quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Erros médicos matam mais em Portugal do que acidentes de viação


«Mas ganhar um processo em tribunal é quase uma missão impossível. Perícias são prova fundamental, mas são normalmente favoráveis aos clínicos

Andreia Jorge Luís

Todos os anos morrem entre 1300 a 2900 pessoas, em Portugal, na sequência de erros médicos, muito mais que de acidentes de viação.

Avançar para tribunal para um processo por negligência médica é uma missão quase impossível e há leis diferentes para o público e para o privado.

Um processo num Tribunal Administrativo pode arrastar-se vinte anos até haver uma sentença final e as vítimas de negligência médica partem em desvantagem: queixam-se de corporativismo da classe médica, uma espécie de pacto de silêncio dos médicos que se encobrem uns aos outros.

As perícias, prova fundamental nestes processos, são normalmente  favoráveis aos clínicos  porque poucos médicos estão dispostos a apontar o dedo aos colegas.

Dos 540 processos abertos pelo ministério público em 2017 e 2018, apenas trinta acabaram com uma acusação. Todos os outros foram arquivados.

Estes processos são complexos e obrigam a conhecimentos médicos que o doente não tem  e o ministério público, que é quem investiga, também não. Sem provas periciais e sem testemunhos da classe médica, os doentes ficam entregues a si próprios e a culpa acaba por morrer solteira.

São os próprios médicos que avaliam os colegas e há casos em que clínicos condenados pela ordem continuam a fazer parte da direcção do colégio da especialidade a que pertencem: quer isto dizer que continuam a assinar pareceres noutros processos de negligência médica mesmo depois de condenados a penas de suspensão.

Quem faz frente aos médicos? Como provar a negligência médica em tribunal?

São muitas as vítimas que se queixam de negligência. (…)

Cláudio perdeu a mulher nove dias depois de ter dado à luz a segunda filha. Francisca nunca vai conhecer a mãe. Dulce tinha uma bebé com mais de quatro quilos, mas os médicos decidiram fazer parto normal.

Paula tinha 36 anos quando foi fazer uma operação para retirar a vesícula. Os médicos nem chegaram a operar. Entrou em paragem cardiorrespiratória e ficou em estado vegetativo. Os danos são irreversíveis.

Susana venceu o cancro, mas depois dos tratamentos ficou sem parte da mama direita. Para reconstruir, os médicos propuseram uma mastectomia total, ou seja, a retirada das duas mamas. Susana não aceitou, mas quando acordou da operação, os clínicos tinham retirado as duas.

Por fim, Alexandra foi mãe pela primeira vez há 21 anos. Mariana nasceu com uma paralisia cerebral nível 3. Processou o hospital por negligência médica. Conseguiu uma condenação, mas está há mais de sete anos à espera da indemnização.

As vítimas sentem-se impotentes e muitas vezes desistem dos processos. A luta é inglória, desigual e a justiça, quando chega, chega tarde demais.»


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Um Governo à beira de um ataque de nervos (greve dos enfermeiros)

por António Garcia Pereira


«Os últimos acontecimentos verificados a propósito da greve dos enfermeiros, da requisição civil decretada pelo Governo e da gigantesca campanha de manipulação levada a cabo pela sua “tropa de elite” de comentadores e opinantes, não devem permitir que deixemos de ver o que é essencial e, sobretudo, que deixemos de reflectir sobre aquilo que está aqui verdadeiramente em causa.
Creio, assim, que se impõe revisitar, ainda que de forma um pouco extensa, uma série de pontos, relevantes e reais, que são precisamente aqueles que o Governo do Sr. Costa e os seus apoiantes precisamente não querem que se discutam e aclarem aos gritos demagógicos de “eu sou pela vida!”, de “não admito greves que ponham em causa a vida e a saúde dos doentes!” e de “eles (os enfermeiros) estão ao serviço de interesses inconfessáveis e querem é destruir o Serviço Nacional de Saúde!”.

