terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Eutanásia económica

por Robert Kurz



A antiga líder do PSD Manuela Ferreira Leite entende que os doentes com mais de 70 anos que necessitem de tratamentos de hemodiálise os devem pagar. “Tem sempre direito se pagar”, disse. in Público, 11/Janeiro/2012

Como os hospitais gregos estão praticamente falidos, as grandes empresas farmacêuticas suspenderam o fornecimento de medicamentos para o cancro, para a SIDA e para a hepatite; e o abastecimento de insulina também foi interrompido. Este não é um caso especial, mas a imagem do futuro.

Na ideologia da economia política, o dinheiro é uma ferramenta sofisticada para fornecer da melhor maneira bens materiais e serviços sociais à sociedade; precisamente por isso, ele seria irrelevante no verdadeiro sentido económico, não passando de um "véu" sobre a produção e a distribuição reais. Marx, no entanto, mostrou que o dinheiro, como autovalorização do capital, é um fim em si mesmo fetichista, que submeteu a si a satisfação das necessidades concretas. Os bens reais apenas são produzidos se servirem para esse fim em si da multiplicação do dinheiro; caso contrário a sua produção é parada, embora seja tecnicamente possível e constitua mesmo uma necessidade vital. Isto é particularmente evidente em áreas como as pensões e os cuidados de saúde, que em si não são suportes da valorização do capital, mas têm de ser financiadas com os salários e os lucros. No plano puramente factual estão disponíveis recursos suficientes para fornecer à população alimentos e cuidados médicos, mesmo que seja cada vez maior a proporção de não activos profissionalmente. Mas, sob os ditames do fetiche dinheiro, esta possibilidade objectiva torna-se "infinanciável".

Sistemas de pensões e seguros de saúde estão indirectamente subordinados aos ditames da valorização abstracta. Sob condições de financiamento difíceis eles são "economificados". Isso significa que eles mesmos devem agir de acordo com critérios económicos, a fim de poderem participar nos fluxos financeiros. Até o diagnóstico médico se torna uma mercadoria, que está sob pressão da concorrência. O objectivo não é a saúde e o bem-estar das pessoas, mas o doping para a "produtividade", por um lado, e a gestão das doenças, por outro. A pessoa ideal para as instituições vigentes seria um lutador olímpico no local de trabalho (para aumentar o produto nacional), que simultaneamente pudesse ser definido como doente crónico (para encher os cofres do sistema de saúde) e que batesse voluntariamente a bota ao entrar na idade da reforma (a fim de não ser um fardo para o capitalismo).

Foi a própria ciência médica que estragou os planos deste esplêndido cálculo. Ela foi de facto tão bem sucedida que cada vez mais pessoas estão vivendo muito para além da idade profissionalmente activa. Este é um exemplo particularmente claro de que a concorrência forçou um desenvolvimento das forças produtivas que já não é compatível com a lógica capitalista. A "força muda das circunstâncias" (Marx) provoca assim uma tendência para de algum modo anular as conquistas médicas factuais. A produção da pobreza artificial tem efeito preventivo. Assim, na Alemanha, a esperança de vida dos mais mal pagos baixou de 77,5 para 75,5 anos desde 2001. Quem nem sequer ganha dinheiro suficiente para a subsistência, apesar de trabalhar a tempo inteiro com desempenho esforçado, chega a velho tão exausto que já não consegue explorar as possibilidades da medicina. Mas também a assistência médica em si é cada vez mais reduzida de acordo com a capacidade de pagamento. Como os hospitais gregos estão praticamente falidos, as grandes empresas farmacêuticas suspenderam o fornecimento de medicamentos para o cancro, para a SIDA e para a hepatite; e o abastecimento de insulina também foi interrompido. Este não é um caso especial, mas a imagem do futuro. Pelo menos aos doentes pobres e "supérfluos", não mais utilizáveis do ponto de vista capitalista, será assinalado por todos os peritos o que já o rei Frederico da Prússia berrou aos seus soldados em fuga do campo de batalha: "Cães, vocês querem viver para sempre?"

Original Ökonomische Sterbehilfe em www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 09/01/2012.

A versão em português encontra-se em http://o-beco.planetaclix.pt/rkurz399.htm

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Petição Pedido de Demissão do Presidente da República

Para:Cidadãos Portugueses
Silva I "O Indigente", o Rei de Boliqueime (eleito por 20% do eleitorado) gasta anualmente 16 milhões de euros dos impostos dos portugueses

Nas suas recentes declarações enquanto Presidente da República Portuguesa o Sr. Aníbal Cavaco Silva afirma temer que as suas pensões num total acumulado 10.042€ (em 2011), sendo uma delas através do Banco de Portugal a qual não esteve sujeita aos cortes aplicados aos restantes cidadãos da Republica Portuguesa, não sejam suficientes para suportar as suas despesas, estas declarações estão a inundar de estupefacção e incredulidade uma população que viu o mesmo Presidente promulgar um Orçamento de Estado que elimina o 13.º e 14.º meses para os reformados com rendimento mensal de 600 euros".

