segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Compra de antidepressivos dispara em Portugal


Henricartoon

«Os portugueses compraram no ano passado mais de 10 milhões de embalagens de ansiolíticos e quase nove milhões de embalagens de antidepressivos, com os fármacos para a ansiedade a apresentarem tendência estável enquanto os da depressão crescem.
O relatório do Conselho Nacional de Saúde dedicado à saúde mental, que é esta segunda-feira divulgado e a que a agência Lusa teve acesso, traça um panorama do consumo de medicamentos estimulantes do sistema nervoso e de psicofármacos, mostrando um aumento global.
Portugal surge como o quinto país em 29 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que mais consome antidepressivos, tendo uma taxa de consumo que é o dobro de países como a Holanda, a Itália ou a Eslováquia.
O consumo de ansiolíticos apresenta uma tendência estável em Portugal desde 2014 e no ano passado foram compradas 10,5 milhões de embalagens.
Já os antidepressivos registam uma tendência crescente nos últimos anos e em 2018 foram compradas 8,8 milhões de embalagens.
O aumento do consumo de antidepressivos segue a mesma tendência do que nos restantes países da OCDE, onde o consumo duplicou entre 2000 e 2017, o que pode refletir um melhor diagnóstico da depressão, melhor acesso a medicamentos ou ainda uma evolução das orientações clínicas para o tratamento da depressão (e principalmente um aumento dos problemas pessoais devido à crise económica capitalista).
Ainda assim, Portugal tem um dos maiores consumos de antidepressivos, estando em quinto lugar entre os 29 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico analisados.
O documento do Conselho Nacional de Saúde considera que são "particularmente preocupantes" em Portugal os dados do consumo de benzodiazepinas, medicamentos usados para a ansiedade que podem causar dependência com uso continuado.
"As benzodiazepinas e análogos são apenas indicados para o controlo de curto prazo da ansiedade e insónia, podendo ter efeitos deletérios [nocivos] se mantidos de forma crónica", como possível adição e disfunção cognitiva, refere o relatório.
Dados de 2016 mostram que 1,9 milhões de utentes tiveram pelo menos uma prescrição de benzodiazepinas.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Ortopedia do CHUC? em Celas com instalações de “terceiro mundo”



Uma sala "indigna e sem condições, a cheirar a mofo, com humidade e bolor, sem aquecimento e correntes de ar". É desta forma que Cristina Costa descreve o Bloco de Ortopedia, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), onde se deslocou com o filho, de 16 anos, para uma consulta da especialidade. 

Cristina deixou expressa a sua indignação, escrevendo no livro de reclamações e apresentando queixa aos funcionários, que diz terem de trabalhar "com casacos polares e mesmo assim estavam com frio".

"Perante tanta indignidade lembrei-me de fazer um direto e publicar fotos no Facebook", descreve ao CM. A publicação foi rapidamente difundida e partilhada.
«Vamos Partilhar este pesadelo...
A sala do Terror na sala de pensos e gesso do hospital. CHUC - CELAS COIMBRA Bloco B+ C consulta externa Ortopedia.
Senhora "Ministra da Saúde"
Estou há uma hora aqui nesta espelunca com meu filho para tirar pontos ?... A senhora colocaria aqui seus filhos!?
Bom, o meu filho é Asmático... Eu estou horrorizada, fria, agoniada... Estou na sala da morte... Plena de germes e bactérias... Não acredito nisto... Nunca pensei que chegasse a tal degradação em algo tão importante como o sistema de saúde.
Isto é o pior dos meus pesadelos, uma sala de pensos... CHUC - CELAS COIMBRA Bloco B+ C consulta externa Ortopedia.
O melhor do nosso Sistema de saúde público???
Já vi morgues com melhor Aspecto.
Estou em choque ?
Irritada... Passada... Indignada. Sinto-me mal aqui dentro.
Raios o que faz essa ministra da Saúde... Srª "Ministra da Saúde" Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida Simões que fazem ao tanto que pagamos para ter o mínimo de dignidade num atendimento!? Srª Ministra vi seu currículo, será ele verdadeiro!?
"*Doutorada em Saúde Internacional, pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Gestão e Economia da Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e licenciada em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
*Possui especialização em Administração Hospitalar pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.
Foi sub-diretora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa. Foi presidente do conselho diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., presidente não executiva do conselho de administração do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e membro do conselho de administração de vários hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Exerceu funções de administradora hospitalar ao longo de vários anos.
*Foi assistente convidada do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Foi presidente da direção da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
É autora e co-autora de publicações científicas no âmbito da saúde.
Ministra da Saúde do XXI Governo Constitucional, desde 15 outubro de 2018."
Será que é verdade tudo isto!?
Não me parece, a senhora anda a dormir?!
Não vê o estado nojento de nosso serviço de saúde público... É degradante para os utentes tal situação, será que não merecemos respeito e ser atendidos dignamente?! Horrível isto.
Valeu a simpatia de quem lá trabalha apesar de tudo... Rostos tristes, envergonhados... Deu uma dor vê-los cheios de frio com pólos polares vestidos... Eles não tinham argumentos para me dar respostas.
Mas dou-lhe os parabéns, aos enfermeiros e médicos, por terem a capacidade de se sujeitar a trabalhar em a tais condições .
ESTÁ NA HORA DE RESPEITAREM OS UTENTES... NÃO OS TRATEM INDIGNAMENTE!

