargalo
«A chanceler alemã, Angela Merkel, recebeu a 17 de janeiro de 2017 uma nota com pormenores assustadores. Um diplomata da embaixada da Alemanha no Níger escreve-lhe que visitou os campos de detenção na Líbia e comparou o que viu aos campos de concentração durante o Holocausto, “com execuções, tortura, abusos sexuais e extorsões todos os dias”, sendo ali cometidas “as mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos”. Entre 2016 e 2018, mais de 40 mil pessoas foram trazidas dos barcos em que tentavam fugir de regresso a estes centros. Duas semanas depois daquele aviso, a 3 de fevereiro, os líderes da UE encontraram-se em Malta e assinaram mesmo assim um protocolo de cooperação com as autoridades líbias. Foram mobilizados 200 milhões de euros para parar, ou pelo menos reduzir em muitas centenas, o fluxo migratório.
Esta é uma das razões que levaram Juan Branco, advogado franco-espanhol que estagiou no Tribunal Penal Internacional (TPI), a desenvolver, em conjunto com o advogado israelita Omer Shatz, um processo penal contra Estados-membros da UE e diretores-gerais da Comissão Europeia. A outra tem que ver com o fim, em 2014, da operação de salvamento Mare Nostrum, que era financiada por Itália e permitiu salvar milhares de pessoas - mas depois as mortes aumentaram com o fim dessa operação. Segundo números da Organização Internacional das Migrações, 3.200 migrantes morreram afogados em 2014, em 2015 esse número subiu para 4.000 e em 2016 para 5.000. “Estamos a acusar dirigentes europeus e funcionários da UE, assim como os governos de alguns dos seus Estados-membros, por terem deixado morrer ou provocar conscientemente a morte de mais de 14 mil pessoas entre 2014 e 2018, pessoas que eram civis e que foram atacadas de maneira sistemática e generalizada”, explica Juan Branco em entrevista ao Expresso.
O processo deu entrada no TPI a 3 de junho e há agora dirigentes e funcionários da União Europeia formalmente acusados de crimes contra a humanidade. É a acusação mais séria que alguém pode enfrentar e não é todos os dias que somos obrigados a olhar para os representantes de um organismo criado para servir a paz como gente que deixou outra gente morrer, consciente de que era isso que fazia. Se o caso seguir para a fase de investigação, Juan Branco já não ficará totalmente desiludido com as instituições de uma Europa que também é sua - conhece a realidade do TPI “a partir de dentro” e por isso acredita que não pode esperar tudo. “Teoricamente não é preciso coragem para investigar Bruxelas, não há violência política, ninguém é preso por fazer perguntas, entra-se e sai-se à vontade”, mas na prática talvez seja diferente: “A ideia de que as pessoas com quem eles convivem e se sentam a beber cocktails possam estar a cometer crimes horríveis é impossível de conceber para os que trabalham no tribunal. É uma questão psicológica”, diz o advogado, de 30 anos.» 

por Joana Lopes em http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com

domingo, 14 de julho de 2019

A greve nas urgências hospitalares continua a estender-se



por Rémy Herrera

Desde há quase quatro meses, a mobilização do pessoal dos serviços das urgências hospitalares públicas não cessa de ganhar importância. Este movimento, travado por enfermeiros/as e auxiliares de cuidados, no essencial, mas igualmente por médicos, começou em 18 de Março último no hospital Saint-Antoine (no Leste de Paris) quando os cuidadores deste estabelecimento decidiram protestar contra a degradação das suas condições de trabalho – e agressões que têm sido vítimas vários membros da sua equipe médica (nomeadamente em 13 de Janeiro). Algumas semanas mais tarde, no fim de Maio, cerca de sessenta serviços se puseram em greve prorrogável (reconductible) em todo o território francês; em meados de Junho, cerca de uma centena lhes haviam seguido os passos. E agora, no princípio de Julho, eram 154 serviços públicos de urgências (dos 524 com que conta o país) que haviam entrado na luta, agora com ligações de solidariedade com seus colegas grevistas ou em estreito contacto com o colectivo Inter-Urgências que foi constituído para estruturar e reforçar esta greve. No presente momento, 22 dos 39 hospitais do grupo Assistance publique - Hôpitaux de Paris (AP-HP), dentre os quais alguns dos maiores estabelecimentos da capital (como os de La Pitié-Salpêtrière, Lariboisière, Saint-Louis, Tenon, etc.), declararam-se oficialmente em greve ilimitada.