Perante tão grande falta de senso e de respeito para com a População Portuguesa, entendem os abaixo-assinados cidadãos que Presidente da República Aníbal António Cavaco Silva, não reúne mais condições nem pode perante tais declarações continuar a representar a população Portuguesa.

Peso isto bem como o medíocre desempenho do Sr. Presidente da República face à sua diminuta intervenção nos assuntos fundamentais e fracturantes da Sociedade Portuguesa, os cidadãos abaixo assinados vêm por este modo transmitir que não se sentem representados, nem para tal reconhecem autoridade ao Sr. Aníbal António Cavaco Silva e pedem a sua imediata demissão do cargo de Presidente da República Portuguesa.

Os signatários ASSINA A PETIÇÃO

"Eu, eu, eu...e os outros"

MANUEL ANTÓNIO PINA
Embora tenham suscitado justificada indignação geral, as queixas de Cavaco Silva sobre a(s) sua(s) reformas (mais de 10 000 euros mensais, que "não vão chegar para pagar as minhas despesas") não têm relevância senão como sintoma. De facto, tais queixas foram feitas pouco tempo depois de o mesmo Cavaco Silva ter, sem pestanejar, promulgado um Orçamento que confisca os subsídios de férias e Natal a milhares de reformados com pensões de poucas centenas de euros. E só 48 horas após a assinatura de um Acordo de Concertação Social que subverte totalmente os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores assegurados na Constituição, facilitando e embaratecendo os despedimentos e deixando-os ao arbítrio patronal, e reduzindo indemnizações, subsídios, férias, feriados e tempos de descanso, acordo em que Cavaco vê um "sinal de confiança" para todos os portugueses.

Parece que Cavaco irá receber os subsídios de férias e Natal a que tem direito como reformado do Banco de Portugal. Descontou para isso e tem todo o direito a recebê-los. O problema é que também os restantes portugueses, os reformados e os trabalhadores da Administração Pública no activo, têm idêntico direito e Cavaco subscreveu sem reservas, sequer de constitucionalidade, a lei que os espolia de tal direito.

O "provedor do povo" queixou-se ao povo de que 10 000 euros por mês não lhe chegam. Será o povo, por sua vez, o provedor do seu provedor?

Artigo original

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

TODOS À MARCHA DA INDIGNAÇÃO!

21 de Janeiro – 15H00 – Marquês de Pombal

Porque o desemprego e precariedade não são inevitáveis, porque existem alternativas à austeridade, porque não aceitamos que os interesses do capital financeiro se sobreponham às vidas das pessoas e comandem a política económica e social de uma sociedade, porque recusamos a destruição do Serviço Nacional de Saúde (SNS)e dos outros serviços públicos e não aceitamos a política de um Governo que desistiu do país e sugere aos trabalhadores portugueses que emigrem, porque sabemos que existem alternativas e que estas se constroem com democracia e participação cidadã: Dia 21 de Janeiro estaremos na rua juntamente com a plataforma 15 de Outubro na Marcha da Indignação, que iniciará no Marquês de Pombal, pelas 15h, e terminará em São Bento.

No próximo Sábado, junta-te a este protesto e traz um amigo também! Estaremos na rua em defesa dos nossos direitos! DESEMPREGO – DÍVIDA – PRECARIEDADE BASTA
!

MANIFESTO

Iniciamos 2012 mergulhados numa das maiores crises já vividas na história portuguesa e europeia. São mais de 700 mil desempregados no nosso país, e esse número não pára de aumentar. A precariedade laboral devora os nossos sonhos, condenando-nos à miséria e a uma vida sem futuro.

O orçamento aprovado para este ano reproduz de modo ainda mais perverso as exigências da Tróica, com cortes na Saúde, na Educação, eliminação do 13º e 14º salários na Função Pública, aumento do valor das taxas moderadoras, dos preços dos transportes, da electricidade e das rendas das casas. Apesar do grande número de desempregados o governo amplia em meia hora por dia o horário de trabalho, aumentando a exploração e tornando mais difíceis novas contratações.

Não somos nós que estamos a “viver acima das nossas possibilidades”, mas sim os banqueiros, patrões e multimilionários, bem como os políticos que os apoiam. Estes é que são os verdadeiros responsáveis pela crise da dívida pública!

É PRECISO SAIR À RUA E DIZER BASTA!

Apelamos a todas e a todos, desempregados, trabalhadores, imigrantes, precários, reformados, estudantes, todos aqueles e aquelas cujas vidas e sonhos estão a ser destruídos em nome de uma crise pela qual não têm qualquer responsabilidade, a que se juntem e, a 21 de Janeiro, mostremos na rua que exigimos viver em Democracia e que em Democracia o poder é do povo e de mais ninguém!

PELO DIREITO AO TRABALHO COM DIREITOS! CONTRA AS PRIVATIZAÇÕES DOS SECTORES ESTRATÉGICOS! SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DA DÍVIDA E AUDITORIA POPULAR!
A DEMOCRACIA SAI À RUA TRAZ A TUA VOZ!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O monstro na primeira página

Manuel António Pina
A desavergonhada afirmação pública de Manuela Ferreira Leite ("abominável" lhe chamou justamente a jornalista que orientava o debate da SIC em que a afirmação foi proferida) de que doentes com mais de 70 anos que necessitem de hemodiálise a devem pagar é, sabendo-se que a alternativa à hemodiálise é a morte em poucos dias, um eloquente sinal dos tempos que vivemos e da qualidade moral de certas elites hoje influentes no país.