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Os coveiros da Saúde


António Garcia Pereira
Em 18 de Maio de 2018, no Congresso Fundação Saúde SNS, realizado em Coimbra, António Arnaut, figura incontornável da Democracia portuguesa e “pai” do Serviço Nacional da Saúde, proferiu as seguintes palavras:
Como todos sabemos, os meus amigos como profissionais e eu como utente, o nosso SNS atravessa um tempo de grandes dificuldades que, se não forem atalhadas rapidamente, podem levar ao colapso. E tudo em consequência de anos sucessivos de subfinanciamento e de uma política privatizadora e predadora resultante da Lei nº 48/90, ainda em vigor, que substituiu a lei fundadora de 1979. A destruição das carreiras depois de tantos anos de luta, iniciada em 1961, foi o rombo mais profundo causado ao SNS.
Sem carreiras, que pressupõem a entrada por concurso, a formação permanente, a progressão por mérito e um vencimento adequado, que há muito defendo seja igual ao dos juízes, não será possível ter um Serviço Nacional de Saúde digno desse nome. A expansão do sector privado, verificada nos últimos anos, deveu-se a esta desestruturação e ao facto de a Lei nº 48/90 considerar o SNS como um qualquer sistema presente no “mercado” em livre concorrência com o sector mercantil, que visou a destruição do Estado Social e reduziu o SNS a um serviço residual para os pobres. É preciso reconduzir o SNS à sua matriz constitucional e humanista.
Na verdade, com a prossecução, pelos governos de António Costa, da mesma política que António Arnaut criticava, a situação presente do Serviço Nacional de Saúde, não obstante os patéticos desmentidos da Ministra da Saúde, é de um verdadeiro caos que só ainda não chegou – embora para lá caminhe, e a passos largos – ao desastre completo em virtude da extrema dedicação dos profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos que ainda trabalham no nosso sistema público de Saúde.
A enorme gravidade do actual estado do SNS é todos os dias confirmada por novos e cada vez mais inaceitáveis episódios. Como confirmou uma recente e excelente reportagem das jornalistas Vera Lúcia Arreigoso e Raquel Albuquerque, publicada no “Expresso”, metade dos médicos têm actualmente mais de 50 anos e, consequentemente, têm o direito de não fazer urgências. Há cada vez mais vagas (actualmente cerca de 30%) por preencher por haver cada vez menos profissionais dispostos a suportar as péssimas condições de trabalho (desde o número de horas até à falta quer de equipamento adequado, quer de outros profissionais, designadamente enfermeiros) em inúmeros Centros de Saúde e hospitais.
(...)
Para onde quer que nos viremos, constatamos uma crescente falta de profissionais, como médicos e enfermeiros, e, muito em particular, de especialistas. Verificamos que aqueles que ficam, ganhando muito menos que no privado e trabalhando horas a mais e em condições crescentemente degradadas, se sentem caca vez mais exaustos e desmotivados. São verdadeiramente estarrecedores os resultados do estudoBurnout na Classe Médica em Portugal: Perspetivas Psicológicas e Psicossociológicas”,realizado em 2017 pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a coordenação do Professor Jorge Vala: 66% dos médicos da amostra inquirida apresentaram um nível elevado de “Exaustão Emocional”, 39% um elevado nível de “Despersonalização” e 30% um elevado nível de “Diminuição da Realização Profissional”. Isto, quando um estudo da Universidade do Minho, em 2016, já revelava que 1/5 dos enfermeiros inquiridos sofria de exaustão, decorrente, designadamente, de milhares e milhares de horas extra ilegais com capitações de 40 doentes por um único enfermeiro.
(...)
E, assim, enquanto na própria França do ultra-liberal Macron, acaba de ser anunciado um denominado Plano de Urgência para o Hospital Público que passa pela criação de carreiras mais atractivas, pela dignificação das remunerações, pela revalorização profissional e social dos médicos e demais profissionais, por um significativo e imediato investimento nos serviços públicos de saúde e pela assunção e resolução de grande parte das dívidas dos hospitais públicos, António Costa e Marta Temido, sempre com os habituais sorrisos “para a fotografia” e as frases feitas da propaganda oficial, fingem tomar medidas para tudo afinal ficar na mesma.

Quem assim actua, ainda por cima em cargos públicos, não pode deixar de ser responsabilizado. Até porque, como todos sabemos, quando são os coveiros a tratar, é a Saúde que agoniza!…
Artigo completo em noticiasonline

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O bom, o mau e o assustador nos serviços de saúde em Portugal



Ricardo Paes Mamede
«Todos os dias há notícias sobre problemas nos serviços públicos de saúde em Portugal. São tão insistentes que ficamos sem saber se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está à beira do colapso ou se há quem queira fazê-lo pior do que está. O relatório "Health at a Glance 2019", publicado há dias pela OCDE, dá-nos uma ideia algo diferente. Permite-nos ver o bom e o menos bom do sistema no seu conjunto. Mostra-nos também o que há de assustador nas perspectivas de evolução do SNS.
(...)
Apesar do progresso, há dados que evidenciam falhas importantes no sistema, a começar pela desigualdade no acesso à saúde em função dos rendimentos. Portugal apresenta das maiores diferenças entre ricos e pobres na probabilidade de consultar um médico em caso de necessidade. Cerca de metade (47%) das pessoas com menores rendimentos adiam consultas necessárias por razões económicas - é o segundo valor mais alto da OCDE, quase o dobro da média (o que não acontece entre a população com mais recursos). No caso da ida ao dentista, Portugal é o segundo país onde a diferença entre ricos e pobres é maior.
A falta de resposta do SNS não acontece apenas no caso da medicina dentária, mas na generalidade das consultas (seja de clínica geral ou de especialidade) e nos tratamentos de reabilitação. O Estado português assegura 85% do financiamento dos cuidados hospitalares, mas apenas 66% dos cuidados ambulatórios (na OCDE, os valores médios correspondentes são 88% e 77%).
Ou seja, o acesso a consultas médicas é uma das áreas em que o SNS mais falha, penalizando principalmente as camadas mais pobres da população. Isto traduz-se em dificuldades sérias para muitas famílias: Portugal é um dos países com maior incidência de despesas catastróficas em saúde, definidas como pagamentos que excedem os níveis de despesa expectável por família.
Igualmente grave é a incapacidade do SNS para responder adequadamente à evolução demográfica. Portugal apresentava em 2017 uma das maiores percentagens de população acima de 65 anos (21,3%) e acima de 80 anos (6,2%). De acordo com as previsões, em 2050 aqueles valores aumentarão para 35% e 13,4%, respectivamente. Esta evolução demográfica coloca desafios a que o SNS não tem dado resposta.
A esperança de vida dos portugueses após os 65 anos é das mais elevadas (22,1 para as mulheres e 18,3 para os homens). No entanto, Portugal é dos países onde é menor a parte de vida saudável na terceira idade. Cerca de ¾ das pessoas acima dos 65 anos sofrem de duas ou mais doenças crónicas (contra apenas 31,4% na média da OCDE). Apenas 14,3% dos indivíduos desta faixa etária classificam a sua própria saúde como boa ou muito boa (três vezes menos do que na média da OCDE).
Apesar da estrutura demográfica e dos problemas de saúde dos mais velhos, os recursos destinados a este segmento da população são modestos. Por exemplo, as despesas públicas com cuidados continuados são de apenas 0,5% do PIB em Portugal, uma das mais baixas taxas da OCDE (cuja média é 1,7%). Isto reflecte-se não apenas na qualidade de vida dos idosos, mas também numa pressão crescente sobre os hospitais e centros de saúde para acudir a situações que, na verdade, estão para lá do âmbito da sua actuação.
Há, com certeza, casos de má gestão ou incapacidade de organização dos serviços públicos de saúde em Portugal. Mas a principal conclusão que se retira dos dados da OCDE é outra: o SNS está subfinanciado. As necessidades acrescidas que decorrem da estrutura demográfica e das enormes desigualdades sociais em Portugal aconselhariam um esforço maior do que a média no financiamento da saúde. Não é isso que acontece, pelo contrário. A despesa pública em saúde por habitante em Portugal (em paridades de poder de compra) é menos de dois terços da que se verifica na média da OCDE. Tirando o caso da Grécia, Portugal é o único país da UE cujas despesas públicas em saúde em 2017 eram inferiores aos valores de 2010. Foi também um dos poucos países onde os salários dos médicos caíram neste período.
O subinvestimento no SNS não se reflecte apenas na saúde dos cidadãos no imediato. A incapacidade de resposta e a degradação das condições de trabalho dos profissionais abrem espaço à expansão da oferta privada. O sistema público vai-se tornando um pobre serviço para pobres, enquanto os privados oferecem serviços em função da capacidade de pagamento. Se nada de relevante for feito para inverter a situação, acabaremos todos a pagar mais por um sistema cujos resultados serão medíocres - como o relatório da OCDE mostra para o caso dos EUA. O interesse objectivo que o poderoso lobby privado da saúde tem na degradação do SNS é o lado mais assustador desta história. Resta saber se quem defende outro destino para a saúde em Portugal - dentro e fora do governo - vai ter força para resistir à pressão dos interesses.»
Artigo completo aqui

