sexta-feira, 22 de maio de 2020

A tempestade perfeita da Laboravid-20


"A transferência" - Vasco Gargalo (revista Sábado)
por António Garcia Pereira

«Aos poucos, e com a dificuldade imposta pela “nova ordem” do unanimismo e da pretensa “responsabilidade social” da imprensa, vamos compreendendo para que verdadeiramente serviu o decretamento do estado de emergência sob o pretexto do combate à pandemia da COVID-19.
Na verdade, serviu, acima e antes de tudo, para suspender direitos fundamentais dos cidadãos com um significado muito claro: o direito laboral à greve e o direito cívico e político de resistência contra qualquer agressão ilegítima, designadamente por parte das autoridades policiais.
Mas serviu também para impôr, a todos nós e por toda a parte, uma sinistra e dupla lógica. Por um lado, a lógica de que, à pala da emergência e sob o pretexto do combate sanitário, tudo é afinal  possível e tudo está justificado, por mais injusto e brutal que se mostre; por outro, a lógica do medo, tendente a, com uma informação em contínuo sobre os aterrorizadores números e imagens dos infectados, dos internados e sobretudo dos mortos, paralisar por completo os cidadãos, tornando-os amorfos, passivos e desencorajados de criticarem e combaterem aquilo que porventura ainda são capazes de achar que está errado.
E, claro, numa sequência lógica de tudo isto, a experimentação dos mecanismos de monitorização e controle, inclusive policial, de todos os movimentos sociais, com os políticos e sindicais à cabeça.
Por seu turno, a Comunicação Social, praticamente toda, e muito em particular o sector das televisões, transformou-se num misto de uma mórbida e asfixiante avalanche dita de informação e de contínua pregação, designadamente por toda uma corte de comentadores e ditos especialistas, do pensamento dominante.
Sob o extraordinário e salazarento argumento de que “enquanto os incêndios não se apagam não é hora de questionar os bombeiros”, foram sumariamente varridos dos écrans vários dos programas de investigação jornalística (aquela que poderia incomodar o Poder), bem como todo e qualquer ponto de vista crítico da actuação das autoridades e dirigentes políticos. É a justificação para a censura de tudo o que é incómodo para o Poder e para os poderes instituídos, já vista e revista antes do 25 de Abril, nomeadamente aquando das trágicas cheias de Novembro de 1967, de que a Comunicação Social não deve alarmar as pessoas (embora seja precisamente isso que se faz…) mas antes fazê-las tranquilizar-se e confiar. Tudo isto, enquanto, em nome da tal “responsabilidade social” dos jornalistas, se multiplicam diariamente as aparições televisivas, os discursos, as entrevistas e até as reportagens de rua para repetir até à exaustão o que governantes têm para nos enfiar pela cabeça dentro, sempre sem que uma única questão incómoda e directa lhes seja colocada. Governantes esses que, entretanto, e obviamente de forma desinteressada, decidiram dar 11,25 milhões de euros de “apoio” aos “órgãos de Comunicação Social” nacional, a título de pagamento antecipado de publicidade institucional. Quem disse que há almoços grátis?
Entretanto, as polícias aproveitam para treinar as operações STOP, as buscas e revistas e os interrogatórios completamente fora do quadro legal vigente, mas, claro, sempre em nome do combate à pandemia e do cumprimento das ordens dos “chefes”. Como se exercitaram em tão desproporcionadas quanto ridículas “operações musculadas” para dispersar quem parara na rua para ouvir uma exibição musical provinda de uma qualquer varanda vizinha. Obtiveram-se dados pessoais de cidadãos que não se sabe para onde foram e tratados e utilizados por quem e para quê. E os “falcões” das práticas securitárias não perderam tempo a defender medidas como a da obrigatoriedade de aplicações de telemóveis que permitem a localização em tempo real não apenas do cidadão portador daquele aparelho em concreto mas também de todos aqueles que com ele contactaram.
Em suma, tratou-se de treinar e “olear” tudo aquilo que, não se confessando desde já, se pretende fazer quando rebentar a “tempestade perfeita” daquilo que designo de LABORAVID-20, ou seja, da pandemia do desastre social e laboral que está a formar-se e começa a estar já à vista.
(...)

Sem comentários: