sexta-feira, 24 de abril de 2020

Silêncios cúmplices em tempo de pandemia


por A. Garcia Pereira

«Há várias questões com que, enquanto cidadãos activos e conscientes, nos deveríamos preocupar e que deveriam estar a ser debatidas amplamente, como se espera que suceda numa sociedade que se diz democrática. A verdade, porém, é que, e por formas bem mais sofisticadas e subtis do que os métodos do velho “lápis azul” da censura, não o estão a ser. E, todavia, elas estão lá, não desaparecem e antes influenciam, perturbam e até ameaçam as nossas vidas muito mais do que poderíamos pensar.
Vejamos:
Uma governante como a Ministra da Saúde, que até hoje foi incapaz de dirigir uma só palavra de afecto e de amparo aos profissionais do sector da Saúde, em particular aos infectados na linha da frente do combate à COVID-19, e que é a responsável máxima por um alegado erro informático que impede o pagamento este mês do (miserável) aumento dos salários desses mesmos profissionais enquanto todos os outros recebem, não deveria ser imediatamente demitida? Na verdade, se um profissional de Saúde, nesta ou em qualquer outra situação, por negligência ou incompetência, for autor de uma acção ou de uma omissão de que resultem para outrem, designadamente para um paciente, danos materiais e/ou morais, não está sujeito a responsabilidade disciplinar, cível e até criminal? Então, por que é que a Drª Marta Temido pode escapar incólume após mais esta sua ignomínia?
É ou não verdade que, ao longo do mês de Fevereiro, a OMS fez vários apelos (pelo menos quatro) para que os Estados tratassem de assegurar equipamentos de protecção suficientes, sobretudo para os profissionais da saúde, e de testar, testar o mais possível, e que o governo português só efectuou a primeira grande encomenda de material já bem em meados do mês de Março? Quantas vidas poderiam ter sido salvas – e bastava uma só! – se se tivessem logo efectuado, e com carácter de generalidade, testes da COVID-19 aos idosos que estão em lares (e são 100.000) e aos funcionários que aí trabalham (65.000)?
É ou não absolutamente inaceitável que, na terceira semana de Abril, perante a inércia das autoridades de Saúde, uma câmara municipal (a de Gaia, aliás, dirigida por um autarca socialista) em cujo concelho existe um lar com utentes e funcionários infectados com a COVID-19, se tenha visto obrigada, após cerca de duas semanas de falta de resposta, a mandar realizar, por iniciativa e a expensas suas, os testes a tais pessoas? Não teria sido mais correcto e mais verdadeiro a Directora-Geral da Saúde e a Ministra da Saúde terem logo no início reconhecido não haver máscaras e testes em número suficiente, em vez de terem procurado, durante semanas a fio, inventar justificações pseudo-científicas para desaconselhar o seu uso, para depois terem de se desmentir a si próprias?
Por outro lado, quais as medidas que até hoje foram decididas e adoptadas ao abrigo do estado de emergência que não poderiam ter sido adoptadas ao abrigo do estado de calamidade nacional decretado de acordo com a Lei de Bases da Protecção Civil? O que fez então correr o Presidente da República e o Governo para essa solução? Não é verdade que a suspensão do direito à greve e do direito constitucional de resistência são as únicas dessas medidas que, na verdade, não poderiam ser decretadas ao abrigo do estado de calamidade? E exactamente para que é que elas eram então necessárias? Por que razão praticamente desapareceram dos grandes órgãos de comunicação de massas, com as televisões à cabeça, os pontos de vista seriamente críticos do estado de emergência? É aceitável que, embora afirmando formalmente a liberdade de expressão, em nome do combate à pandemia e sob a capa da “responsabilidade” e do “não criar divisões”, ou, pior ainda, do estafado argumento da “necessidade de estabilidade política”, o unanimismo oficial imponha a supressão prática dessa mesma liberdade?
Por que é que o governo do Sr. Costa, tão lesto a decretar a requisição civil na greve dos estivadores do porto de Lisboa – não obstante as sucessivas e bárbaras ilegalidades praticadas pelos patrões da estiva – não decretou essa mesma medida da requisição civil relativamente aos serviços dos SAMS cujo encerramento já dura há cerca de um mês, deixando mais de 90 mil beneficiários sem acompanhamento médico? Será por o Presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, titular dos SAMS, e Presidente da Comissão Executiva destes, ser um conhecido deputado do PS?

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