A conveniente "correcção" que, apercebendo-se da brutalidade do que dissera, a ex-dirigente do PSD fez a instâncias de outro interveniente no debate (afinal só quisera dizer que "uns têm [a hemodiálise] gratuitamente, outros não", consoante a capacidade financeira), é patética: se foi isso que quis dizer, porquê os 70 anos?; porque não se aplicará o critério financeiro a doentes com menos de 70 anos?

A ideia de que pessoas com mais de 70 anos só tem direito à vida, que é o que representa um tratamento extremo como a hemodiálise, pagando - independentemente de terem, durante anos e anos, entregue ao Estado parte substancial dos seus rendimentos para garantir o seu direito a assistência na doença - talvez seja aceitável vindo da mesma mente tortuosamente contabilística que em tempos também defendeu a suspensão da democracia. Que mentes dessas tenham púlpito num canal de televisão só se compreende pela política do "monstro na primeira página" que domina hoje o jornalismo português.

Original in http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2235245&opiniao=Manuel%20Ant%F3nio%20Pina

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Os novos aumentos das taxas moderadoras e o dobrar de finados do SNS

Entraram em vigor no princípio do ano os novos preços das taxas moderadoras que, ao contrário do que diz o Governo, se aplicam a quase todos os portugueses que utilizam o SNS; novos preços que são o dobro dos anteriores, já de si injustificáveis, na medida em que não “moderam” coisíssima nenhuma, e que (repetimos) se aplicam a quase todos os cidadãos já que os cidadãos que estavam isentos, como os dadores de sangue, deixaram de o ser. Quem não paga serão só os pobrezinhos.

Mas há mais: os cidadãos portugueses ainda não estavam refeitos do choque de aumentos tão brutais que é anunciada outra possível subida das taxas moderadoras, lá para 2013! Este ano o Governo vai reduzir o défice da saúde em 200 milhões de euros, com os novos aumentos para o ano (?) serão mais 50 milhões. Mas – interrogamo-nos – será só para o ano, não será já este ano? É que o Governo já veio dizer, depois veio desdizer, para dizer outra vez, que são precisas mais medidas adicionais de austeridade porque faltam 520 milhões de euros para estabilizar o défice das contas públicas nos putativos 4,5% do PIB!

O aumento desmesurado das taxas moderadoras tem dois objectivos claros: 1- dissuadir os cidadãos de acudir às instituições do SNS e, especialmente os que beneficiam de subsistemas, passarem a recorrer aos serviços privados de saúde porque até ficará mais barato; 2- financiar o SNS com verbas provenientes de taxas cuja função seria para dissuadir o uso dito “abusivo” aos serviços de urgências, quase sempre congestionados, mas pela simples de que os restantes serviços de consulta ou de cirurgia não funcionam convenientemente porque… não interessa.

A par do aumento das taxas dissuasoras (mais correctamente do que moderadoras), o tempo médio de espera para um exame, em Setembro de 2011, era de 105,7 dias, mais de três meses, quando em Agosto não passava de 96,4 dias. O mesmo se passa com o tempo de espera para consultas ou cirurgias. Os serviços de urgências continuarão a ser solicitados pelos cidadãos que agora deixaram de ficar isentos, no caso dos doentes epilépticos, por exemplo. Como bem denuncia o presidente da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia (LPCE), Francisco Sales:

"São doentes que não respondem à medicação e têm crises com frequência. E que, quando têm crises no meio da rua, quase são obrigados a ir às urgências pelas pessoas que os socorrem. Vão ter que pagar taxas moderadoras? Isto é um bocado perverso". Existem 50 mil a 60 mil pessoas com epilepsia em Portugal. E com o fim da isenção, os doentes epilépticos terão de ir a juntas médicas para manterem isenção nas taxas moderadoras a fim de comprovar a sua situação de doentes crónicos, ora, este processo irá ainda burocratizar ainda mais o sistema actual. As taxas moderadoras são um verdadeiro imposto! Mais um para os cidadãos comuns fartos de pagar impostos.

Mas não há dinheiro para financiar o SNS? Haver, há, só que está destinado ao financiamento do sector privado que, por si só, é incapaz de sobreviver atendendo ao fraco poder de compra da maioria dos cidadãos portugueses, a juntar ao desperdício existente nos hospitais da SNS. Segundo o Tribunal de Contas, desperdiça-se 2 milhões de euros por dia por má gestão e má prática clínica, resultante de “excesso de utilização de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico e de recursos humanos (médicos a mais?)”, e corrupção (acrescentamos nós). E o financiamento do sector privado da saúde pelo Estado está essencialmente nos 8 mil milhões de euros que irão directamente para os bolsos dos comerciantes da saúde com as já famigeradas PPP (Parcerias Público Privadas). É o fartar vilanagem!