sábado, 9 de novembro de 2019

Ex-presidente do INEM acusado de corrupção e outros dez crimes no caso da venda de plasma


É o que dá a promiscuidade entre o público e o privado e como os governos em Portugal têm sido os agentes de negócios das grandes empresas estrangeiras em Portugal
No Público: «O empresário Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma em Portugal, também foi acusado de 21 crimes, incluindo três de corrupção activa. Do rol de acusados fazem ainda parte uma médica e um advogado da PMLJ.
O médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, foi acusado de um crime de corrupção passiva e de mais outros dez ilícitos no âmbito do caso conhecido como O Negativo — relacionado com o monopólio da venda de plasma inactivado (componente do sangue) aos hospitais públicos portugueses atribuído por concurso público em 2000 à multinacional suíça Octapharma. O Ministério Público pede que o médico, que foi júri naquele concurso, seja condenado a uma pena acessória de proibição do exercício de funções.
No centro da acusação está o empresário Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma em Portugal, que foi acusado de 21 crimes, incluindo três de corrupção activa, segundo o despacho final da investigação, que tem 1059 páginas. Era ele o ponto de ligação entre os seis arguidos individuais e a empresa que integra a lista de acusados e de que é proprietário, a Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A.
O Ministério Público concluiu que o empresário, que foi patrão do ex-primeiro-ministro José Sócrates após este perder as eleições, construiu uma rede de influências através de relações pessoais e familiares, com o objectivo de obter benefícios próprios. É também esta a razão pela qual o Ministério Público não chegou a deduzir acusação contra a Octapharma, já que, como se lê no despacho de acusação, entendeu-se que Lalanda e Castro “actuou sempre em função do seu próprio interesse e ambição de negócio": quanto mais vendesse dos produtos da multinacional suíça “proporcionalmente mais elevadas seriam as comissões e bónus que receberia”.
Do rol de seis pessoas singulares acusadas neste caso fazem ainda parte uma médica imuno-hemoterapeuta, que foi subordinada de Cunha Ribeiro no Hospital de São João, no Porto, onde ambos ainda trabalham, e uma farmacêutica, que fazia parte da Associação Portuguesa de Hemofilia. Ambas estão acusadas de um crime de corrupção passiva. À médica o Ministério Público imputa igualmente dois crimes de recebimento indevido de vantagem, pedindo igualmente que seja condenada a uma pena acessória de proibição do exercício de funções.
Um advogado da sociedade PLMJ, Paulo Farinha Alves, também foi acusado de dois crimes, um de falsificação e outro de branqueamento de capitais, ambos na forma tentada. A irmã de Lalanda e Castro, que assumiu funções de responsabilidade em várias das empresas offshore criadas pelo empresário e na Convida, também está acusada de cinco crimes: três de falsificação e dois de branqueamento. Dois deles são na forma tentada. Já esta empresa imobiliária controlada por Lalanda e Castro foi igualmente acusada por 11 crimes, seis de falsificação e cinco de branqueamento.
Segundo o Ministério Público, foi através da Convida que Lalanda e Castro se prontificou a comprar um apartamento a Cunha Ribeiro, quando este integrava o concurso lançado no ano 2000 para o “fornecimento de produtos derivados do plasma humano e PHI [Plasma Humano Inactivado]”. O então director clínico do S. João tinha-se divorciado e manifestou junto do amigo de longa data a vontade de começar uma nova vida. Este, “prontificou-se” a adquirir, através da Convida, um apartamento duplex na zona das Antas, no Porto, escolhido por Cunha Ribeiro. O médico ainda solicitou, posteriormente, a aquisição de duas fracções de garagem, o que foi feito.
(...)


A médica terá ainda beneficiado de viagens pagas – algumas das quais para se deslocar entre o Porto e Lisboa, para participar no júri de concursos que envolviam a empresa – , fosse para ir a eventos de carácter mais lúdico, como a festa do 25.º aniversário do Grupo Octapharma, em Heilderbeg, na Alemanha, em 2008, onde também esteve Luís Cunha Ribeiro. Ambos fizeram-se acompanhar dos respectivos companheiros, cujas despesas também foram pagas pela empresa.»