1) Reivindicações
Os enfermeiros são uma classe profissional profundamente preocupada, dedicada e empenhada nos cuidados de saúde dos pacientes a seu cargo. E as suas reivindicações são essencialmente quatro, e todas elas inteiramente justas”:
  1. Equiparação de vencimento aos outros técnicos superiores da saúde com habilitações literárias idênticas, como os farmacêuticos, os psicólogos e os nutricionistas (os quais têm vencimentos iniciais de 1.600€ mensais, enquanto os enfermeiros, mesmo que com mestrado ou até doutoramento, têm 1.200€);
  2. a recuperação da carreira (em termos de categorias) destruída há cerca de 10 anos por outra Ministra da Saúde (Ana Jorge) de um outro governo do PS, com o reconhecimento quer de 3 categorias, correspondentes aos diferentes níveis de responsabilidade, quer, também, da respectiva remuneração. O Governo diz que está a fazer isso, mas a verdade é que a grelha que quer aprovar, em termos salariais, representa 0 de valorização salarial já que a diferença entre um enfermeiro e um enfermeiro especialista será de 150,00€, que é exactamente aquilo que desde 2018 e por força da luta, em 2017, dos enfermeiros especialistas, já é pago a estes a título de “suplemento”;
  3. uma carreira justa também em termos de evolução de imediato e de futuro, já que, com a proposta do Governo, os enfermeiros – que, relembre-se, hoje estão praticamente todos (mais de 90%) na base da carreira, recebendo 1.201,48€ brutos mensais, tenham eles 1, 5, 10 ou mais de 20 anos de profissão! – terão 11 níveis de evolução, levando em média 10 anos para subir de nível (o que significa um século para atingir o topo da carreira!?);
  4. a idade da reforma aos 57 anos, devido à elevada carga física com procedimentos técnicos e físicos muito exigentes, à movimentação de pesos muitas vezes superiores ao próprio peso, ao risco de contaminação, à penosidade resultante do excesso de carga de trabalho (há muitos serviços que só funcionam com os enfermeiros a prestarem regularmente horas extraordinárias em cima das horas normais), dos turnos, e da impossibilidade prática de os enfermeiros mais velhos serem dispensados dos turnos e do trabalho nocturno, e enfim à dureza psicológica decorrente do contacto permanente com a dor, o sofrimento e até a morte dos pacientes a seu cargo.
2) No tempo do Passos Coelho os enfermeiros estavam calados?
As reivindicações antes referidas – ao contrário do que se tem ouvido dizer – são um “ponto de partida” negocial e já são antigas, tendo sido sucessivamente apresentadas aos diversos governos, e designadamente ao de Coelho/Portas. Mas foram assumindo cada vez mais premência quer com o agravamento progressivo das condições de trabalho dos enfermeiros nos últimos anos, quer com a sistemática postura dos diversos ministros da Saúde, em particular os últimos (Paulo Macedo, Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido), consistente em fazerem contínuas e públicas declarações de “disponibilidade para o diálogo”, mas depois, e na prática, se recusarem a negociar de forma séria o que quer que fosse. O saco dos enfermeiros foi assim enchendo e enchendo até que, como era inevitável, um dia transbordou de vez. E foi o que agora aconteceu.
Mas se a dignidade e as condições mínimas adequadas ao exercício da profissão de enfermeiro foram assim sendo sucessivamente degradadas ao longo dos últimos 10/15 anos, a verdade é que essa degradação se acentuou de forma muito particular a partir de 2017.
É que Portugal é, segundo os dados da própria OCDE, o país com menor número de enfermeiros por 100.000 habitantes (4,2), quando a média geral é de 9,2. Há, como já referido, inúmeros serviços que apenas conseguem funcionar com um esforço sobre-humano dos enfermeiros, trabalhando as horas dos seus turnos mais uma coisa inconcebível que são as chamadas “horas extraordinárias programadas” (ou seja, horas extra, não para fazer face a situações excepcionais, mas sim como meio “normal” de suprir necessidades, violando assim o próprio conceito legal de horas extraordinárias).
Ora, face a esta situação, o Governo de Costa tem, de forma manipulatória, anunciado que tem contratado mais enfermeiros, mas sem que isso represente afinal mais enfermeiros ao serviço. Como é tal possível? É, infelizmente, bem simples. Por exemplo, até 2017 um determinado serviço funcionava com 15 enfermeiros, sendo 10 dos quadros (e cujos salários constam assim das “remunerações de pessoal”) e 5 contratados através de empresas prestadoras de serviços (e cujos valores entravam pela rubrica, não de salários, mas de “serviços” do Hospital). Com a declaração da inconveniência ou até da ilicitude deste tipo de contratação, esses enfermeiros foram mandados embora, e o Governo contratou então para os quadros (apenas) mais 2. E, assim, a Ministra da Saúde pôde, mais uma vez, intoxicar a opinião pública proclamando que até aumentou em 20% (de 10 para 12) o número de enfermeiros daquele serviço, quando na realidade eles diminuíram de 15 para 12!

