quinta-feira, 14 de maio de 2020

Nem o vírus ataca toda a gente de igual modo nem estamos todos no mesmo barco



Banksy's Game Changer celebrates Britain's brave NHS health workers, who are at the forefront of the COVID-19 pandemic

Toda a imprensa de referência, desde que se iniciou o surto da doença Covid-19, não tem feito outra coisa senão dizer que “o coronavírus ataca todas as pessoas de igual modo” e que “estamos todos no mesmo barco”, razão pela qual devemos estar todos juntos em estreita “união nacional”; ora, os factos têm estado a demonstrar exactamente o contrário: nem toda a gente é atingida da mesma forma, como os meios ao dispor para lhe fazer frente à pandemia são diferentes conforme o estatuto social e económico de cada um.

É este sentido de desigualdade que os autores do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública sublinham: «os concelhos com maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento são aqueles que têm maior número acumulado de casos de Covid-19 e a doença não se apresenta como uma ameaça igual para todos».

E mais: «uma em cada quatro das pessoas que ganham menos de 650 euros mensais diz ter perdido totalmente o rendimento, enquanto no conjunto dos que ganham mais 2500 euros isso aconteceu apenas em 6% dos casos»; ou seja, os cidadãos com mais rendimento perdem em média quatro vezes menos rendimento. Exactamente o oposto ao afirmado no último Boletim do Banco de Portugal, que dizia que «a pandemia tem um impacto maior nas famílias com rendimentos do trabalho mais elevados».

Em relação à saúde: «o fenómeno das desigualdades pode exacerbar as vulnerabilidades previamente existentes, ou seja, as consequências podem revelar-se mais negativas para pessoas em situação à partida mais precária», avisam peritos que assinam o estudo.

Afinal, a pandemia não trata todos por igual: «já se sabe que a saúde piora a cada degrau que se desce na hierarquia social», que «as condições sócio-económicas podem ter uma influência significativa no risco de infecção, mas o mesmo pode acontecer no diagnóstico, no tratamento e até na sobrevivência». E na sua prevenção, já que «uma em cada duas pessoas que ganham menos de 650 euros tem dificuldades em comprar máscaras».

A precariedade no trabalho, a remuneração baixa e a dificuldade de acesso a apoios sociais podem «impedir que as pessoas se resguardem mais nas suas habitações para se protegerem do vírus», e nem todos os trabalhadores podem estar em teletrabalho, sendo assim factores acrescidos de risco. Este também aumenta quando as condições de vida são piores, quando as «pessoas vivem em bairros onde existe uma maior densidade populacional e utilizam transportes públicos mais lotados».

Como são factores de risco trabalhar em fábricas sem condições e com patrões esclavagistas, a exemplo dos trabalhadores que andaram infectados durante mais de quinze dias em fábrica da Azambuja. Factos estes que pouco ou nada preocupam os que se indignaram com a manifestação na rua do 1º de Maio (diga-se de passagem, organizada timidamente pela CGTP), e que, à pala da indignação por algumas medidas do PS e da situação de abandono dos trabalhadores, tentam pescar nas águas turvas do populismo. E não são só o CDS e o Chega, opinadores encartados, exemplo Miguel de Sousa Tavares, não perdem oportunidade de atacar os trabalhadores e pedir mais cerceamento das liberdades e direitos do cidadão.

A intenção das nossas elites, tendo o governo do PS como agente executivo (tal como as grandes empresas), é, aproveitando a pandemia, a de impor medidas de mais austeridade e, se for necessário, aumentar a repressão sobre os trabalhadores (estamos bem lembrados da requisição civil dos enfermeiros de há um ano), não satisfazendo as suas mais que justas reivindicações, desde um salário digno a uma carreira profissional de futuro.

O desemprego e a precariedade aumentaram em pouco mais de mês e meio (tempo de estado de emergência): mais 75 mil pessoas nos centros de emprego em Abril, comparado com igual mês de 2019, e redução dos salários de um milhão e trezentos mil trabalhadores em regime de lay-off. Entretanto as organizações patronais, com destaque para a CIP, exigem ao Governo 20 mil milhões de euros em fundo perdido e em linhas de crédito pelas quais o Estado deverá ser o fiador, e mais recentemente o prolongamento do regime de lay-off por tempo indeterminado. Se isso acontecer, será dívida pública a nível astronómico (agora, já é impagável!) e menos investimento no SNS e em outras áreas sociais. Na prática: os ricos ficam mais ricos e os trabalhadores ficam duplamente mais pobres.

Não, não somos todos iguais nem estamos no mesmo barco, como alguém já disse: «Estamos no mesmo mar, uns em iates de luxo, nós outros na água a tentar nadar!»

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