quarta-feira, 6 de maio de 2020

Os negócios da pandemia



O Governo PS está agora a ser bombardeado com acusações de corrupção e tráfico de influências no que respeita à aquisição por ajuste directo dos materiais usados no combate à pandemia do coronavírus, desde máscaras a testes e outro equipamento, com a justificação de “urgência”, de não haver tempo para lançar concursos, sempre morosas pela complexa burocracia. O caso que estará a dar mais que falar é o ajuste directo a empresa do ex-candidato socialista João Cordeiro à Câmara de Cascais (e ex-presidente da Associação Nacional de Farmácias, cargo que manteve durante 32 anos) de uma encomenda no valor de nove milhões e trinta mil euros em máscaras e cujo prazo de entrega é de 268 dias, com o argumento da dita “urgência imperiosa”. Esta empresa, QUILABAN, deve dizer-se, já fez 46 contratos com o Estado no montante de muitos milhões de euros desde o início do estado de emergência.
A ministra da Saúde, confrontada com o escândalo por alguns jornalistas, respondeu que os contratos iriam ser tornados públicos, dando a entender que no caso referente o prazo será para entrega faseada ao longo do tempo e, no geral, a lei foi respeitada. Com transparência ou falta dela, a verdade é que o Governo, à pala da Covid-19, fez contratos por ajuste directo de mais de 100 milhões de euros, segundo a imprensa, e que poderão ir até aos 300 milhões, a pouco mais de meia-dúzia de empresas, o que poderá levar-nos a pensar de quanto serão as comissões e em que empresas os actuais governantes com responsabilidade pelos ajustes directos irão ter emprego depois de saírem do Governo?
Mas não são só os “negócios da China”, mas ao contrário porque estes ficarão bem caros ao erário público e não são nenhumas pechinchas, que têm molestado a credibilidade do Governo e a honorabilidade de alguns dos seus membros, também tem incomodado a contratação dos serviços ao sector privado para reduzir as listas de espera, terrivelmente aumentadas pelo dedicação quase exclusiva do SNS ao combate à doença Covid-19, com a ministra a anunciar o aumento de cheques para cirurgias, ou a continuação de não se querer contratar o número necessário de profissionais para que o SNS não colapse. Um colapso certo e sabido a prazo, sem a agravante de ter de atender milhares de doentes infectados pelo novo coronavírus, cujo número irá aumentar até ao fim do ano.
Quanto à questão da acusação da Ordem dos Médicos de que estes profissionais são em número insuficiente parece difícil de refutar: “Sem descanso, médicos consideram contratação em tempo de pandemia insuficiente”. E a razão é óbvia: há médicos sem conseguir tirar folgas ou férias porque foram contratados só mais cem especialistas, entre os 2300 profissionais de saúde contratados durante o período da pandemia. Daí a necessidade de reforçar o número de médicos, atendendo à necessidade acrescida de que agora haverá mais cirurgias, consultas e exames complementares de diagnóstico a realizar.
Se os médicos são insuficientes, o que dizer de enfermeiros e de outros técnicos de saúde? Dos 2300 profissionais já referidos, 750 são enfermeiros e 1100 são assistentes operacionais (mais 150 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e 150 assistentes técnicos), números insuficientes para colmatar as faltas em tempo normal de actividade do SNS, tal foi a razia feita pelos governos do PSD e também do PS, pelas suas políticas economicistas, respeitadoras das imposições da troika e mais tarde de Bruxelas, quanto mais em tempo de emergência sanitária! Não esquecer que os assistentes operacionais são profissionais tão imprescindíveis como os restantes e que são os mais miseravelmente pagos, 650 euros!
Os sindicatos e Ordem dos Enfermeiros falam na necessidade de contratação de mais enfermeiros, alertando que muitos enfermeiros estão inclusivamente a abandonar a profissão devido às condições miseráveis oferecidas pelo Governo, desde salários a 6,42 euros/hora à ausência de uma carreira digna e abrangente a todos os enfermeiros. A continuação dos CIT's é completamente inadmissível e uma vergonha para os sindicatos que continuam a pactuar. E esta realidade torna-se ainda mais confrangedora considerando que a maioria dos enfermeiros está neste momento completamente extenuada, algo desmotivada e à espera que o Governo reconheça de facto a importância da sua função.
O estado de emergência teve como objectivo não proteger a saúde pública, como anunciaram, mas permitir, através da suspensão das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, alterar os planos de férias, deslocar de serviço os trabalhadores, suspendê-los do trabalho, para além da consequência inevitável, apesar de dizerem o contrário, do aumento do desemprego e da precariedade. Se a intenção era defender a saúde dos portugueses, então não se tinha deixado chegar o SNS ao ponto de descalabro a que chegou, e não se permitia os negócios que agora têm crescido ao abrigo do combate do à pandemia, e tinha-se destinado esses muitos milhões à contratação de profissionais de saúde e de material a tempo e a horas, até para evitar as consequências nefastas da especulação de preços, e activando e reconvertendo as unidades fabris que ainda se encontram nas mãos do Estado, como seja o Laboratório Militar e as Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento do Exército.
Só que a política do Governo é a de continuar a retirar rendimentos aos trabalhadores, pelos meios mais díspares, para os entregar aos grandes empresários e grupos económicos, uma repetição do que se fez em relação aos bancos, em 2008-2014, mas agora estendido a um maior número de empresas que quando têm lucros, mentem-nos aos bolsos, e quando há prejuízos, endossam-nos ao povo contribuinte. É o socialismo ao contrário, o velho timbre do Partido Socialista e de que tanto gosta, por exemplo, o SEP e outros que têm andado com os governos PS ao colo.

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