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Médicos e enfermeiros perderam salário em sete anos



O que não é grande novidade, porque enfermeiros e médicos e restantes trabalhadores do SNS bem sentem na pele e... nos bolsos, pouco remediando a subida de 1 índice e de 1 índice e meio, ou uma carreira miserável com a aprovação de sindicatos e da Ordem no caso dos Enfermeiros, e haverá que esperar o pior: as eleições já foram e Costa, na cimeira da tecnologia que agora finda, acabou de elogiar o “voluntariado", ou seja, o trabalhar de borla é que é bom.
Relatório da OCDE Health at a Glance compara evolução das remunerações de 11 países entre 2010 e 2017. Portugal foi o único em que desceram:
«Os médicos e os enfermeiros portugueses viram os seus ordenados baixarem em sete anos, ao contrário do que aconteceu com vários países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Os dados fazem parte do relatório Health at a Glance 2019, divulgado esta quinta-feira por esta organização.
O relatório avalia a evolução das remunerações entre 2010 e 2017 de médicos especialistas e médicos de clínica geral e compara o percurso salarial da Áustria, Bélgica, Canadá, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Israel, Luxemburgo, México e Portugal. Destes 11 países, apenas Portugal registou uma descida. Quer médicos generalistas como especialistas estavam a ganhar menos em 2017 do que ganhavam em 2010: menos 1,3% e menos 0,9% em média por ano, respectivamente.
(...)
Em Portugal, os baixos salários e a degradação das condições de trabalho têm sido duas das razões apontadas por sindicados e Ordem dos Médicos para o aumento de saída de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para muitos a opção tem sido trabalhar no privado, mas para outros o estrangeiro torna-se cada vez mais atractivo. Nos primeiros seis meses deste ano, as três secções da Ordem dos Médicos tinham assinado, segundo dados publicados pelo Diário de Notícias, perto de 400 certificados, o triplo de 2018.
Mas não foram só os médicos a perder remuneração. Também os enfermeiros a trabalhar nos hospitais portugueses sentiram o mesmo efeito a partir de 2010, ao contrário do que aconteceu noutros países. “Na maioria dos países, a remuneração dos enfermeiros aumentou desde 2010, ainda que a diferentes ritmos”, aponta o relatório. O mesmo acrescenta que na República Checa os enfermeiros tiveram um aumento salarial depois de protestos em 2011 e na Eslováquia os salários aumentaram 40% entre 2010 e 2017. O governo daquele país anunciou um novo aumento de 10% em 2018 para enfermeiros e pessoal não médico.
Noutros países, como Portugal e Espanha, a remuneração dos enfermeiros desceu depois da crise económica de 2008/09 relacionado com o corte das remunerações no sector público e apenas recuperou lentamente nos últimos anos”, diz o documento, que acrescenta que o mesmo cenário de decréscimo salarial aconteceu na Grécia. Neste caso, um decréscimo de 25% entre 2009 e 2015 (o mesmo entre os enfermeiros portugueses).
O relatório refere que os enfermeiros que trabalham em países da Europa Central e Oriental ganham menos e que isso explica em parte porque é que a maioria destes profissionais emigra para outros países da União Europeia. Embora não faça referência quanto a essa realidade em Portugal, desde os anos de crise que no nosso país milhares de enfermeiros pediram à Ordem declarações para poderem trabalhar no estrangeiro. O ano recorde até ao momento foi 2014, com 2814 pedidos. 

Mas 2019 pode bater essa marca. Nos primeiros seis meses deste ano a Ordem dos Enfermeiros já tinha emitido 2321 declarações. Muito acima dos números do primeiro semestre de 2018. Entre os principais motivos para estes pedidos estão os baixos salários praticados em Portugal comparando com outros países, as condições de trabalho e a não-perspectiva de progressão na carreira.

Health at a Glance 2019 volta a fazer um apanhado do rácio de médicos e enfermeiros por mil habitantes. No caso dos enfermeiros, Portugal tem 6,7 profissionais por mil habitantes, abaixo da média dos 36 países da OCDE (8,8 enfermeiros por mil habitantes).

(...)

Artigo completo em Público

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Um país próspero não é isto



«Uma senhora entra com o marido num centro de saúde com uma queimadura de segundo grau na mão. Aguarda, pacientemente, a sua vez até a chamarem. O diagnóstico é simples, o tratamento também. Basta aplicar uma pomada, proteger a mão com umas ligaduras, impedir a todo o custo que a zona da queimadura apanhe água e aguardar a cicatrização. Problema? O centro de saúde não tem a pomada necessária para fazer o curativo. Acabou. E, por qualquer motivo, não foi reposta. Se quiser ser tratada, esta senhora tem que sair do centro de saúde, ir a uma farmácia, pagar quatro euros para comprar a pomada, regressar ao centro de saúde e fazer o curativo. Foi essa a sugestão que lhe fizeram e foi isso que esta senhora fez. Incrédula, mas foi isso que fez.

Por mais que gostasse de ter inventado esta história de terceiro mundo, ela aconteceu mesmo. E não foi há 10 anos, foi em 2019, esta semana, a mesma em que, no Parlamento, António Costa jurava a pés juntos que estava virada a página da austeridade e que vinha aí a prosperidade. Não vem. Nem a prosperidade está aí à espreita, nem a austeridade em Portugal é uma realidade ultrapassada. E a saúde é, provavelmente, o exemplo mais gritante.

Um país próspero não deixa acabar os medicamentos nos centros de saúde e nos hospitais, nem obriga os seus utentes, aqueles que descontaram durante anos para o Estado, a pagarem mais por um tratamento do que aquilo que têm para viver.

Um país próspero não tem hospitais públicos indignos, sem o mínimo de condições, com doentes em agonia amontoados em corredores. Não deixa os seus cidadãos meses à espera de uma consulta ou, pior ainda, de uma cirurgia, sujeitos a morrerem enquanto esperam.

Um país próspero não permite que fechem as urgências pediátricas de um hospital por falta de profissionais de saúde. Não trata crianças com doenças oncológicas em contentores. Nem deixa pessoas morrerem por falta de assistência médica urgente.

Um país próspero não divide a sociedade entre os "privilegiados" e os "outros." Entre os que têm um seguro de saúde e podem ser tratados em hospitais privados, com todo o conforto - que qualquer cidadão merece - e os que, por falta de condição financeira ou simplesmente porque não são funcionários públicos, ficam entregues à sua própria sorte.

Um país próspero não permite que uma consulta de especialidade no privado, com seguro de saúde, seja mais barata que uma urgência no Serviço Nacional de Saúde.

Um país próspero não trata os seus profissionais de saúde de uma forma humilhante. Não lhes paga um salário miserável, não lhes dá condições degradantes para trabalharem e não os obriga a fugirem para o setor privado ou, pior ainda, a emigrarem.

Acenar com a prosperidade num país onde tudo isto acontece é, no mínimo, insultuoso. Porque falta fazer o básico. Falta garantir aos cidadãos que trabalham e pagam impostos aquilo que a constituição lhes promete, mas que o Estado tem sido incapaz de cumprir: um Serviço Nacional de Saúde universal, de qualidade e gratuito.

