Quando o governo do PSD/PP destruía o SNS,
parece que o actual dirigente do PSD come muito queijo!
Provocou escândalo e indignação a notícia do
"Diário de Notícias" a respeito de uma doente, de 60 anos, que
descobriu que tinha um cancro em estado grave depois de ter esperado dois anos
por uma colonoscopia, no hospital Amadora-Sintra, e que deveria ter sido feita
logo após o rastreio. Como se esperava, a administração do hospital veio de
imediato manifestar “grande preocupação”, prometeu inquérito, como também é
habitual neste tipo de situação, e cujos resultados são conhecidos à partida,
nenhuns.
As reacções pelos responsáveis políticos e administrativos
foram também imediatas, já que se trata de um assunto sensível à opinião
pública e há que preservar, no mínimo, a imagem: o presidente da Administração
Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo veio perorar sobre o acontecimento e
garantir que os hospitais públicos vão realizar mais cinco mil colonoscopias em
2014 do que em 2013 (“explicou” que foram realizadas 70 mil colonoscopias em
Lisboa, 27 mil das quais em hospitais do SNS); e o ministro da Saúde considerou
a “colonoscopia uma situação preocupante” e comprometeu-se a resolver o
problema da demora das marcações, coisa que já tinha feito há algum tempo; o
PCP pediu a comparência do ministro no Parlamento, obviamente, para se
explicar; a inefável Ordem dos Médicos, pela boca do bastonário, responsabiliza
“os cortes na saúde” pela situação.
Como é, também, de esperar, quando passar a
onda de espuma da indignação politicamente correcta, ninguém falará mais no
caso e tudo ficará igual ao que estava. E porquê? Porque outros valores mais
altos se levantam. E quais são? Os interesses da medicina privada e das
clínicas de imagiologia, onde, numa mais que conhecida e abjecta promiscuidade,
médicos, enfermeiros e técnicos trabalham simultaneamente no público e privado,
alguns dos quais também proprietários, havendo compadrios facilitadores do
negócio a nível das administrações hospitalares. Quando o hospital
Amadora-Sintra marcou a colonoscopia à doente em causa para daí a um ano,
esperava que a doente fosse a correr marcar no privado e pagar do seu bolso não
os 50 euros mais 14 de taxa moderadora, mas cerca de 130 a 140 euros, que é
quanto se cobra no privado, podendo o utente ser reembolsado uma parte passado
algum tempo do seu subsistema de saúde. Mas não foi isso que aconteceu, porque
muitos portugueses nem dinheiro têm para comer.
A situação das colonoscopias é muito
semelhante à das intervenções cirúrgicas, recentemente denunciada por um dos
canais de televisão, um negócio promiscuo, onde se delapida os dinheiros
públicos por esquemas de compadrios e de interesses pouco claros. As
intervenções cirúrgicas não são efectuados nos hospitais do SNS pelos médicos
que aí deviam trabalhar e dar o rendimento que justificasse o salário que,
mesmo sem horas extraordinários, não é assim tão baixo comparado com o salário
médio de um trabalhador, para serem adjudicadas a clínicas privadas, por
concursos viciados ou sem concurso algum, onde vão ser realizadas pelos mesmos
médicos, que as deveriam ter feito e não as fizeram no público, que assim
ganham a dobrar, mais os ganhos das clínicas, ficando ao estado três ou quatro
vezes mais caras.
