Carlos Branco
«A reabilitação tardia do Hospital Militar de Belém transporta-nos para o comportamento displicente das autoridades relativamente ao emprego das Forças Armadas na crise que vivemos.
No dia
7 de abril teve lugar uma audição do Ministro da Defesa Nacional
(MDN) na Comissão Parlamentar de Defesa, cujo tema geral se prendeu
com a participação das Forças Armadas no combate à Covid-19, na
qual se insere a reabilitação do defunto Hospital Militar de Belém
(HMB), especializado em doenças infectocontagiosas, desativado em
2012. Escolhemos esse tema para esta reflexão.
Devido
à pandemia causada pela Covid-19, foi decidido reativar o HMB
(parcialmente) e transformá-lo num Centro de Apoio Militar Covid-19.
Para tal foram mobilizados 130 trabalhadores que operaram num regime
de 24/24. O MDN anunciou que o hospital entraria em funcionamento no
dia 13, sem indicar o mês. Provavelmente referia-se ao mês de maio,
esperando ajuda divina.
O MDN
afirmou que “as obras que foram feitas não serão desperdiçadas,
porque essa infraestrutura [HMB] têm de ter uma utilidade. Estava já
previsto que essa estrutura fosse utilizada por uma parceria entre a
Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Santa Casa da Misericórdia
(SCM), como um centro de cuidados continuados em que antigos
combatentes tivessem acesso privilegiado… Um ou dois andares serão
dedicados aos antigos combatentes”. O MDN estaria seguramente a
referir-se aos deficientes das Forças Armadas, quando disse “antigos
combatentes”. A concretização de tal parceria entre a CML e a SCM
anunciada pelo MDN levanta várias questões.
Qual a
apetência da CML para gerir hospitais? Tornou-se à última hora uma
Direção-Geral do Ministério da Saúde? O dinheiro público serve
para reabilitar um hospital que vai ser cedido a privados? Iniciativa
privada à custa de dinheiro dos contribuintes é seguramente uma
atividade muito aliciante. Seria interessante o MDN divulgar os
valores da reabilitação.
Interrogamo-nos
sobre a vantagem de alienar um hospital público especializado numa
valência deficitária (doenças infectocontagiosas), como ficou
demonstrado na recente crise originada pela Covid-19, para o
transformar numa infraestrutura hospitalar privada especializada em
cuidados continuados, um campo em que a oferta pública também é
manifestamente insuficiente.
Fará
seguramente mais sentido aumentar a capacidade hospitalar do SNS para
combater doenças infectocontagiosas, antes da crise reduzida apenas
a Serviços num reduzido número de hospitais. Por algum motivo se
teve de mandar reabrir o HMB e criar à pressa uma nova unidade de
cuidados intensivos no hospital Pedro Hispano, entre outras medidas
tomadas. Não abona nada insistir em políticas que provaram ser
erradas.
Não
parece avisado alienar bens públicos necessários ao país. É o que
está em causa na proposta do MDN. Significa que, no futuro, terá de
se recorrer ao privado para colmatar a ausência de capacidade
pública entretanto alienada. Não foi o que se verificou desta vez,
mas será o que acontecerá se o MDN concretizar o plano anunciado.
É de
interesse nacional dar vida ao HMB. Reforçaria o SNS e dotaria o
país de capacidades numa área médica que se tornou crítica, cuja
importância tem tendência a aumentar. Nada desaconselha que fique
na órbita das Forças Armadas, como esteve no passado. A decisão de
o fechar foi errada, erro que por falta de visão estratégica as
autoridades se preparam para repetir. Fazer obras no HMB para o
reabrir por uns dias, e entregá-lo a privados, é um ato que fere o
interesse nacional. Não vale a pena passar a vida a gemer contra os
populismos e o crescimento do autoritarismo. Decisões desta
natureza, que não passam despercebidas à população, são a
centelha que alimenta essa fogueira.
A
posição do MDN sobre o HMB traz-nos à memória desenvolvimentos
desagradáveis relacionados com a sanha alienadora de imóveis do
Estado utilizados por militares. Depois de alienados, os novos donos
votaram-nos ao abandono, sem cumprirem os objetivos com que se tinham
comprometido. O leque de casos é imenso. Recordamos as instalações
da antiga Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, cujas
instalações não ocupadas pela Câmara estão ao abandono. Situação
semelhante ocorre com as instalações do antigo Instituto de
Odivelas, que se encontram vandalizadas, e os seus azulejos de valor
histórico incalculável roubados.
Relativamente
ao HMB reina a indecisão. O projeto anunciado pelo ministro é o
mais sombrio das hipóteses possíveis. Recorda-nos o projeto que
visa transferir o Ministério da Defesa Nacional das atuais
instalações na Avenida Ilha da Madeira para as antigas instalações
do Regimento de Lanceiros.
A
reabilitação tardia do HMB (na verdade não se sabe quando estará
funcional) transporta-nos para o comportamento displicente das
autoridades relativamente ao emprego das Forças Armadas na crise que
vivemos. Não tiveram pejo de as utilizar contra trabalhadores, como
fura-greves, para conduzir viaturas de empresas privadas, durante a
greve dos motoristas de matérias perigosas, sem declaração do
estado de emergência, apenas com base na requisição civil. Numa
situação de catástrofe nacional, com o estado de emergência
declarado, como aquela que vive o país, optaram por minimizar a sua
intervenção.
Também
se estranha os hospitais privados não terem sido objeto de
requisição civil. Será que a crise em que nos encontramos não o
justifica? Em vez de termos pacientes instalados em tendas, em
situações precárias, teria sido melhor acomodá-los em hospitais
que estiveram sempre vazios.
Sem comentários:
Enviar um comentário