Não adianta sermos ingénuos ou facciosos. Se na saúde - como em tantas outras áreas - estamos longe da tão desejada prosperidade, culpar apenas o atual governo é injusto. São décadas de más escolhas políticas, de discussões estéreis, pouco práticas, de falta de visão e, muitas vezes, de falta de respeito pelo dinheiro dos contribuintes. São décadas de má gestão, com responsabilidades que têm que ser partilhadas por todos os partidos que tiveram funções governativas.

Aqui chegados, talvez valha a pena recordar Otto Von Bismarck, o chanceler "de ferro" alemão, que disse que "a política é a arte do possível." É, de facto. E se olharmos para este programa de governo numa perspetiva exclusivamente de sobrevivência política, talvez António Costa esteja a fazer o que tem de ser feito: responder ao PAN, ao PCP, ao Bloco de Esquerda, ainda dar uma perninha às reivindicações do Livre, sem nunca largar as obrigações impostas por Bruxelas.

Mas a política é também a arte das escolhas. Das opções que se fazem. E enquanto essas opções não passarem por uma estratégia económica que torne Portugal um país mais competitivo, com níveis de crescimento económico que tornem sustentável o papel do Estado, ninguém se devia atrever a falar num país próximo da prosperidade. Enquanto o dinheiro dos impostos não servir para termos um Serviço Nacional de Saúde digno desse nome, a austeridade não acabou.»

Por Anselmo Crespo em entreasbrumasdamemoria

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A Privatização Crescente (e disfarçada) do SNS pelo governo do PS


Eugénio Rosa
OS 848 MILHÕES € DE PREJUÍZOS DO SNS EM 2018 DIVULGADOS PELAS TELEVISÕES E JORNAIS
entre 2017 e 2018, os gastos do SNS aumentaram 5,4% mas o governo diminuiu as transferências do Orçamento do Estado para o SNS em 0,6%. Menos dinheiro para a saúde No dia 11/10/2019, televisões e jornais noticiaram com grande aparato e em grandes “caixas” que o SNS tinha apresentado, em 2018, prejuízos no montante de 848,2 milhões € (em 2017, -345,8 M€). A forma como a noticia foi dada, sem qualquer explicação, para chocar e aumentar audiências, criou naturalmente na opinião publica uma ideia errada como tais prejuízos foram gerados. Neste estudo, com base no Relatório do Ministério da Saúde, vamos explicar a razão desses prejuízos elevados.
ENTRE 2017 E 2018, OS GASTOS DO SNS AUMENTARAM EM 521 MILHÕES € (+5,4%), MAS AS TRANSFERÊNCIAS DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA O SNS DIMINUÍRAM EM 51 MILHÕES €
Quem se dê ao trabalho de analisar o “Relatório e Contas do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde de 2018”, divulgado por aquele Ministério, e não se limite a ler os títulos dos jornais ou os rodapés e as falas das televisões, concluirá que, entre 2107 e 2018, os gastos do SNS com “mercadorias e matérias consumidas” (ex.: medicamentos), com “aquisição de serviços externos e com “Pessoal” aumentaram de 9.639,2 milhões para 10.159,6 milhões € (+520,7 milhões €), enquanto as transferências do Orçamento do Estado para o SNS diminuíram de 8.866,1 milhões para 8.815,1 milhões € (-51 milhões €). Se incluirmos as taxas moderadoras e a prestação de serviços pelo SNS o aumento de receitas, entre 2017 e 2018, é apenas 0,87%.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é financiado fundamentalmente com impostos pagos por todos os portugueses, daí a razão de ser tendencialmente gratuito. Mas para que isso aconteça, é necessário que os impostos que constituem receita do Orçamente do Estado, uma parte seja transferida para o SNS. E como os gastos deste estão aumentar devido ao envelhecimento da população, à procura crescente de cuidados de saúde por parte desta e ao aumento de preços dos bens (ex. medicamentos) e dos serviços que adquire, e das remunerações dos profissionais de saúde (efeito das progressões nas carreiras e de novas contratações), é evidente para todos que era necessário aumentar as transferências do Orçamento do Estado para o SNS. Mas o que aconteceu entre 2017 e 2018 foi precisamente o contrário para reduzir o défice orçamental. Os gastos com a compra matérias e consumíveis e com aquisições de serviços a privados e com pessoal aumentaram 5,4%, enquanto as transferências do OE para o SNS diminuíram em 0,6%.
Em percentagem da despesa do Estado (Administração Central) as transferências para o SNS representaram, em 2017, apenas 10,6% da despesa total do Estado e, em 2018, essa percentagem, que já era insuficiente, ainda desceu para somente 10 %. Em percentagem do PIB, entre 2017 e 2018, diminuiu de 4,5% do PIB, um valor já insuficiente, para apenas 4,3% do PIB. Depois para colmatar o “buraco” assim criado, o governo transferiu 500 milhões € para aumentos de capital dos hospitais (pág. 63 do Anexo do Relatório), que não deviam ser utilizados para pagar despesas correntes, mas que naturalmente foram. Através de um processo de engenharia financeira, evita-se Capitais Próprios negativos e o aumento do défice orçamental.
Se se tivesse introduzido na nova Lei de Bases da Saúde, como na altura defendemos uma “norma travão” (que nenhum partido quis introduzir na nova lei bases da saúde- Lei 95/2019), que impedisse que as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde fossem inferiores a 5% do valor do PIB nominal de cada ano, em 2017 o SNS teria recebido do Orçamento do Estado mais 931,2 milhões € e, em 2018, mais 1.379,7 milhões €, o que acabaria com o subfinanciamento cronico a que o SNS tem sido sujeito a longo dos sucessivos governos para reduzir o défice orçamental, e que está a destruí-lo e a causar a degradação dos serviços de saúde públicos à população sentida por esta.
A PRIVATIZAÇÃO CRESCENTE DO SNS DEVIDO AO AUMENTO DE AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS AOS PRIVADOS: a privatização crescente do SNS através do outsourcing
Muitos apenas se preocupam com a privatização do SNS através das Parcerias Públicas Privadas, e pensam que eliminado estas acaba-se com a privatização crescente do SNS e com a destruição a que tem sido sujeito. Puro engano. Se se dessem ao trabalho de analisar com atenção as contas do SNS rapidamente chegariam à conclusão que a despesa com as Parcerias Públicas Privadas representa apenas uma pequena percentagem da despesa do SNS utilizada para promover o negócio privado da saúde em Portugal.
Segundo o mesmo Relatório do Ministério da Saúde, entre 2017 e 2018, a despesa com “Fornecimentos e Serviços Externos” de privados ao SNS aumentou de 3.806,1 milhões € para 4.036,4 milhões € (+6%). Deste total apenas 422 milhões € em 2018 (10,5%) foram com as Parceria Público Privadas. Para além dos “Fornecimentos de Bens e Serviços” adquiridos a privadas, o Serviços Nacional de Saúde, segundo o mesmo Relatório do Ministério de Saúde, ainda adquiriu ao sector privado “mercadorias e matérias” no montante de 1.732 milhões € em 2017 e 1.815,5 milhões € em 2018. E tudo isto tem facilitado e mesmo sido promovido pelo subfinanciamento crónico do SNS que o destrói mas que alimenta o sector privado de saúde.
O ENDIVIDAMENTO CRESCENTE DO SNS AOS PRIVADOS PARA PODER FUNCIONAR, A DIFICULDADE EM CONTRATAR TRABALHADORES E A IMPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO DAS FINANÇAS À ADSE DE AQUISIÇÃO DE “PACOTES DE HORAS” PAGANDO 4,77€/HORA
Segundo o mesmo Relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, no fim do ano de 2018, o SNS devia a fornecedores privados 1.931,3 milhões € a que se adicionava mais 53,5 milhões € a fornecedores de investimentos. Face à insuficiência de transferências do Orçamento do Estado para cobrir os seus gastos correntes, o SNS continua a ser obrigado a acumular enormes dividas a fornecedores, sujeitando-se às condições impostas por eles, nomeadamente preços e qualidade dos produtos fornecidos (como diz o ditado “não há almoços grátis”) contribuindo assim para falta de responsabilização a nível de gestão, para o incumprimento a nível de objectivos, e para a promiscuidade em relação aos profissionais de saúde que simultaneamente trabalham no SNS e nos grandes grupos privados de saúde, muitas vezes com escassa produtividade no SNS devido à falta de condições e às baixas remunerações que auferem, o que impede que se lhes exija a exclusividade. E o SNS e o sector privado têm lógicas de funcionamento e objectivos muito diferentes (o primeiro, ganhos de saúde; o 2º o lucro) e ninguém pode servir bem os dois tão diferentes.
(...)
Segundo os dados do Ministério das Finanças (DGAEP) do quadro 1, durante o governo PS/Costa o número de profissionais de saúde aumentou em 9.488, nomeadamente enfermeiros (+5.246),. No entanto, como refere o semanário Expresso, citado pela ZAP- online, em 29 de Junho de 2019, “70% dos especialistas não estão em dedicação exclusiva. No caso os médicos hospitalares, a presença intermitente é ainda maior e chega aos 80%. A todos estes profissionais sem exclusividade é permitido trabalhar em simultâneo no privado e trocar as horas extras nas Urgências das suas unidades por outras que pagam mais à tarefa, incluindo no SNS. O objectivo de dar resposta aos portugueses continua a falhar. Há quatro hospitais da área de Lisboa, incluindo a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), sem anestesistas, obstetras ou neonatologistas para o atendimento urgente em Julho e Agosto. Para ter médicos suficientes, as contratações têm-se sucedido, e desde 2015 aumentou 10% o número de especialistas e 24% os internos, mas nenhum dos novos contratos tem vínculo pleno ao SNS.
Segundo a Administração Central do Sistema de Saúde, apenas 5587 especialistas estão em exclusivo, isto é, 30% do total de médicos no SNS em 2018 (18.835). Nos hospitais são somente 2504, 20% deste sector (12.448). Mesmo que os médicos queiram trabalhar só no Estado não podem fazê-lo. A figura laboral da dedicação exclusiva foi retirada da Saúde em 2009 porque era cara”. No Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS de 2018, no quadro 6 da pág. 56, refere-se que 9.191 médicos têm contratos a prazo ou a termo certo. É esta a realidade no SNS. Na ADSE, para colmatar a falta de trabalhadores o Ministério das Finanças impõe que se faça contratos com empresas de trabalho temporário pagando 4,77€/hora, uma vergonha que deixou o concurso deserto e está a contribuir para agravar a prestação de serviços aos beneficiários.
Por outras palavras, a promiscuidade público-privado dos profissionais de saúde assim como a precariedade impera no Serviço Nacional de Saúde, não só constitui uma importante forma de financiamento dos grandes grupos privados de saúde que assim têm, ao seu dispor, profissionais altamente qualificados baratos pois pagam à peça ou à percentagem, não tendo de suportar os outros custos, também contribui para destruir o SNS (descapitalizando-o) cuja situação difícil é prova disso.
A nova lei de bases da saúde aprovada em 2019 – Lei 95/2019 – não resolve nem acaba com esta promiscuidade pois, no nº 3 da sua Base 29, apenas dispõe o seguinte: “O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais de saúde do SNS, podendo, para isso, estabelecer incentivos”. Praticamente não acrescenta nada ao que existia na lei anterior (tudo vai depender do arbítrio do governo) que contribuiu para conduziu o SNS à situação difícil em que se encontra actualmente.

A Espanha nem una nem grande nem livre


Trabalhadores do l’Hospital de Sant Pau, Barcelona, manifestando-se contra a visita do primeiro-ministro Pedro Sánchez e defendendo a libertação dos dirigentes catalães presos

José Pacheco Pereira

«La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y debe aventurar la vida. (Cervantes, Don Quijote) 

Este é um artigo indignado e como eu sou de raras indignações podem parar de o ler aqui. Nestas alturas estou-me positivamente “marimbando” – sem desculpa pelo plebeísmo porque preciso da sua força – para as nossas tricas nacionais, e para o gigantesco espectáculo de hipocrisia que é a União Europeia, capaz de se mobilizar pelas mais minoritárias causas da moda, mas indiferente ao que se passa na Catalunha.

Como cá. São todos muito liberais, todos muito preocupados pelas liberdades (económicas), todos muito tradicionais, alguns muito revoltados com a repressão (na Venezuela ou em Cuba), e chega-se à Catalunha e ficam todos muito indignados com a “violência” na rua, todos muito legalistas, todos indiferentes a um processo político persecutório, todos olhando para o lado para não verem as multidões na rua, e acima de tudo para não verem as faces dessa multidão. Para não verem que eles são iguais a nós, velhos, mulheres, donas de casa, trabalhadores, jovens casais, moradores, professores, funcionários, gente LGBT, gente conservadora, gente cujos pais e avós conheceram a guerra civil e guardam a memória dos fuzilamentos de dirigentes catalães ou dos movimentos estudantis e operários que confrontaram o franquismo numa Catalunha mais irridenta do que muitas partes de Espanha. Eles olham para a rua e vêem os capuzes, e como o El País e a imprensa portuguesa que o segue, estão muito preocupados com a Constituição e com a lei, com revoltas, golpes de estado, revoluções, sedições, separatismo, independentismo. O que não vêem ou admitem é que possa haver uma vontade, uma determinação, uma razão pela independência da maioria dos catalães.