O estado (que são os governos PS e PSD) é o
único patrão que incentiva e protege os empregados que lhe fazem concorrência
desleal, razão que é mais que sobeja no sector privado para despedimento com
justa causa. É esta promiscuidade entre público e privado, acarinhada, ao cabo
e ao resto, pelo governo, que é responsável pelas longas listas de espera para
exames complementares de diagnóstico e intervenções cirúrgicas, e pela degradação
dos serviços prestados pelo SNS em geral, servindo simultânea e paradoxalmente
como argumentação para a defesa dos negócios privados da saúde (não é por acaso
que só cerca de um terço das colonoscopias são realizadas pelo SNS). Foi esta
promiscuidade entre público e privado que teve o seu início em 1988, com a lei
de gestão hospitalar de governo de Cavaco Silva, e atingiu o auge em governos
do PS que lhe deram continuidade, que conduziu e até justificou a política de
privatização e das PPP’s na Saúde; coisa simples, que o senhor bastonário dos
médicos se esqueceu de referir aquando da sua intervenção televisiva na
tentativa de explicar o “caso da colonoscopia”, porque por detrás do
economicismo encontra-se sempre a questão política e ideológica.
Mas enquanto os médicos se desdobram por três
ou quatro locais de trabalho, possuindo o dom da ubiquidade, os enfermeiros,
tentando imitar os médicos, ganham, muitos deles, uma miséria nessas clínicas
de exploração da carteira do cidadão, coisa que é mais bem cuidada do que
propriamente a saúde de quem lá ocorre. Na Sanfil, em Coimbra, cuja fama
aumentou substancialmente após a reportagem televisiva, os enfermeiros, a maior
parte recém-licenciados, ganham pouco mais de 3 euros à hora, ou seja, pouco
mais de metade do salário de uma empregada de limpeza, sem que os sindicatos da
enfermagem alguma vez se tivessem preocupado grandemente com o problema. Para
além do salário de miséria, são obrigados a realizar tarefas que não são do seu
âmbito, como tarefas administrativas, limpeza e outras. E mais ainda, muitas
vezes não têm hora certa de saída, e quem não estiver satisfeito pode ir embora
porque há uma fila enorme de enfermeiros desempregados à porta a querer
trabalho; o assédio moral é constante, esta é uma denúncia feita frequentemente
por quem lá trabalha, de enfermeiros a auxiliares ou a médicos mais novos. E
mais ainda, a administração da Sanfil proibia, até há pouco tempo, que os
enfermeiros usassem o elevador para prestar cuidados de um andar para o outro
porque ficava mais caro (no turno da noite só há um enfermeiro de serviço para
os quatro andares). A isto se chama um extremamente lucrativo e rentável
negócio, que multiplica por muito os lucros em curto período de tempo, pudera!,
porque assente no compadrio e favorecimento (a responsável da gestão do SIGIC
de Coimbra foi “por coincidência” trabalhar para a Sanfil, não foi “por
coincidência” que o presidente da ARSC não quis dar a cara, e qual o papel da
administração do CHUC em todo este negócio?) e… em trabalho escravo.
Em Portugal morrem anualmente mais de 3800
pessoas devido ao cancro do intestino; esta mortalidade poderia ser reduzida em
16%, ou mais, com a introdução de um programa de rastreio feito no SNS, ou
seja, se se privilegiasse a prevenção primária e não a saúde curativa, só que
esta é que dá dinheiro aos negociantes da saúde (ou da doença) e ao próprio
estado, que tem actuado de molde a introduzir no sector público os mesmo
métodos e filosofia de gestão. Educar para a saúde e prevenir a doença é considerado
por estes governos uma despesa inútil, não querendo saber que a prazo esta
política é a mais frutuosa, porque um povo saudável é sempre mais feliz e até
mais produtivo; o reverso é que seria uma chatice porque deixaria de haver
doentes, e lá se iam os negócios. Mais uma vez se prova que os negócios
privados são feitos à custa dos dinheiros públicos e na base da corrupção de
quem exerce o poder político, ou seja, dos partidos do arco do poder. Maior
notoriedade quando se trata das funções sociais prestadas pelo estado, caindo
por terra o slogan “o privado é melhor gestor que o estado”. Entretanto, reina
a impunidade.
https://movimentoenfermeiros.blogspot.com/2014/01/promiscuidades-e-destruicao-do-sns.html
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