3) O “perigo” dos novos sindicatos
A chamada “greve cirúrgica” decretada pelas 2 associações sindicais, o Sindepor e a ASPE, é uma greve que perturba profundamente o Poder. E não só o Governo como também os Sindicatos tradicionais, desde logo porque, não tendo aqueles sindicatos elos de ligação político-partidária, as formas de controle habitualmente usadas pelos partidos da área do Poder (como, por exemplo, o telefonemazinho para o dirigente do sindicato ou da confederação sindical para que trate de acalmar as respectivas bases…) aqui não funcionam. E os novos sindicatos, que já não se satisfazem com uns protestos simbólicos à porta do Ministério ou com umas formas de luta totalmente inócuas (como os abaixo-assinados, as cartas abertas ou até as greves às sextas-feiras de tarde), são perigosos, quer para o Governo, quer para os sindicatos tradicionais, que assim veem as lutas e os trabalhadores nelas empenhados escaparem ao seu controle. E, desesperados, não raras vezes se juntam até à entidade empregadora para atacar e discriminar os outros sindicatos. Não nos esqueçamos de que já vimos este “filme” nas recentes lutas dos professores e dos estivadores (como sucedeu com o STOP e o SEAL a serem atacados e até, no primeiro caso, excluídos das negociações, quer por patrões quer por outras associações sindicais!).
É este autêntico pavor por a luta dos enfermeiros ter escapado ao controle dos ditos sindicatos “tradicionais” que leva não só o Governo do Sr. António Costa ao desespero e ao frenesim no ataque a essa mesma luta, como à complacência, senão à cumplicidade, com esses ataques, e inclusive com a própria requisição civil, por parte dos mesmos sindicatos “tradicionais”.

4) Porque não cede o Governo?
António Costa e o seu Governo são bem sabedores de que têm inúmeros outros trabalhadores a atingirem o ponto de saturação quanto ao espezinhamento dos seus direitos e às contínuas falinhas mansas do diálogo sem qualquer conteúdo real e concreto. Desde os próprios médicos e outros trabalhadores da Saúde até aos diversos profissionais do sector da Justiça, da Administração Interna, das Finanças, etc., para já não falar dos trabalhadores do sector laboral privado que constatam que o Governo não quer mexer uma palha nas mais gravosas medidas da Tróica, como a da facilitação e drástico embaratecimento da contratação precária e dos despedimentos colectivos, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, bem como a da caducidade da contratação colectiva.
E, por isso mesmo, Costa quer a todo o custo destruir esta greve, seja de que forma for, para passar a mensagem aos outros trabalhadores de que “quem se mete com o Governo PS, leva!” (lembram-se desta frase de Jorge Coelho?) e de que nem pensem em fazer greves e/ou recorrer a formas de financiamento colaborativo como forma de combater a arma anti-greve favorita dos patrões que é a asfixia financeira).
O empenho difamatório, persecutório e ameaçador das actuações do Sr. António Costa e do seu governo têm aí a sua razão principal. E todos os trabalhadores do país devem ver hoje nos enfermeiros aquilo que o Governo lhes reserva para amanhã, quando se fartarem em definitivo das tais “falinhas mansas” sem conteúdo e das lutas “folclóricas” e se dispuserem a combater a sério. 
(...)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Apoio e solidariedade para com o Enfermeiro Carlos Ramalho