Foto O problema é que na rua catalã não estão fascistas de pata ao alto, nem gente a marchar detrás de variantes da suástica, ou de runas nórdicas, nem a gritar contra os refugiados, nem a atacar mesquitas e sinagogas – está gente como nós. Mas o mesmo não se pode dizer das setas da Falange, nem da bandeira espanhola transformada no estandarte da “España, una, grande y libre” do franquismo, que recrudesceram nos dias de hoje em resposta ao independentismo catalão, numa causa que já mereceu em Espanha muitos milhares de mortos.

Na verdade, os nossos anti-catalães, parte do PS e quase toda a direita, acabam por ser muito amigos de uma das mais sinistras tradições do país ao nosso lado, o espanholismo de Castela, historicamente muito agressivo, tradicional inimigo de Portugal, a pátria que supostamente lhes enche o peito antes de chegarem a Bruxelas, onde desincha. O espanholismo que encontrou os seus melhores porta-vozes em partidos de extrema-direita como o Vox, que Nuno Melo branqueou, ou num PP minado pela corrupção, ou na sua versão modernizada o Ciudadanos, o partido que o CDS gostaria de ser quando for grande. E em Espanha nesse partido que nem é socialista, nem operário, mas que agora é muito espanhol e que aceitou ser chantageado pelos herdeiros de Francisco Franco e que não teve a coragem de evitar o julgamento político dos independentistas.

Podem não ser favoráveis à independência catalã, não podem ser indiferentes aos presos políticos e às suas sentenças punitivas. E só por ironia é que se vê ficarem muito ofendidos com a comparação entre Hong Kong e Barcelona, eles que não mexeram uma palha sobre Hong Kong porque o seu anticomunismo pára na EDP e na REN, e não têm muita autoridade para fazer essa distinção. O mesmo com a “progressiva” e de “referência” comunicação social espanhola cuja agressividade anti-catalã é repulsiva. E o mesmo para a portuguesa.

E repetem-se argumentos absurdos. O argumento contra o referendo então é o de máxima hipocrisia. O referendo não valeu porque correu sem qualquer controlo. Não é inteiramente verdade, mas é natural que não tenha ocorrido em condições ideais com a polícia a roubar as urnas, a ocupar lugares de votação e a bater nos que queriam votar. Mas, se o problema foram as condições do referendo, então que se faça outro em condições de liberdade e paz civil. Resposta: não, não, nunca, jamais em tempo algum.

Eu sou um grande admirador de Espanha, da sua cultura, das suas gentes. Li o Quixote mais de que uma vez e não é por falta de vontade que não o leio outra vez. Tudo o que de grande existe na história da literatura e da arte está nesse livro, de Ulisses a Leopold Bloom. O país que “deu” este livro merece tudo, menos muita da sua política. Não é um país de história fácil, como se viu na matança da guerra civil, de que o actual conflito é demasiado herdeiro. Em política sempre foi dado a pouca tolerância e a muito sangue, mas os seus grandes homens e mulheres nos últimos 200 anos foram-no exactamente por contrariarem isso. Unamuno é um exemplo.

É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.»

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A vitória do alívio


Henricartoon


1. A maior derrota das direitas portuguesas desde 1975. Nunca os dois partidos clássicos da direita (PSD e CDS) tiveram tão poucos votos: 1638 mil (32,2%), menos 440 mil que em 2015, quase menos 1,2 milhões que na vitória anti-Sócrates de 2011! Pela primeira vez desde 1975, literalmente, eles não juntam ⅓ dos votos. É verdade que as pequenas (extremas-)direitas cresceram como nunca: 227 mil votos (4,5%, ¼ dos quais do Chega), mas não é que eles já cá não estivessem; em 2015 já tinham 1,9%, e 3,2% em 2011. Desde o segundo referendo sobre a IVG (2007) que à direita começaram a organizar-se autonomamente ultras de várias espécies, desde o PNR aos antiabortistas; só agora conseguiram, com outras siglas, representação parlamentar, mas há muito que vêm marinando. Todas somadas, contudo, do PSD ao Chega, nunca foram tão poucos, e nunca se apresentaram tão fragmentados. Falta perceber o mais importante: como vão PSD e CDS comportar-se perante estes bolsonaristas da “bala”, do medo e do racismo, que prometem destruí-los nos próximos quatro anos. Se tomarmos por referência o que já disseram há um ano sobre Bolsonaro, e se se comportarem como os seus congéneres italianos, escandinavos, austríacos, americanos, brasileiros…), conviverão bem com a extrema-direita, descafeinarão a coisa (“são portugueses como quaisquer outros”), e farão este discurso que já se ouve da “grande casa das direitas” que há que (re)construir. Em suma, chegará a hora dos Nunos Melos e dos críticos de Rio, que, como fez Ventura, querem importar a fórmula da radicalização da direita: ultraliberalismo económico, racismo contra os “inassimiláveis”, política do medo, policialização da realidade.

2. A vitória do PS ou do alívio? Costa conseguiu para o PS uma das suas piores vitórias de sempre. Muito abaixo de Guterres e Sócrates, mas até mesmo de Ferro Rodrigues, que foi derrotado em 2002 por Durão Barroso com bem mais votos que Costa agora. O PS ganhou 120 mil votos mas tem hoje menos 200 mil quando Sócrates perdeu a maioria absoluta, em 2009, e menos 100 mil que nas autárquicas de 2017. Há dez anos que o PS não consegue atrair o milhão de votantes que apoiam partidos à sua esquerda (BE, CDU e outros), ainda que tenha conseguido convencer uma parte dos 110 mil votantes perdidos pela CDU e dos 60 mil pelo BE de que era seu o mérito da reposição de salários e de reformas ou o aumento do salário mínimo, que Costa e Centeno não tinham querido em 2015 mas que lhes garantiram, afinal, este pequeno sucesso. No essencial, na dúvida sobre se a austeridade acabou ou não (e não acabou), uma grande parte dos portugueses sente, em todo o caso, um grande alívio comparado com a angústia e a ofensa diária que sentiu no último ano Sócrates e nos anos de Passos e troika. Facilita tudo isto que meio milhão tivesse emigrado já até 2015, e que até 2018 mais 300 mil pessoas tenham arranjado um emprego, mas os salários continuam esmagados e, apesar da redução da pobreza, a concentração de riqueza acentuou-se. Estes trinta anos de precarização dos contratos, privatização do público e financeirização da economia têm sido uma longa lição de resistência aprendida à força; sempre que se bloqueia o avanço da indignidade, é natural que quem resiste se sinta aliviado. Poucas são as vitórias que pode cantar, mas reconhece o alívio – e este premiou (limitadamente) o PS.

