"A transferência" - Vasco Gargalo (revista Sábado)
por António
Garcia Pereira
«Aos
poucos, e com a dificuldade imposta pela “nova ordem” do
unanimismo e da pretensa “responsabilidade social” da imprensa,
vamos compreendendo para que verdadeiramente serviu o decretamento do
estado de emergência sob o pretexto do combate à pandemia da
COVID-19.
Na
verdade, serviu, acima e antes de tudo, para suspender direitos
fundamentais dos cidadãos com um significado muito claro: o direito
laboral à greve e o direito cívico e político de resistência
contra qualquer agressão ilegítima, designadamente por parte das
autoridades policiais.
Mas
serviu também para impôr, a todos nós e por toda a parte, uma
sinistra e dupla lógica. Por um lado, a lógica de que, à pala da
emergência e sob o pretexto do combate sanitário, tudo é
afinal possível e tudo está justificado, por mais
injusto e brutal que se mostre; por outro, a lógica do medo,
tendente a, com uma informação em contínuo sobre os
aterrorizadores números e imagens dos infectados, dos internados e
sobretudo dos mortos, paralisar por completo os cidadãos,
tornando-os amorfos, passivos e desencorajados de criticarem e
combaterem aquilo que porventura ainda são capazes de achar que está
errado.
E,
claro, numa sequência lógica de tudo isto, a experimentação dos
mecanismos de monitorização e controle, inclusive policial, de
todos os movimentos sociais, com os políticos e sindicais à cabeça.
Por
seu turno, a Comunicação Social, praticamente toda, e muito em
particular o sector das televisões, transformou-se num misto de uma
mórbida e asfixiante avalanche dita de informação e de contínua
pregação, designadamente por toda uma corte de comentadores e ditos
especialistas, do pensamento dominante.
Sob
o extraordinário e salazarento argumento de que “enquanto os
incêndios não se apagam não é hora de questionar os bombeiros”,
foram sumariamente varridos dos écrans vários dos programas de
investigação jornalística (aquela que poderia incomodar o Poder),
bem como todo e qualquer ponto de vista crítico da actuação das
autoridades e dirigentes políticos. É a justificação para a
censura de tudo o que é incómodo para o Poder e para os poderes
instituídos, já vista e revista antes do 25 de Abril, nomeadamente
aquando das trágicas cheias de Novembro de 1967, de que a
Comunicação Social não deve alarmar as pessoas (embora seja
precisamente isso que se faz…) mas antes fazê-las tranquilizar-se
e confiar. Tudo isto, enquanto, em nome da tal “responsabilidade
social” dos jornalistas, se multiplicam diariamente as aparições
televisivas, os discursos, as entrevistas e até as reportagens de
rua para repetir até à exaustão o que governantes têm para nos
enfiar pela cabeça dentro, sempre sem que uma única questão
incómoda e directa lhes seja colocada. Governantes esses que,
entretanto, e obviamente de forma desinteressada, decidiram dar 11,25
milhões de euros de “apoio” aos “órgãos de Comunicação
Social” nacional, a título de pagamento antecipado de publicidade
institucional. Quem disse que há almoços grátis?
Entretanto,
as polícias aproveitam para treinar as operações STOP, as buscas e
revistas e os interrogatórios completamente fora do quadro legal
vigente, mas, claro, sempre em nome do combate à pandemia e do
cumprimento das ordens dos “chefes”. Como se exercitaram em tão
desproporcionadas quanto ridículas “operações musculadas” para
dispersar quem parara na rua para ouvir uma exibição musical
provinda de uma qualquer varanda vizinha. Obtiveram-se dados pessoais
de cidadãos que não se sabe para onde foram e tratados e utilizados
por quem e para quê. E os “falcões” das práticas securitárias
não perderam tempo a defender medidas como a da obrigatoriedade de
aplicações de telemóveis que permitem a localização em tempo
real não apenas do cidadão portador daquele aparelho em concreto
mas também de todos aqueles que com ele contactaram.
Em
suma, tratou-se de treinar e “olear” tudo aquilo que, não se
confessando desde já, se pretende fazer quando rebentar a
“tempestade perfeita” daquilo que designo de LABORAVID-20, ou
seja, da pandemia do desastre social e laboral que está a formar-se
e começa a estar já à vista.
(...)
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