«Fazemos esta vigília, em primeiro lugar pelo SNS que se encontra gravemente suborçamentado.
Em segundo lugar pela segurança dos doentes que é diretamente afetada pelo ponto anterior.
Factos que nos indignam e que justificam as nossas reivindicações:
1- descongelamento real das carreiras independentemente do vínculo contratual e sem apagão de anos de serviço.
2- Outras carreiras da saúde com o mesmo peso curricular (240 ECTs) auferem 1600 euros no primeiro escalão e os enfermeiros não
3- Desde a alteração da carreira em 2009 que aniquilou a categoria de especialista que todos os enfermeiros permanecem na primeira categoria não existindo nenhum enfermeiro principal em Portugal.
4- Trabalhamos muito mais do que as 35 horas semanais contratualizadas
5- Não existe compensação pela penosidade da profissão nomeadamente pelo trabalho rotativo de turnos.
6- Um enfermeiro não pode reformar-se aos 66 anos de idade devido à carga física, psicológica e emocional que sofre no seu dia a dia.
Concluímos com pesar que nos encontramos pior como classe profissional agora (apesar de o governo afirmar perante a opinião pública que já cedeu em grande medida) do que em 2003. Nessa altura tínhamos uma carreira especial com 5 categorias, incluindo a de especialista (cujo reconhecimento actual o governo afirma ser a sua maior cedência!!!) com melhores índices remuneratórios e com progressões na carreira reais e aplicadas a todos os enfermeiros, ao contrário do que se passa com os descongelamentos actuais como já abordamos.
Estamos portanto em luta por um SNS com futuro, que sirva melhor os seus utentes e por uma carreira digna de Enfermagem que honre o pilar que somos, o pilar do SNS como António Costa em tempos disse.
Pretendemos demonstrar ainda o nosso apoio e solidariedade para com o Enf Carlos Ramalho que iniciou uma Greve de Fome com o objectivo de reatar as negociações com o governo.
Nesse sentido estão programadas vigílias a nível nacional que irão decorrer no Sábado à noite pelas 19:30. LOCAIS ESPECÍFICOS BREVEMENTE.
Vamos estar presentes, demonstrar o nosso apoio e UNIÃO tão necessária nestes e em todos os momentos.
Pela ENFERMAGEM nós não desistimos!
Juntos Somos Mais Fortes
O MnEnf

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Apontou a lua, esperando que só olhassem para o dedo dele

Quem se mete com o PS, leva!


por Santana Castilho

«Nenhuma das muitas greves acontecidas nos últimos tempos suscitou tanta polémica como a dos enfermeiros. Só porque afecta um dos mais importantes direitos dos cidadãos, o direito à saúde? Não creio. Com efeito, a greve dos médicos de 10 e 11 de Maio de 2017 terá adiado mais de oito mil cirurgias e cancelado mais de 180 mil consultas de especialidade e não suscitou discussão sequer parecida. Concedendo que não são únicas, tenho para mim que as causas principais estão aqui: a greve dos enfermeiros irritou como nenhuma outra António Costa; a greve dos enfermeiros foi decretada por dois sindicatos recentes que, por rejeitarem o controlo das organizações monopolistas do sindicalismo e terem estratégias diversas das correntes, acabaram apontados como inorgânicos, apesar de serem tão legítimos, identificados e estruturados como os outros; a greve dos enfermeiros foi rotulada de direita, embora ninguém possa saber como votam os enfermeiros (bastou que a bastonária seja militante do PSD, que a CGTP esteja de fora, que muita gente de esquerda se indigne e outros tantos de direita se regozijem).

Ao anterior acresce a decantada questão do crowdfunding. Sem prejuízo de esperarmos pela cabal clarificação da origem dos donativos (embora a informação que vai sendo conhecida sugira que nada há de reprovável), importa sublinhar que os fundos de greve são legais e bem antigos. E importa referir que não deixa de ser hipócrita ver dirigentes de partidos políticos, que promovem angariações de fundos sem identificação dos doadores e são responsáveis pela inoperacionalidade da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (criada para fiscalizar os financiamentos das campanhas eleitorais), questionarem tão lestamente o crowdfunding dos enfermeiros. Como não deixa de causar perplexidade ver a ASAE, denunciada por negligências grosseiras e graves pela TVI, ser tão diligente a verificar o cumprimento de uma lei … que ainda não está em vigor (sim, o normativo que regulará o crowdfunding, embora pronto há mais de um ano, aguarda regulamentação para entrar em vigor). Este uso de uma polícia criminal para investigar um contencioso político/sindical reconduz-me a tempos antigos, de má memória, ou, no mínimo e para ser generoso, aos tempos mais recentes de “quem se mete com o PS, leva!”

(...)

A crescente denúncia destes factos tem destruído a narrativa da viragem da página da austeridade e começa agora a corroer o tino e a compostura de António Costa. Com efeito, não lhe foi nada favorável acusar de irresponsáveis os sindicatos da UGT
e apelidar de selvagem uma greve com que não concorda, ou usar o lápis azul para promover alterações cirúrgicas no relatório Economic Survey of Portugal, 2019, da OCDE, para adoçar referências à corrupção nascida na vigência de um Governo a que pertenceu.
Há pouco tempo, Costa tinha a maioria absoluta ao alcance. Hoje, começa a haver quem lhe vaticine a repetição do fracasso de 2015, porque aos professores, médicos, funcionários judiciais, juízes, magistrados do Ministério Público, investigadores criminais, guardas prisionais, estivadores e tantos outros, apontou a lua, esperando que só olhassem para o dedo dele.

*Professor do ensino superior

sábado, 16 de fevereiro de 2019

A escalada enfermeiros/Governo



Paulo Guinote
«O que a contestação dos professores não conseguiu levar adiante, para além de uma ou outra iniciativa mais heterodoxa, está a acontecer com os enfermeiros.
O que a contestação dos professores não conseguiu levar adiante, para além de uma ou outra iniciativa mais heterodoxa, está a acontecer com os enfermeiros que, goste-se ou não, estão a levar a sua luta a fundo, ignorando os acordos de cavalheiros de bastidores que sempre acabaram por resolver outras disputas no passado. A exploração até aos limites da via jurídica é apenas um exemplo. Assim como a forma de se financiar uma greve recorreu aos novos mecanismos disponíveis no século XXI, não me parecendo “ilegal” que qualquer cidadão se disponha a apoiar uma causa que considere justa.
Contra isso, mobilizou-se a apatia de uns e a militância de outros. A “Direita” perdeu a capacidade de apelar a qualquer espírito de “maria da fonte”, a menos que estejam em causa subsídios públicos a interesses privados, e a “Esquerda” revelou até que ponto define a sua aprovação política e moral das lutas laborais à conformidade com o seu guião.
É lastimável que o conflito tenha derrapado para uma campanha de maledicência pura e dura, como a que tem sido dirigida aos professores. É embaraçoso ler acusações sem qualquer prova concreta a suportá-las (seja de “mortes” por causa das greves, seja de tenebrosas fontes de “financiamento”, como se tivesse a mínima moralidade nesse aspecto quem não quer que se conheça quem financia as suas festas), ataques a uma classe a partir de um “rosto” seleccionado para a demonizar ou estratégias de instrumentalização do aparelho de Estado (até a ASAE) para combater uma classe profissional só porque não alinha em passeatas e cantorias à porta dos ministérios. Não percebo se acham que os enfermeiros são uma cambada de idiotas instrumentalizados por ocultos interesse na sombra, se o acesso à profissão é apenas permitido a quem seja de “extrema-direita”.
Não são os enfermeiros que estão a degradar o SNS, como não foram os professores a degradar uma Escola Pública que, de excesso de oferta, passou a não ter professores disponíveis, em virtude da campanha desenvolvida para amesquinhar a profissão nos últimos 15 anos.
No meio disto, o Presidente da República tomou partido, afirmando algo sem sentido, ou seja, que as greves só podem ser financiadas por fundos dos sindicatos que as convocam e que não poderão ser apoiadas externamente, o que significa que a “sociedade civil” não pode manifestar o seu apoio a uma dada causa. Ora... em tantos anos de conflito, tirando o aluguer de autocarros e distribuição de panfletos e bandeirinhas em manifestações, nunca assisti a qualquer greve de professores que tenha tido qualquer apoio financeiro dos respectivos sindicatos. Os “fundos de greve” são dinamizados localmente, com sindicalizados ou não a contribuir por igual para uma repartição equitativa, sem olhar a quotas pagas.
Sim, o “sistema” não vai ter quaisquer contemplações com os enfermeiros e a campanha irá tornar-se mais negra e suja porque se percebe que, depois dos professores, é a vez de os enfermeiros serem domesticados. Com aqueles, a colaboração dos sindicatos tem sido preciosa, bastando ver como não é dado apoio a qualquer iniciativa independente para recuperar o tempo de serviço no Parlamento, centro da democracia representativa; com estes, o confronto entrou num nível novo, com as máquinas comunicacionais do Governo e dos parceiros da “geringonça” unidas numa mesma luta para que os enfermeiros “percam o apoio da opinião pública”.
(...)
Texto completo aqui

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Em nome da Verdade (sobre a greve e a requisição civil dos enfermeiros)



António Garcia Pereira
«Antes de entrar na abordagem deste tema da actualidade, devo fazer uma dupla declaração de interesses:
Por um lado, aceitei, com outros Colegas do Escritório, sermos mandatários do Sindepor – Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses nos procedimentos legais relativos à impugnação da requisição civil decretada na passada quinta-feira 6/2, que consideramos ilegítima e ilegal.
Por outro, sou absolutamente avesso a campanhas de manipulação e de engano da opinião pública, bem como a manobras ou operações negras de homicídio de carácter, visando simplesmente a descredibilização pública de alguém de que se não goste ou que se nos oponha.
Dito isto, convirá referir que é hoje bastante difícil discutir a chamada “greve cirúrgica” dos enfermeiros, porquanto a campanha maciça de intoxicação levada a cabo pelo Governo e pelos seus “homens de mão” (agências de comunicação, think tankers, comentadores e fazedores de opinião) tem – jogando com o natural descontentamento dos doentes do Serviço Nacional de Saúde e dos seus familiares e também com os seus mais que legítimos sentimentos de dor, de revolta e de angústia – feito generalizar a convicção de que, sendo o direito à vida e o direito à saúde direitos fundamentais, esta é uma greve que estava e está a pôr em causa tais direitos, e ainda por cima unicamente por egoístas e fúteis interesses materiais e remuneratórios.
Ora, a primeira questão que há que colocar é que esta greve, tal como foi convocada e levada a cabo, nãodeixou os cidadãos necessitados de cuidados de saúde, emergentes ou urgentes, privados desses mesmos cuidados. E que, exactamente por isso mesmo, o Governo não consegue apontar e identificar um só caso concreto em que tal tenha acontecido por virtude – ou seja, como consequência directa e necessária – da greve dos enfermeiros ou do não cumprimento dos serviços mínimos decretados.
Aliás, convém também e desde já notar que é verdade que o Governo tem vindo – para impressionar a opinião pública e até para pressionar o juiz que irá julgar a acção judicial – a anunciar diariamente pretensos números oficiais de milhares de intervenções cirúrgicas (não referindo, aliás, se urgentes ou não) que teriam sido adiadas devido à greve.
Mas o mesmo Governo recusa-se significativamente a esclarecer se essas cirurgias são as que estavam marcadas há um ou dois meses, ou se antes são aquelas (inúmeras) que foram agora, já durante a greve e os serviços mínimos, remarcadas propositadamente para além dos normais programas cirúrgicos e da capacidade de resposta dos Serviços, e que assim já se sabia perfeitamente não poderem ser realizadas. Como não divulga os números comparativos das cirurgias marcadas, das efectivamente realizadas e das adiadas no mesmo período do ano passado (quando não havia greve), impedindo desta forma que se comprove ainda mais facilmente aquilo que se tem estado a passar nalguns Centros Hospitalares, e que é uma manipulação miserável.
Manipulação esta consistente em, nomeadamente, num Hospital onde normalmente e com os recursos humanos habitualmente disponíveis, funcionavam, por exemplo, 4 salas de blocos operatórios e os serviços mínimos foram fixados em 2 dessas salas, a Administração tratar de mandar abrir 8 ou 11 salas e marcar para todas elas intervenções não urgentes nem emergentes que já sabe que não será possível realizar, mas, nalguns casos até se chamando os doentes ao Hospital para depois se lhes dizer: “afinal não vão ser intervencionados devido à greve dos enfermeiros”! Como também sucedeu estarem os enfermeiros disponíveis para trabalhar em intervenções cirúrgicas e estas não serem marcadas para a parte da tarde (como sucede há duas décadas às sextas-feiras, por exemplo, no Hospital de Viseu e voltou a suceder na passada sexta-feira 8/2).
E chegou-se mesmo ao cúmulo de se informarem pacientes de que a sua operação não iria ser realizada “devido à greve dos enfermeiros” em Centros Hospitalares onde pura e simplesmente não houve, nem há, greve dos enfermeiros, como Leiria e Amadora/Sintra.
Estamos, pois, perante uma gigantesca, frenética e inqualificável campanha de manipulação da opinião pública, enganando propositadamente as pessoas com falsidades prévia e propositadamente preparadas e montadas.
Desta forma, ninguém fala nas verdadeiras causas do desastre a que tem sido, pelos sucessivos governos, conduzido o Serviço Nacional de Saúde.
(...)
Texto completo aqui