3. A crise do sistema de representação não foi corrigida. E a medida dela nem está no nível da abstenção oficialmente registada, artificialmente inflacionada pelo milhão de eleitores, pelo menos, que não vive em Portugal mas está cá recenseado. Isto, contudo, não invalida a grande desafeição que demasiados cidadãos sentem pelo sistema de representação. Esta é também uma consequência destes últimos 30 anos: por um lado, os mais precários (jovens, pobres, com exceção de grande parte dos idosos) são ensinados a sentir que é inútil participar (a diferença de participação entre freguesias pobres e ricas nas mesmas cidades pode atingir 15%); por outro, entre trabalhadores acossados, advertidos para não se sindicalizarem, as derrotas face ao poder patronal e ao do Estado dissuadem cada vez mais gente de votar, em vez de o fazer em protesto. A nossa, como a grande maioria das democracias formais, está a tornar-se uma democracia da abstenção deliberadamente promovida pelas políticas económicas. Neste contexto, todos os apelos cívicos de quem assim governa parecem hipocrisia da mais acabada.»

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Os portugueses, o SNS e as mentiras do Costa em tempo de eleições


in Henricartoon

São os 40 anos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Primeiro Costa jura que defende o que o seu partido criou, mais por força das circunstancias do que por inscrição no seu ADN programático, a ministra da Saúde desunha-se em plantar “oliveiras do SNS”, ao mesmo tempo que encabeça a lista pelo distrito de Coimbra, o Rio dos Pópós acusa o mais directo concorrente de “esconder as contas do SNS”, PCP e BE ufanam-se da hipotética paternidade da nova Lei de Bases da Saúde, assim como de outras “benesses” para os trabalhadores, mas não da aprovação de 4 Orçamentos de Estado e do agravamento da legislação do Trabalho.

Contudo, a realidade objectiva vai muito para além das verdades virtuais de cada um dos partidos na luta frenética pelo acesso ao pote. Recentemente, relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que Portugal é um dos três países europeus em que a despesa em saúde pública diminuiu entre 2000 e 2017, não deixando de assinalar que as desigualdades em saúde se mantiveram ou agravaram na Europa. As cativações na Saúde são uma realidade iniludível que Costa e o seu Centeno (parece que Rio tem outro) não conseguem esconder, à semelhança da dívida pública cujo montante não tem cessado de crescer, apesar de diminuir em termos percentuais do PIB, tal como os juros que nunca são referidos.

A mesma OMS não se escusa a concluir que a na Europa (o tão incensado farol da civilização e dos direitos humanos) os progressos em matéria de equidade em saúde estão “em ponto morto”, ou seja, nos 53 países da região europeia da organização as desigualdades em saúde permanecem as mesmas ou até se agravaram. Afirma que o leque de políticas que aponta para estimulo do crescimento económico e desenvolvimento sustentável fosse aplicado haveria uma redução de 50% das desigualdades em saúde e representaria um aumento de 0,3% a 4,3% do PIB – mantendo o modelo económico capitalista, saliente-se. Só que em tempo de crise profunda e prolongada do capitalismo, em particular na União Europeia, aquelas medidas acabam por ser inexequíveis.

Há menos dinheiro para a Saúde por diversas razões: por imposição de Bruxelas, há que respeitar as disposições do Pacto Orçamental; por opção abertamente política de favorecer os negócios dos privados degradando os serviços públicos, degradação essa que servirá de pretexto justificativo. Assim se explica que o número de cirurgias tenha aumentado em 2018, atingindo o valor mais alto de sempre, com quase 595.000 doentes operados no SNS, mas um crescimento que se deveu sobretudo ao recurso aos privados e sector social, portanto, na realidade fora do referido SNS – Relatório Anual de Acesso aos Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas relativo a 2018.

Ora, a actividade cirúrgica que é da responsabilidade do SNS reparte-se, pelos vistos, entre hospitais do SNS, que incluem Entidades Públicas Empresarias, Sector Público Administrativo e Parcerias Público-Privadas (responsáveis por 89,0% da produção total), e os hospitais protocolados (5,8%) e hospitais convencionados (5,2%), como todos eles fossem já Serviço Nacional de Saúde. Para o relatório e os órgãos de comunicação social do regime parece que sim. Será importante referir que a Lei de Bases da Saúde abre a porta a toda espécie de parcerias e de acordos com os privados, daí não ter havido qualquer alarido por parte dos negociantes da saúde e do PR ter promulgado a lei sem grandes objecções.

(...)

A Saúde é para a maioria dos portugueses uma prioridade, mas já o não é para o governo, e os números estão aí presentes, bem como tudo o que lhe está relacionado, como ficou demonstrado pelo o que atrás foi dito. Então, esperemos, sentados, pela reivindicação da paternidade por parte do BE e do PCP destes incontornáveis “benefícios”, que são de inteira responsabilidade do governo geringonça, mais preocupado com o défice tendencialmente zero das contas públicas e do pagamento de uma dívida pública, que não pára de crescer (o governo conta que suba só 3,475 mil milhões de euros este ano!). Pagamento que, para o governo e Bruxelas, deve ser assegurado pelo povo português para que este ou outro governo qualquer que venha seguir, beneficiando do crédito, continue na política de endividamento sem fim do qual o povo pouco ou nada beneficia.

não pagamento de um dívida soberana odiosa é um imperativo nacional, sendo a sua suspensão uma medida imediata a ser tomada no dia 7 de Outubro até que se realize uma auditoria pública e independente para se determinar o grau de ilegitimidade e de ilegalidade. O não respeito pelas regras do Pacto Orçamental é outra urgência a fim de se libertar investimento para a Saúde, Educação, Habitação para o povo e Segurança Social. O bem-estar do povo e dos trabalhadores é a prioridade máxima . E esta deve ser o elemento de aferição dos partidos que se apresentam às eleições no próximo dia 6 de Outubro. Se para tal for necessário, como será com certeza, sair da União Europeia (concomitantemente do euro) que se saia, e se o diga abertamente.

Texto completo aqui