terça-feira, 28 de abril de 2020

A Luta Contra a Covid-19 e a Situação do SNS e dos seus Profissionais


in facebook de António Gaspar
A SITUAÇÃO DO SNS E DOS SEUS PROFISSIONAIS, A LUTA CONTRA O “COVID 19”, A NECESSIDADE RESOLVER OS GRAVES PROBLEMAS QUE TEM CAUSADO A DESTRUIÇÃO DO SNS
Eugénio Rosa
«Numa altura em que se pede tanto ao SNS e aos seus profissionais é certamente o momento adequado para analisar, mais uma vez, a forma como estes trabalhadores e também o SNS têm sido tratados ao longo dos últimos anos pelos sucessivos governos, como os seus principais problemas têm sido ignorados ou mesmo desprezados. E isto até para que se olhe, num momento em que todos os portugueses lhe devem tanto, para a importância que têm para o país, e que se resolvam os principais problemas na área da saúde que têm sido continuamente adiados ao longo dos anos o que tem causado a degradação do SNS e a insatisfação profunda dos seus profissionais, e contribuído para a explosão do negócio privado da saúde em Portugal. Seria certamente a melhor e maior homenagem e reconhecimento que se poderia prestar aos profissionais de saúde pelo seu sacrifício, dedicação e competência resolver os seus legítimos problemas continuamente ignorados e adiados pois corre-se o risco, como muitas vezes sucede, que os heróis de hoje são amanhã esquecidos ou mesmo ignorados. 
(...)
OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FORAM DOS MAIS SACRIFICADOS PELA DITADURA DO DÉFICE E PARA TER SALDO POSITIVO. É URGENTE ACABAR COM O SUBFINANCIAMENTO DO SNS COMO PROVOU A CRISE
Os profissionais de saúde foram um dos grupos mais sacrificados pela ditadura do défice e pelo desejo Costa e Centeno de brilharem em Bruxelas como revelam os dados do quadro 2 A despesa bruta (ilíquida) com pessoal do SNS em 2018 foi de 4.065 milhões € a preços correntes, portanto antes de deduzir o enorme aumento de IRS e dos descontos para a ADSE, e também antes de deduzir o efeito corrosivo do aumento de preços, sendo pouco superior à despesa de 2010 (3.938,8 milhões €), ou seja, em 8 anos a despesa nominal com profissionais do SNS aumentou apenas em 126,3 milhões € (3,2%). No entanto, este valor não tem em conta nem o aumento de trabalhadores registado entre 2010 e 2018 , nem aquilo que o Estado “poupou “ à custa dos profissionais de saúde com o aumento enorme da taxa de IRS que se verificou entre 2010 e 2018, nem com o facto do Orçamento Estado deixar de financiar a ADSE, passando esta a ser financiada pelos trabalhadores da Função Pública. (...)
Entre 2010 e 2019, a despesa nominal com os profissionais de saúde do SNS aumentou em 11%, mas se retiramos aquilo que o Estado recupera através do IRS, o aumento é apenas de 7,1%. E se, para além disso, dividirmos pelo aumento de trabalhadores que entraram neste período (+12.157) a subida da despesa do Estado com cada profissional de saúde do SNS foi apenas de 1,3%. Se retiramos o IRS que reverte para o Estado então o custo mensal de uma trabalhador para o Estado até diminuiu, entre 2010 e 2019, em -2,2% a preços correntes, isto é , sem deduzir o efeito corrosivo do aumento de preços. Um contributo para a redução do défice à custa dos profissionais da saúde. Se deduzirmos o efeito do aumento de preços (10,33%) a quebra real na despesa por profissional de saúde é de -11,3%. Mas despesa por trabalhador não é igual à remuneração por trabalhador.
Consideração a remuneração média ilíquida que o Estado paga por profissional de saúde, sobre a qual é depois deduzida a taxa de desconto para ADSE e para o IRS, e se deduzirmos o efeito corrosivo do aumento de preços conclui-se que, entre 2010 e 2019, a remuneração liquida média a preços de 2010 por profissional de saúde, ou seja, aquela que se obtém depois de deduzir o IRS, o desconto para a ADSE e o efeito do aumento de preços, passou, entre 2010 e 2019, de 1.519€ para 1.300€, ou seja, sofreu uma redução de 11,3%. Cada profissional de saúde custa cada vez menos ao Estado (1.876€ em 2010 e apenas 1.665€ em 2019) , e a sua remuneração liquida em termos reais (em poder de compra) em 2019 é inferior em 14,4% à de 2010 (1.519€ em 2010 e apenas 1300€ em 2019), o que determina a degradação das suas condições de vida, o que tem servido para promover o negócio privado saúde, já que os grandes grupos de saúde tem aproveitado essa situação para atrair os profissionais de saúde e para explorar a maioria deles.