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Contra a requisição civil dos enfermeiros decretada pelo governo PS/Costa



«A dirigente, deputada e Vice-Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde Almeida Santos, tal como o seu governo, no aludido programa da SIC (Expresso da Meia-Noite – SICN), passou todo o tempo a mentir e a provocar. A mentir sobre o não cumprimento dos serviços mínimos na greve às cirurgias por parte dos enfermeiros, a mentir sobre a pseudo-legalidade da actuação do governo, a mentir querendo negar a campanha negra lavada a cabo por este no seio da opinião pública, tentando virar parte do povo contra os enfermeiros, iludindo a verdadeira responsabilidade pelos problemas do SNS. A provocar os enfermeiros e a quem a desmascarava, ali no debate, como agente pago do governo, ou seja, tendo atitude mais que comprometida na má-fé. Sentada lado a lado com Arménio Carlos – um preocupado com “a radicalização da luta”, o outro com “o apelo à rebelião” – completava o conjunto do controlo/repressão sobre os trabalhadores, o cacete e a cenoura, a ameaça e a manipulação. A senhora Vice-Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde não quis explicar por que, em situações semelhantes àquela que envolve a bastonária dos enfermeiros a dar apoio à luta da classe, o Costa e o governo não tomam a mesma atitude de corte de relações e de procedimento criminal quando se trata do bastonário e da Ordem dos Médicos.
Ficou bem patente que o governo PS é um pau mandado de interesses que são estranhos e contrários ao povo português, no caso, os interesses corporativos dos médicos que não vêem com bons olhos o protagonismo dos enfermeiros e que estes venham a ter salários um pouco próximos dos seus, não iguais como é evidente, embora trabalhem mais, garantam os serviços 24 horas por dia e não sejam os responsáveis pela imaginosa criação das listas de espera para cirurgias e consultas, no tráfico de doente do público para o privado, onde são tratados pelos mesmos médicos do público ou dentro do SNS mas fora das horas de serviço. O Costa ainda não explicou, e senhora deputada muito menos, quando e como vai acabar com as tão nefandas listas de espera e porque ainda não deixou de financiar os empresários dos serviços de saúde privados e nem definiu a sua posição quanto à nova Lei de Bases da Saúde. Não deixou de ser interessante ver a habilidade do administrador hospitalar, presente no programa em causa, em fugir à questão de se pôr os blocos operatórios a funcionar 12 ou 24 horas por dia, o que seria uma óptima maneira de se acabar com as listas de espera; haveria talvez um pequeno problema que é os médicos, grande parte deles pelo menos, não têm o dom da ubiquidade.
E, já agora, seria bom o governo e os sindicatos esclarecessem qual o estatuto dos enfermeiros que ultimamente estão a ser contratos para o SNS, e os que vão entrar brevemente segundo promessas governamentais, se são CIT ou CTFP? Se são CIT, então, é claro e não deixa margem para dúvidas que o governo quer acabar com a carreira especial de enfermagem, assim como outras, com alguma excepção para os denominados “cães de guarda do regime”, como seja, por exemplo, polícias (cuja reforma é aos 60 anos), juízes e diplomatas, e ter toda a gente em contrato individual, uma forma disfarçada de precariedade.
O governo, o Costa e a Almeida Santos preocupam-se muito com a legalidade da greve dos enfermeiros e dos fundos da greve, mas são os primeiros a torpedear as leis, a cometer as maiores ilegalidades quando se trata de atacar os trabalhadores e defender os patrões, sejam eles nacionais ou estrangeiros, e quando se trata do patrão/estado, porque são os seus privilégios de classe política corrupta que estão em causa. Foi com os professores aquando da greve às avaliações no ano passado, foi com os estivadores, cuja greve foi furada por fura greves que foram apoiados pelas forças de segurança e contra o disposto no Código do Trabalho para defender os lucros dos capitalistas alemães e turcos, e, agora, com os enfermeiros... e o que mais virá.
O governo, o Costa e a Almeida Santos preocupam-se mais em recapitalizar os bancos privados falidos, agora são mais 1100 milhões de euros para o Novo Banco, e já foram mais de 3000 milhões, mais do que no governo anterior, sem se importarem das possíveis ilegalidades, assim como o assalto à banco público CGD que, como toda a gente espera, ficará na impunidade. O governo, o Costa e a Almeida Santos nada fizeram e nem pensam fazer em termos práticos para acabar com a corrupção dentro da própria Assembleia da República: com deputados que faltam às sessões mas registam as presenças; que recebem ajudas de custa para deslocações que não fazem e declaram residências fantasmas; que de manhã estão nos escritórios de advogados, onde defendem clientes em litígio com o estado, e da parte da tarde vão para o plenário fazer e aprovar leis para bem defender os seus clientes. O Costa e a Almeida Santos ainda virão gritar Vem aí o fascismo! Mas foram eles que o trouxeram. E os actuais sindicatos serão cúmplices (o governo PS prepara-se para restringir a greve na Função Pública e a CGTP está a dar-lhe uma boa ajuda ao não repudiar a requisição civil – Dec-Lei 637/74 usado pelos governos provisórios, onde o PCP tinha acento, para reprimir as greves em 1974/75 porque punham em perigo a santa aliança Povo[PCP]/MFA!).
Os enfermeiros repudiam a requisição civil e não a devem respeitar. E o povo português, apesar de intoxicado com as fake news do governo, será solidário com a luta dos enfermeiros. Pelos ataques aos trabalhadores, professores, estivadores, enfermeiros...., o governo do Costa deve ser demitido e o PS não merece o voto dos trabalhadores e do povo português. Com este ataque aos enfermeiros, o Costa mostra a sua verdadeira face, anti-popular, lacaio do capital, reaccionário encartado, e o sinal de como será o próximo governo.
Texto completo aqui

