sábado, 23 de maio de 2020

Não é com palmas que os enfermeiros se governam


"Soldado da Saúde" - Moro
Há neste momento 3317 profissionais de saúde infectados e os enfermeiros são os mais afectados, ou seja, 1088. São os mais infectados e os mais afectados em termos salariais, como agora e mais uma vez ficou demonstrado: vários enfermeiros, entre os quais um casal a trabalhar no CHUC, viram o vencimento deste mês cortado a 100%, receberam somente as horas suplementares efectuadas há alguns meses, ou fortemente cortado, por terem ficado doentes pela Covid-19. As queixas que chegaram à Ordem dos Enfermeiros são mais que muitas, provenientes principalmente do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (está sempre na linha da frente!), do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, do Hospital de Bragança e do Centro Hospitalar Universitário do Porto.

Como bem refere a Ordem dos Enfermeiros, os enfermeiros não pagam as despesas pessoais ou familiares com “palmas”, precisam de dinheiro para viver. Ficar sem o vencimento ou vê-lo fortemente cortado é terrível, e ainda por cima um vencimento já de si minguado graças à actual carreira que nada beneficiou a classe em termos remuneratórios, nem de actualização e progressão; uma carreira que de “nova” só tem o nome, uma carreira para a estagnação, cortando qualquer perspectiva de futuro.

E se o futuro é a negação, o presente já se mostra bem negro, com os enfermeiros em contrato individual de trabalho (CIT), à semelhança dos outros trabalhadores da Saúde em mesma situação, a serem prejudicados pelo simples facto de não estarem em contrato de trabalho em funções públicas (CTFP), recebem cerca de menos 20%, com horário de 35 horas, e quando estão doentes recebem 70% e pagos pela Segurança Social: na enfermagem há profissionais de primeira, apesar de fraca, e de segunda. No caso e ao que parece, aquelas instituições ainda não tinham enviado os certificados de incapacidade temporária para o trabalho para a Segurança Social. Por aqui se avalia o desprezo com que as administrações, constituídas na sua maioria por comissários políticos do PS, tratam os trabalhadores.

A situação dos trabalhadores do Estado com CIT é de dupla exploração: no cômputo, ganham menos, possuem menos regalias, por exemplo, os enfermeiros que trabalham em serviços de psiquiatria ou de oncologia não beneficiam de mais 5 dias de férias por ano nem a redução de uma hora de trabalho semanal por cada três anos de serviços, como acontece com os colegas em CFTP. E, mais grave ainda, estão fora da carreira e sem verem os anos de serviço a contar para a progressão. Perante tão dramática situação, os sindicatos, com especial destaque para o SEP, que ainda anda com o governo do PS ao colo, nada ou pouco têm feito na prática, para além de pedinchar reuniões com a ministra, agora tão atarefada a dizer mentiras em doses diárias televisivas.

Como também refere a OE (embora possua alguma quota-parte de responsabilidade na situação criada pela actual carreira, porque foi feita à medida dos seus interesses e de acordo com os gostos dos chefes, a única categoria beneficiada, e agora pomposamente denominados “gestores”, alguns deles mal sabem redigir um texto em português inteligível), fácil se torna ao Governo assegurar estes vencimentos a 100%, pelo baixo significado em termos financeiros e, dizemos nós, seria uma prova, embora insignificante, de reconhecimento do esforço acrescido despendido pelos enfermeiros que estiveram, e ainda estão, na primeira linha de combate.

Não é despiciendo lembrar que, segundo o último inquérito realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública na Universidade Nova, “Saúde Ocupacional do Barómetro Covid-19”, 72% dos profissionais de Saúde dizem estar cansados, em níveis médios e altos de exaustão (Burnout), representando um aumento de 10% em relação à semana anterior; e desses, 58% aproximam-se de “uma situação de esgotamento” e 42% referem também que dormem menos de seis horas. Ora, nem será preciso dizer, como aponta o coordenador do estudo, que “não é possível um bom combate à Covid-19 sem bons, saudáveis e seguros combatentes”. E, acrescentamos nós, sem um correspondente digno vencimento, pago a tempo e a horas.

Ah!, a administração do CHUC, que sempre se pautou por pagar mal e porcamente aos enfermeiros, com dívida crónica de milhares de horas, que têm sido pagas a conta gotas (por imposição dos próprios enfermeiros e não por obra dos sindicatos) e nem sempre como trabalho suplementar/extraordinário, usando por vezes um critério dúplice, afirmou, e depois de ser questionada pela Ordem, que “procederá ao devido acerto das verbas em causa durante a próxima semana”. A ver vamos, como diz o cego.

Esta administração costuma mentir com todos os dentes, quando fala, porque muitas das vezes ou cala-se e faz de conta que nada é com ela ou faz “desaparecer” os requerimentos de algum funcionário a solicitar acerto de contas. E uma das mentiras mais recentes, fazendo coro com a ministra, é a de que são feitos testes de despiste a todos os funcionários que tiveram contacto directo com doentes de Covid-19, o que é uma rematada mentira; assim como afirmar que não há falta de material de protecção (EPI) e outro. E já agora também gostaríamos de saber o que é feito de donativos, nomeadamente alimentos e bebidas, que são entregues por particulares para os profissionais que estão na primeira linha da frente? A pergunta também é dirigida a alguns enfermeiros “gestores”.

A propósito, o Sindicato dos Enfermeiros - SE (o SEP mantém-se calado, tal como a administração do CHUC, parece haver alguma afinidade entre ambos) irá entregar uma reclamação contra o Estado português à Organização Internacional do Trabalho (OIT) “por violação de normas relativamente à actuação na pandemia causada pela Covid-19”. Concretamente, “estão em causa horários de trabalho (incumprimento da legislação específica da Carreira Especial de Enfermagem e dos IRCT - Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho), o não pagamento de trabalho suplementar (após as 35 horas semanais) e o não pagamento do Regime de Prevenção e disponibilidade permanente previstos na legislação”.

Em vez de palmas e de mentiras, os enfermeiros, e todos os profissionais de saúde, precisam é que o Governo do senhor Costa lhes pague o que lhes é devido e reconheça na prática o seu extraordinário trabalho, e não continue a destruir o SNS (se não fosse o serviço público de saúde teria havido uma catástrofe) como pretende com o regresso das malfadadas Parcerias Público Privadas.

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