As notícias que abrem noticiários televisivos
ou fazem as “gordas” de primeira página surgem em catadupas, em vagas que quase
submergem todas as outras notícias susceptíveis de gerar menor audiência. A vaga
das relacionadas com o esperado e desejado, por parte de muitos órgãos de
comunicação social (ligados a grandes grupos económicos com interesses em outras
áreas económicas), colapso do SNS, parece estar a morrer na praia. Os incêndios
quase que ocupam todo o tempo dos noticiários das televisões, lançando para o
quase esquecimento a propaganda sobre a guerra na Ucrânia, no entanto, ainda se
pode respigar alguma coisa que é sempre apresentada como prova da falência dos
serviços públicos de saúde.
Começando pela notícia de primeira página do “DN”,
cujo grupo proprietário, Global Media, encontra-se a desenvolver, com alguma
discrição, um processo de despedimento dos trabalhadores de todos os media que
constituem o grupo, invocando a crise “provocada pela guerra”: “Hospitais
privados só contam 4% na despesa do Estado com Saúde”. Fica-se com a ideia de
que até é pouco e a parte que cabe aos privados poderá subir; contudo, sabe-se
que não é bem assim: os prestadores privados de saúde representam 14% da
despesa do SNS, onde, então, se incluem os 4% dos hospitais privados, os 9% dos
laboratórios de análises e de outros meios complementares de diagnóstico e 1% dos
cuidados continuados. Nesta conta não se incluem as parcerias público-privadas,
a ADSE e as IPSS, da Igreja Católica e outras, que no total ultrapassam bem á
vontade os 30% do orçamento destinado à saúde.
A imprensa mainstream mente, mas mente utilizando
meias verdades.
A somar a estes financiamentos ao sector
privado da saúde através de dinheiros públicos, deverá acrescentar-se 54
milhões para empresas de trabalho temporário, negócio que será rentável para os
administradores e outros detentores de cargos governamentais que intermedeiam o
negócio, porque as comissões nestes casos são sempre certas e apetitosas.
É também notícia “Consultas e cirurgias
canceladas para desviar médicos para as urgências”, o que vem a calhar pela
simples de razão de que as longas listas para cirurgia e consultas nos
hospitais públicas irão alongar-se um bocado mais, para contentamento dos
empresários da saúde, especialmente para os que acumulam o público como o
privado, como acontece com a maior parte dos dirigentes da Ordem dos Médicos. Esta
despesa acrescida é suportada não só pelo SNS como pela algibeira de cada um
dos cidadãos que possuem posses para o fazerem.
“O verão na saúde começou com serviços de
urgências a encerrar em todo o país. A razão apontada é a falta de médicos. A
área mais afetada é a da ginecologia e obstetrícia” faz parte do cabeçalho da notícia
atrás referida, ficando-se com a ideia de que um dos sectores a desmantelar é
mesmo esse: ginecologia e obstetrícia.
Se bem nos lembramos, as maternidades foram as
unidades do SNS que mais foram atingidas pela sanha de encerramento levada a
cabo nos governos de Sócrates (PS) e de Passos Coelho (PSD/PP), com a alegação
de racionalização dos meios do estado e da diminuição do número de nascimentos
no país; cidades importantes e concelhos com dezenas de milhares de habitantes
ficaram sem serviço público destas duas especialidades enquanto as maternidades
dos grandes hospitais centrais ficaram hipercongestionadas. Contudo, quase em
simultâneo, abriam ao lado das que encerravam unidades privadas para onde foram
trabalhar, em regime de empresariado, os médicos que trabalhavam e ainda
trabalham no público. Uma promiscuidade que não é admitida no sector privado de
qualquer área de actividade económica. É o fartar vilanagem!
O governo de Costa diz-se muito preocupado com
a falta de médicos no SNS, e de outros profissionais, e até publicou o Estatuto
do SNS como tábua de salvação para uma boa e eficiente gestão do SNS,
entretanto o PS, na Assembleia da República, chumbou sozinho os projetos de lei,
apresentados pelo PCP, BE e PAN, com o objectivo de alargar os incentivos à fixação
de profissionais de saúde nas áreas mais carenciadas do país; os restantes
partidos abstiveram-se e o PSD, agora na oposição e tão amigo do SNS e dos
portugueses, não ousou votar a favor. Os actos valem por mais de mil palavras!
“Médicos de família protestam contra a
integração de não especialistas nos centros de saúde”. Será pelo amor à
qualidade dos cuidados prestados ao bom e resignado povo português ou será por
uma questão de concorrência? Fica a questão.
Entretanto os privados não desistem e voltam
mais uma vez à carga: “Prestadores de cuidados de saúde querem ‘revisão urgente’
das convenções com o SNS. A Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de
Saúde (FNPCS) exigiu hoje a “revisão urgente” dos preços das convenções”. Acham
que o lucro é baixo e as justificações da “guerra”, primeiro foi a “covid-19”,
e possivelmente do “calor” serão mais que suficientes para esticarem a corda. Espera-se
que Costa, como não quer a coisa, abra os cordões à bolsa do nosso dinheiro, é
nesse sentido que recebe as ordens de Bruxelas.
Os media mainstream já fazem as paragonas com “mais
mortes são devidas ao calor”, não faltará muito que digam que a razão é a
guerra na Ucrânia. Neste sentido se relata de forma sensacionalista e temerosa:
“Portugal mais jovem. Covid mata milhares de idosos e fragilizados. Segundo o
Conselho Nacional de Saúde, em 2020, registou-se um excesso de cerca de 12 mil
óbitos, comparando com o número médio de mortes observadas entre 2016 e 2019.”
Pergunta-se: foi devido a covid-19 ou outras
doenças? Ou não terá sido pelo abandono a que os idosos foram votados nos lares
e em casa metendo-lhes medo para não irem aos serviços de urgência do SNS? Em que
ficamos? Parece que houve um alívio para os nossos governantes e para aqueles
que defendem a privatização da segurança social já que a “peste grisalha” levou
uma razia!
Claro que vêm a calhar o calor, que não é
excessivo para a época, e as vagas de incêndios, talvez um dos mais prósperos
negócios do post-25 de Abril, e enquadrados na retórica das “alterações
climáticas”, irão servir às mil maravilhas para justificar a mortalidade
excessiva dos nossos idosos. A imprensa corporativa já deu o mote.
Por outro lado, imprensa mais séria e não sensacionalista
vai esclarecendo: “Desde Janeiro, já morreu um em cada 10 idosos com mais de 85
anos”, em artigo publicado na “Página Um” aponta-se para a morte excessiva dos
idosos.
O articulista, que não relaciona esta mortalidade excessiva com a vaga do calor, diz que “com os números provisórios até 12 de
Julho, terão já morrido este ano um total de 30.648 pessoas com mais de 85
anos, o que representa quase 10% dos idosos daquela faixa etária, que nos
últimos anos estava em contínuo crescimento”. E especifica: “O valor da
mortalidade acumulada dos mais idosos em 2022 excede, por agora, em pouco menos
de uma centena (97) os números do ano passado (30.551 óbitos). Encontram-se
também substancialmente acima do primeiro ano da pandemia (27,866 óbitos) e são
muitíssimo superiores ao período pré-pandemia (25.493 óbitos em média entre
2015 e 2019).”
Fica a última questão: morreram de quê, de
pobreza, de velhice ou da vacina?
Responda quem souber. Mas ninguém se admire
que, no seguimento de "Só não há incêndios se a mãozinha humana não
provocar incêndios", Costa venha responsabilizar os próprios idosos!
Sem comentários:
Enviar um comentário