"A
PGR confirma a abertura de investigação ao caso da certificação e
venda de três milhões de máscaras de proteção individual
compradas pelo Ministério da Saúde à empresa Quilaban (de João
Cordeiro) no âmbito de um contrato por ajuste direto, no valor de
cerca de 8,5 milhões de euros, assinado em 07 de abril, durante o
estado de emergência devido à pandemia." (da imprensa). E imagem no facebook
Ou como o Serviço Nacional de Saúde em Espanha, à semelhança do que se passa em Portugal, é parasitado pelo sector privado do negócio da saúde:
por Ángeles
Maestro
«Efectivamente, a degradação do sistema de saúde tem uma longa história que não resultou só do descuido dos governos mas, muito pelo contrário, de decisões políticas activas e de longo alcance destinadas a enfraquecer a saúde pública e cuja importância foi sistematicamente ocultada.
Para
poder entender esse processo é importante esclarecer alguns
conceitos. A saúde pública e a saúde privada não são
compartimentos estanques, e muito menos complementares. Na realidade
estão tão intimamente relacionados que são um binómio
inseparável. A relação entre ambas é muito semelhante à que se
estabelece entre hospedeiro e parasita, certamente fundamental no
estudo das doenças infecciosas.
O
parasitismo, recordando a biologia, é um tipo de simbiose em que o
parasita depende do hospedeiro e vive dele depauperando-o, sem chegar
a matá-lo. O parasita obtém benefícios e o hospedeiro danos.
Ectoparasitas:
as seguradoras privadas e os contratos
A
evidente analogia para quem analise o assunto com critério
independente, ou seja, que não tenha interesses vinculados ao
capital privado, tornou-se um axioma, inclusivamente para o PSOE dos
últimos anos do franquismo. Por exemplo, no seu programa político
afirmava-se que era impossível desenvolver uma saúde pública de
qualidade sem nacionalizar a indústria farmacêutica.
Poucos
anos depois, em 1982, após a vitória do PSOE por maioria absoluta,
essa afirmação ver-se-ia confirmada exactamente ao contrário. O
dirigente mais destacado do PSOE em questões de saúde, Ciriaco de
Vicente, um homem qualificado e com abordagens de esquerda, não foi
nomeado ministro como era esperado. A poderosa indústria
farmacêutica fez saber a Felipe González que não confiava em De
Vicente. Em seu lugar foi nomeado Ministro da Saúde Ernest Lluch, um
homem muito próximo da Farmaindustria, a associação empresarial da
indústria farmacêutica estabelecida em Espanha.
Nessas
condições, não surpreende que a Lei Geral de Saúde tenha
eliminado artigos muito importantes que apareciam nos primeiros
rascunhos, como a submissão do Medicamento ao planeamento geral do
Sistema Nacional de Saúde ou a proibição expressa de acordos com
entidades privadas.
Actualmente,
quase 12% da despesa estatal em saúde pública vai para acordos, uma
proporção em constante crescimento e muito maior em comunidades
autónomas como Catalunha e Madrid.
O
aumento exponencial da contratação de saúde pública com empresas
privadas desenvolveu-se em sentido contrário do investimento e do
desenvolvimento de serviços públicos. Com o argumento de reduzir as
listas de espera foi acordada massivamente a realização de
intervenções cirúrgicas de média ou baixa complexidade, muito
rentáveis, em clínicas privadas que, em muitas ocasiões, estão
muito abaixo dos padrões de qualidade exigíveis e às quais é
permitido seleccionar pacientes. É evidente que para a saúde pública
ficam todas as intervenções dispendiosas e as pessoas com
patologias múltiplas ou de idade avançada.
As
enormes listas de espera - especialmente a espera pelo diagnóstico -
como expressão da degradação da saúde pública produziram outra
consequência enormemente lucrativa: a escalada meteórica das
apólices de seguro privadas. Os números de 2019 eram os mais
elevados da história: 10 milhões de pessoas. O maior escândalo é
o grande número de instituições públicas que pagam, com dinheiro
público, apólices privadas aos seus membros e parentes. A
aplicação desde 2016 de deduções fiscais significativas aplicáveis a trabalhadores e empresas independentes e
actualmente em vigor contribuiu significativamente para isso. É a
raposa guardando as galinhas.