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Manifestaçom contra a privatizaçom da saúde pública galega este domingo em Compostela


«Graves carências, iniciativas privatizadoras e agressons laborais justificam a adesom de numerosos coletivos à iniciativa da plataforma SOS Saúde Pública.
A dinámica de conflito no ámbito da saúde pública nom cessa na Galiza, perante a estratégia do governo do PP, que precariza empregos, retira recursos, incrementa a pressom sobre os profissionais e favorece a privatizaçom de mais serviços.
É a conjunçom de numerosas denúncias e mobilizaçons parciais em diversos setores da saúde pública galega que leva a que neste domingo se organize na capital do País umha manifestaçom nacional que tem entre os seus objetivos: o fim dos cortes e do financiamento público, a denúncia da precariedade laboral, incluindo sobrecarga crónica de tarefas e atendimento insuficiente para as pessoas usuárias, o fim dos problemas de acessibilidade a provas diagnósticas... Também se verifica a confluência de diversos conflitos e greves, como o dos PAC, as urgências do CHUS, as recentes demissons das chefias de atendimento primário, as paralisaçons semanais em centros de saúde, o conflito do serviço de ambuláncias...
O pano de fundo é a tendência privatizadora por diferentes vias, entre elas as listas de espera sem fim e o atendimento insuficiente aos pacientes por falta de tempo. Todo vale para incrementar o negócio da saúde no setor privado, ao qual se deve a direita governante na Galiza.
A falta de pessoal e recursos, que já causou mortes em serviços de urgências sem atendimento suficiente, e a dignificaçom do atendimento primário, estám também entre os pontos que dam conteúdo à jornada mobilizadora anunciada para este domingo. Forças sindicais, partidos de esquerda, coletivos profissionais e outros do movimento popular apoiam a convocatória, que parte ao meio-dia da Porta Faxeira.
Entretanto, o PP mantém o seu roteiro precarizador e privatizador graças à maioria absoluta que detém no Parlamento autonómico galego.
Retirado daqui