Os sucessivos governos com a sua política de sacrificar os profissionais de saúde tem ajudado fortemente os grandes grupos privados da saúde e contribuído para explosão do negócio privado da saúde em Portugal. É preciso que se tenha a coragem de afirmar com clareza isso para que isto mude. Se juntarmos a tudo isto, a destruição das carreiras dos profissionais de saúde e a negociação individual de remunerações, o que transformou o SNS numa autêntica selva em que os direitos dos profissionais de saúde não são respeitados nem valorizados, e em que se criou uma insegurança generalizada, ficase bem com o retrato verdadeiro da situação atual do SNS. É altura, até porque as ameaças da continuação desta crise de saúde publica assim como o aparecimento de outras no futuro são reais, de repensar e valorizar a atividade destes profissionais e do SNS. Não basta dizer que eles são heróis a enfrentar esta grave crise de saúde pública, arriscando a sua própria vida, e felicitá-los por isso, batendo muitas palmas e fazendo bonitos discursos e, logo no dia seguinte, esquecer tudo o que fizeram. O que é fundamental é reconhecer em atos o seu esforço, dedicação e competência, e resolver os graves problemas que o SNS e eles enfrentam, e cuja solução tem sido continuamente adiada.
PORTUGAL É UM DOS PAÍSES QUE MENOS INVESTE POR HABITANTE NA SAÚDE SEGUNDO A OCDE
Os dois gráficos (ver artigo original) que a seguir se apresentam foram retirados do “Health at a Glance 2019” da OCDE, e mostram o baixo investimento em saúde em Portugal e o muito que o SNS tem ainda a fazer Em 2018, o gasto publico e privado, portanto a soma dos dois, em saúde por habitante em Portugal foi apenas 2.861 dólares PPD por ano (PPD significa que se anulou o efeito da diferença de preços entre países), quando a média nos países da OCDE era de 3.994 dólares PPD/ano, ou seja, mais 1.133 dólares (+39,6%) por ano. E a percentagem da despesa total com saúde que é pública investida na saúde dos portugueses era muito inferior à de outros países...
Em Portugal, a despesa pública (do Estado) representa apenas 66% da despesa total com saúde (34% da despesa é suportada diretamente pelas famílias no nosso país, para além dos impostos que pagam para o SNS) quando a média nos países da OCDE é 71% (só 29% é das famílias). Fazendo os cálculos necessários, utilizando para isso os dados do gráfico 2 e 3, conclui-se que a despesa pública por habitante em Portugal era apenas de 1.888 dólares PPD por ano, quando a média nos países da OCDE era de 2.836 dólares PPP por ano, ou seja, mais 50,2% do que no nosso país (na Alemanha era 4.669 dólares PPD por habitante por ano). É urgente que o Estado invista muito mais em saúde em Portugal para se poder ter um SNS que corresponda às necessidades do país e que satisfaça as legitimas reivindicações dos profissionais de saúde (remunerações, carreiras e condições de trabalho dignas, acabando com a promiscuidade público-privado que está a destruir o SNS e a alimentar os grupos privados de saúde).
Ainda ligado a tudo isto, interessa recordar que Portugal é um dos países com uma das maiores percentagens de habitantes a considerar que a sua saúde é má ou muito má como mostra o gráfico 4 da publicação da OCDE “HEALTH AT A GLANCE 2019” o que prova que o SNS ainda tem muito a fazer Em 2017, segundo a OCDE, 15,3% dos portugueses consideravam que a sua saúde era má ou muito má, quando a média dos países da OCDE era apenas 8,7%. Isto devia fazer pensar os responsáveis políticos e obrigá-los a encarar de frente os problemas graves da saúde em Portugal, e resolverem os grandes problemas do SNS (subfinanciamento crónico, enorme endividamento, má gestão, ineficiências e ausência de responsabilização na aplicação dos recursos disponibilizados pelo Estado) e dos profissionais (ausência de remunerações, de carreiras e de condições de trabalho dignas). Basta de palavras, de grandes e belas declarações sobre a defesa do SNS e dos seus profissionais, o que é necessário agora e o que se espera são atos e medidas que resolvam verdadeiramente os graves problemas que enfrenta o SNS e os seus profissionais, e cuja resolução é continuamente adiada.
É preciso preparar o SNS para enfrentar não só a crise de saúde publica causada pelo “coronavírus” mas também muitas outras que surgirão com certeza no futuro assim como para disponibilizar melhores de serviços de saúde a todos portugueses que se degradaram muito nos últimos anos, de que é prova milhares e milhares de consultas, de cirurgias, etc. com atrasos enormes, centenas de camas nos corredores dos hospitais por falta de quartos, fecho de especialidades em hospitais por faltar profissionais, condições de trabalho horríveis, causado pela ditadura do défice.
É preciso que, passada a crise, não se esqueça novamente o SNS e a dedicação, sacrifício e competência dos seus profissionais, como muitas vezes acontece.

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