Voltando
ao símile biológico, as empresas seguradoras privadas, cuja boa
saúde depende da deterioração da saúde pública com o apoio
inestimável - ou não - de decisões de várias cores políticas,
seriam ectoparasitas (como os carrapatos ou os piolhos). Estes
ectoparasitas desenvolvem-se no exterior do hospedeiro, a saúde
pública, tal como as empresas que prestam serviços de saúde com as
suas próprias instalações e recursos, embora já tenhamos visto a
importante quinta coluna com que contam no interior no caso que nos
ocupa.
E em
saúde não se trata fundamentalmente de que o dinheiro público,
saído dos nossos bolsos, vá enriquecer uns quantos, mas sim de que
esse suculento negócio se faz à custa de vidas, de mortes
prematuras e perfeitamente evitáveis. Nesse sentido, não se pode
esquecer a dramática situação vivida em hospitais públicos
obrigados a não atender pacientes com mais de 70 anos devido à
falta de recursos, enquanto os serviços de saúde privados exibiam
instalações de cuidados intensivos disponíveis… a preços de
mercado. Nem o governo do estado, nem qualquer governo autónomo
levantou um dedo para intervir em todos os recursos necessários,
apesar de o primeiro Decreto de Estado de Alarme prever essa
possibilidade.
Como
bons parasitas, aproveitam da fraqueza do oponente. Em todos os meios
de comunicação testemunhamos o escárnio de uma intensificação da
publicidade de seguradoras (Sanitas, Adeslas, DKV, etc.) que oferecem
atendimento a idosos doentes das classes sociais que podem arcar com
essa despesa.
Endoparasitas:
gestão privada com financiamento público.
A
história dos endoparasitas, da penetração do capital privado na
saúde pública é mais complexa. É uma guerra de trincheiras. É a
consequência da crise geral do capitalismo que vê seus lucros
caírem em sectores produtivos e se refugia no paraíso dourado dos
serviços públicos.
O
caminho da privatização começou nos anos 90, com a
eufemisticamente denominada externalização de partes essenciais de
um hospital como é o caso dos serviços de limpeza, lavandaria,
cozinha ou segurança, e não cessou de se expandir a laboratórios, radio-diagnóstico, cuidadores, etc.
O tiro
de partida para a entrada maciça de capital privado nos cuidados de
saúde foi dado pela aprovação no Congresso dos Deputados da Lei
15/97 de novas formas de gestão, que contou com os votos do PP
(governando em minoria), do PSOE, PNV, CiU e Coligação Canária.
Pode imaginar-se maior consenso político? Pois ainda houve mais. No
dia seguinte à votação, a Federação da Saúde de C.C.O.O.
expressou a sua satisfação por um acordo tão amplo em torno de uma
Lei fundamental para “modernizar” a saúde pública.
Pode o
capital sonhar com algo melhor do que contar financiamento público,
ter a clientela assegurada, poder impor condições de precariedade
laboral, fazer depender os recursos oferecidos da obtenção de
benefícios e da selecção de pacientes rentáveis?
A esse
privilégio escandaloso, que supunha multiplicar por seis o
investimento realizado durante o período de concessão,
apresentaram-se as construtoras arruinadas após o estouro da bolha
imobiliária, na grande maioria ligadas à rede Gurtel,
multinacionais da saúde privada e fundos de capital de risco.
Os
dados acumulados que apresento abaixo explicam o horror experimentado
nos hospitais durante essa epidemia. Na saúde pública de Madrid tem
havido desde 2008 uma diminuição brutal de pessoal, acelerada com a
criação de onze novos hospitais de gestão privada e financiamento
público. Perderam-se mais de 7.000 trabalhadores, incluindo 3.000
enfermeiros com diploma de bacharel ou licenciatura, e permanecem
fechadas cerca de 3.000 camas.
A
análise deste processo, complexo, mas que é indispensável
conhecer, vai além dos objectivos deste artigo e já foi realizada, embora essa análise rigorosa não tenha transcendido para os
grandes meios de comunicação. Este silêncio não é surpreendente
se considerarmos que esta informação desmascara interesses
políticos e empresariais que, por sua vez, contribuem decisivamente
para o financiamento dessas mesmas empresas de comunicação.
(...)
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