O Hospital de Coimbra é aquele que contabiliza
maior número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas com registo de reacções
adversas ou eventuais erros médicos. No total, nos primeiros 15 meses da
pandemia, contam 24 mortes, mas pelo código da CDI conclui-se que foram
problemas decorrentes de cirurgias cardíacas ou de gastroenterologia. Nos
hospitais de Lisboa registaram-se 22 mortes deste género, das quais nove no
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Todas classificadas como covid-19.
A Direcção-Geral da Saúde determinou que se
alguém falecesse com um teste positivo ao SARS-CoV-2 levava automaticamente com
o carimbo de “morte covid”. Os registos dos internados na primeira fase da
pandemia, que o PÁGINA UM tem dissecado, mostram 250 casos suspeitos que podem
ter sido apenas anormais reacções a procedimentos médicos, ou pura negligência
médica. Um total de 88 pessoas morreram nestas circunstâncias. Como raramente
houve autópsias, a morte morreu solteira.
Um erro na operação de intubação numa unidade
de cuidados intensivos do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
contribuiu para a morte de um doente de 61 anos em Abril de 2020. Este evento
trágico foi único, mas o PÁGINA UM detectou muitos mais casos suspeitos de
erros e negligência médica que estarão a ser escondidos sob o carimbo da
covid-19, uma vez que, por regra, não são feitas autópsias nos óbitos
confirmados por esta doença.
Estas suspeitas advêm da consulta à base de
dados do Ministério da Saúde sobre os internamentos de doentes-covid, a que o
PÁGINA UM teve acesso, e detecta-se através da codificação feita segundo a
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com
a Saúde (CDI).
Aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esta codificação não apresenta apenas as doenças e comorbilidades de cada doente no seu processo clínico; também identifica, por exemplo, complicações de actos médicos e cirúrgicos, acidentes, erros, negligência e reacções inesperadas.
Este tipo de situações recebe, por norma, os
códigos Y62 a Y84 da CDI, consoante a sua tipologia. Não estão aqui incluídos,
embora haja largas dezenas de casos, os acidentes em hospitais como quedas da
cama ou em casas de banho em doentes-covid, alguns fatais.
Numa análise detalhada à base de dados dos
internamentos nos primeiros 15 meses da pandemia, entre Março de 2020 e Maio de
2021, o PÁGINA UM contabilizam-se 250 doentes-covid com registos de reacções
adversas após procedimentos médicos. Em alguns casos estar-se-á perante
eventuais erros ou negligência médica. De entre os pacientes afectados, 88
morreram, ou seja, 35% – um valor cerca de 12 pontos percentuais acima da taxa
de mortalidade dos internados sem este tipo de registos.
Nem todos desfechos fatais terão sido devidos apenas a reacções adversas dos doentes ou a erros médicos – até pela grande debilidade e elevada idade de muitas das vítimas –, mas todos acabaram classificados como mortes por covid-19. Muito provavelmente as famílias nem sequer souberam aquilo que se passou dentro das portas do hospital.
O caso do doente do Centro Hospitalar
Universitário de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – é um
exemplo paradigmático.
À entrada nos cuidados intensivos em 22 de
Abril de 2020, a sua situação já era grave: diabético tipo II, vinha com
insuficiência respiratória e síndrome de desconforto respiratório decorrente de
covid-19 diagnosticada, mas os médicos terão tido dificuldade em o intubar
(surgindo essa referência com o código T884 da CDI) e o tubo orotraqueal acabou
por ser mal colocado (código Y653). O homem sofreu um choque não especificado
(R579) e morreu no dia seguinte ao internamento.
A esmagadora maioria dos registos mostra-se,
porém, com referências extremamente vagas sobre a origem exacta do erro,
acidente ou reacção anormal, não sendo assim possível concluir se se está
perante uma situação incontornável ou imprevista, ou se se tratou de erro
médico.
Por exemplo, na base de dados surgem 44 casos classificados com o código Y848, que se refere a procedimentos médicos que causaram reacções adversas tardias mas não especificadas. Noutros casos especificam-se a causa, embora pouco concretizando, como são as 32 reacções contabilizadas no decurso de procedimentos radiológicos (Y842) e as 32 reacções devidas a cateteres urinários (código Y848).
Existem também registos de efeitos adversos
que, de forma clara, nada tiveram a ver com a covid-19, porque se deverem sim a
actos cirúrgicos decorrentes de outros problemas. São exemplo disso os 16 casos
classificados com o código Y831 (implantes de dispositivos médicos) e os 13
casos com o código Y832 (bypass gástricos com anastomose). Problemas na área da
gastroenterologia, aliás, mostraram-se relativamente frequentes.
A falta de informação sobre o verdadeiro
contributo destes procedimentos médicos para as eventuais mortes dos pacientes
acaba, contudo, por ocultar eventuais negligências, tanto mais que o “carimbo”
da covid-19 levou a que se prescindisse, na esmagadora maioria dos casos, à
realização de autópsia. Uma morte com covid-19 foi, para a Direcção-Geral da
Saúde, sempre uma insuspeita morte exclusivamente causada pelo SARS-CoV-2.
Aliás, na base de dados surgem nove estranhos
casos com o código Y66, que significa que houve falta de administração de
cuidados médicos e cirúrgicos. Destes nove, oito acabaram por morrer, sendo que
sete foram no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.
O Hospital de Coimbra é aquele que contabiliza maior número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas com registo de reacções adversas ou eventuais erros médicos. No total, nos primeiros 15 meses da pandemia, contam 24 mortes, mas pelo código da CDI conclui-se que foram problemas decorrentes de cirurgias cardíacas ou de gastroenterologia. Nos hospitais de Lisboa registaram-se 22 mortes deste género, das quais nove no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Todas classificadas como covid-19.
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