As reivindicações da coordenação nacional, formuladas em conjunto com a intersindical das urgências CGT (Fédération santé et action sociale), FO e SUD, assim como com a associação dos médicos de urgências de França, apoiadas pontualmente pela CFE-CGC (Confédération française de l'encadrement - Confédération générale des cadres), são as mais justificadas possíveis. Eis aqui as principais: uma revalorização das remunerações dos cuidadores (um prémio mensal de 300 euros líquidos como reconhecimento da especificidade e da penosidade do trabalho efectuado); o aumento dos efectivos (a criação de 10 mil postos ou equivalente a tempo inteiro de enfermeiros e ajudantes de cuidados, dos quais 700 nos 17 serviços de urgências para adultos da AP-HP); a inversão da tendência à supressão das camas de medicina (inclusive a montante, ou seja, não só nos cuidados pós-operatórios mas também em casas de convalescença) e o "fim da hospitalização sobre macas"; a cessação dos encerramentos de linhas do SAMU (Serviços de ajuda médica urgente), do SMUR (Estruturas móveis de urgência e de reanimação) e certamente dos próprios hospitais; e a abertura de negociações com a ministra da Saúde – que ainda não recebeu os representantes dos grevistas após mais de três meses de conflito social. Estas reivindicações foram expressas aquando de uma série de mobilizações nacionais, de greves e de manifestações, muito simplesmente diante dos locais do Ministério da Saúde, da sede parisiense da AP-HP e das agências regionais de saúde. A última jornada de acção foi em 2 de Julho. Nestas ocasiões, protestatários denunciaram o estado absolutamente lamentável dos seus serviços deitando-se sobre o asfalto da calçada, gizando assim no próprio solo, compondo pontos de sutura e ferimentos, gazes e ataduras sobre o rosto...

Este é o mais poderoso movimento de greve no sector da saúde desde há duas décadas. Mais de 9 franceses em cada 10 (92% e 96% entre os profissionais de saúde) dizem apoiá-lo e estar de acordo com suas queixas. Franceses que são profundamente apegados ao seu sistema público hospitalar. E tanto mais escandalizados ao saber que, por falta de meios humanos e materiais suficientes, houve uma pessoa morta após horas de espera num corredor das urgências sem ter podido ser examinada a tempo por um médico – como aconteceu em Dezembro de 2018 num dos grandes hospitais parisienses) – ou que uma mulher deva parir sozinha sobre uma maca (como aconteceu dia 7 de Julho em Lyon, terceira cidade do país). 


sexta-feira, 12 de julho de 2019

João Proença: "Quadros para médicos foram fechados para pôr tudo ao serviço do privado"



Entrevista dada há alguns dias, mas inteiramente actual, quando se prepara a aprovação da  “nova” Lei de Bases da Saúde na Assembleia da República.
No "DN":
No segundo dia da greve convocada pela FNAM, o presidente João Proença fala num protesto contra o estado do SNS, que resulta de uma política de gestão danosa de longa da data e de um sistema pouco transparente e democrático.
No ano passado os médicos convocaram uma greve. Há dois anos, duas. O que vos leva a continuar a aposta nas paralisações?
A situação grave e insustentável que se passa no serviço público de saúde, com a carreira médica, com a gestão desorganizada, programada através da gestão empresarial e dos contratos individuais de trabalho que destroem completamente o espírito de equipa. Para trabalho igual, salário desigual. Os quadros foram fechados para que tudo estivesse ao serviço de um mercado de serviços privados. Até a lei que diz que se as pessoas ao fim de três meses não tiverem consultas ou cirurgias
 têm um cheque e vão onde querem. Isto é claramente tirar o dinheiro do Estado e dar aos privados.
Mas os vales-cirurgias não são positivos para a redução do tempo de espera dos utentes?
Não reduz nada, porque qualquer pessoa normal e literata não aceita ser operada por um cirurgião ortopedista ou vascular qualquer numa clínica qualquer para não ficar à espera seis meses. Isso acontece porque os quadros dos hospitais não foram preenchidos com o dinheiro que se gasta com as empresas de trabalho temporário, que custam neste momento 199 milhões. Dava para pôr mais dois ou três mil médicos no quadro por concurso, por mérito. Dava para formar as pessoas que estão neste momento numa situação indiferenciada, que servem para tudo e integram equipas que nunca se viram.


Conhece hospitais onde as equipas de trabalho sejam constituídas exclusivamente por tarefeiros?
O Algarve é sinónimo da desgraça nacional. As equipas de cirurgia, de ortopedia ou de ginecologia são constituídas por pessoas que nunca se viram, que se encontram no dia da urgência, sem ninguém do quadro. Acontece noutros hospitais, como por exemplo no Amadora-Sintra, onde não há anestesistas e não há obstetras, porque nunca se preocuparam com isso, convencidos de que o mercado ia resolver.