segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Lares e a proteção dos vulneráveis

 

Sobe para 20 o número mortes no Lar da Misericórdia em Aveiro (SIC-Notícias, 13 de Abril)

Desde o início da pandemia, Portugal contabilizou 2.959 mortes associadas à COVID-19, dos quais 1.049 (35,5% do total) são idosos (>80 anos) internados em lares, ou seja, 7 vezes mais do que os idosos fora dos lares.

Últimas notícias: Lar de Caminha pede brigada de intervenção após surto com 46 infetados;

Lar da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta com nove casos positivos

Lares e a proteção dos vulneráveis

por Margarida Gomes de Oliveira 

«Ideias para ajudar na gestão dos lares de idosos

A - Têm sido especialmente os idosos, e em particular aqueles que vivem em instituições de longa permanência, os mais afectados pela epidemia de SARS-Cov2.

Contudo não são apenas idosos aqueles que residem em lares.

Existem também crianças e deficientes motores e pessoas com déficit cognitivo de várias idades que estão institucionalizadas.

É igualmente importante ter em consideração que o estado de vulnerabilidade não é estritamente de índole física e não está estritamente vinculado a uma faixa etária.

B - Em muitos países cerca de 40% das mortes relacionadas com a CvI9 ocorreram em instituições de cuidados de longo prazo, com números a atingir os 80% em alguns países.

Acresce ainda o facto da letalidade para residentes em lares que venham a contrair a infecção ser significativamente mais elevada quando comparada com a observada na população da mesma faixa etária e com o mesmo tipo de limitação mas a viver na comunidade.

Os residentes em lares enfrentam um elevado risco de morbilidade e também, por bastas vezes, recursos humanos e logísticos inadequados como por exemplo o acesso a serviços essenciais de saúde. Estas limitações vêem-se agravadas quando os serviços de saúde estão condicionados por planos de contingência ou superlotados aquando de quaisquer surtos epidémicos tal como o que ora vivemos.

C - O impacto da doença também tem sido elevado nos prestadores de assistência e de cuidados em instituições de longa permanência.

D - Entendem os Médicos pela Verdade Portugal ser possível mitigar este impacto em todos os aspectos do cuidado de longo prazo, incluindo o cuidado e a assistência no domicílio e na comunidade.

Consideramos ser no isolamento e no tratamento de quem está sintomático e de facto doente e na protecção dos grupos de risco que reside a chave do controlo de uma epidemia e não no rastreio persecutório e quase esquizofrénico de assintomáticos com as repercussões sociais e económicas já evidentes com tendência a se agravarem caso não se corrija a trajectória nem se emende a estratégia.

Mas, se proteger os grupos de risco é fulcral, tal não é sinónimo de segregação tampouco de abandono nem de desumanidade.

Acresce ainda que o isolamento de vulneráveis levanta questões éticas e de direitos humanos que deverão ser observadas e acauteladas para que não venham a ocorrer sequelas afectivas, sociais nem na saúde mental e física dos visados.

É possível uma protecção inclusiva e ética.

É possível controlar o contágio aos vulneráveis com sensatez, humanidade e base científica.

Como?

E - Algumas sugestões:

1 . Esclarecendo em linguagem objectiva, sistemática, inequívoca, acessível e adaptada aos vários graus de escolaridade e de diferenciação cognitiva acerca do que é uma epidemia, um vírus, do seu real perigo e da forma e do risco de contágio, sem rodeios mas, principalmente, sem alarmismo.

Tal deve partir das autoridades de saúde nacionais e regionais com a ajuda da imprensa nacional e local, das autarquias e dos agrupamentos escolares, sob a forma de:

1.1. circulares informativas em linguagem simples, sucinta e clara;

1.2. acções de formação devidamente acreditadas e supervisionadas quer dirigidas à população em geral quer dirigidas com maior especificidade aos proprietários e administradores de lares, aos cuidadores domiciliários, aos trabalhadores em instituições de longa permanência e também aos próprios residentes por forma a conseguir a compreensão e a adesão indispensáveis ao que constitui um desvio da rotina, a qual, é fundamental ao equilíbrio emocional de pessoas que, por variadas razões, se viram obrigadas a residir em condições potencialmente traumáticas e que requerem uma adaptação nem sempre fácil.

2 . Criando um espaço dentro da instituição vocacionado para o isolamento e a assistência médica a residentes infectados - por este ou por outro qualquer agente infeccioso, para conter um eventual surto.

Em caso de residências grandes e com grande lotação, ponderar, se possível, a reorganização em sub-unidades tornando assim o isolamento mais fácil em caso de surto sem comprometer a vida de todos os residentes nem de todos os funcionários.

Se tal não for possível, deve a direcção do lar, solicitar atempadamente ajuda à autarquia, às misericórdias, à ARS e/ou ao delegado de saúde por forma a elaborar um plano exequível, eficaz e minimamente traumático para os residentes visados.

  1. Permitir os passeios higiénicos e/ou as deslocações dos residentes em regime de ambulatório ao exterior, se assim o desejarem, advertindo para os cuidados de distanciamento fisico e de higiene, etiqueta respiratória e, nos casos de maior vulnerabilidade, para a utilidade do uso de máscara.

Àqueles que estão acamados providenciar o arejamento do quarto, a entrada de luz solar e, se possível, uma ida ao jardim ou à varanda sempre que a meteorologia o permitir.

Ar fresco faz bem ao corpo e à alma e a luz solar revigora e estimula a produção de vitamina D que reforça o sistema imunitário.

  1. Em articulação com o médico que presta assistência ao lar, com o médico assistente pessoal dos residentes que o tenham, com a família e após o consentimento informado do utente ou de quem legalmente o represente, promover a vacinação dos mais vulneráveis obviando assim a co-infecções ou a outros surtos por outros microorganismos.

  2. Permitir a visita dos familiares e de amigos dos residentes, devendo as visitas usar máscara.

Será prudente que, em contexto epidémico, se limite o número de visitantes, não devendo, contudo, alterar-se o horário de visitas, uma vez que, como já mencionado, a quebra na rotina é contraproducente porque demasiado disruptiva.

Será ainda aconselhável que as visitas se limitem à interacção com o seu familiar mantendo o distanciamento físico dos outros residentes.

Caso os familiares se encontrem sintomáticos ou doentes devem abster-se de visitar os seus entes queridos enquanto não melhorarem clinicamente. Se os sintomas forem sugestivos de Covid19 e acaso testem positivo para SARS-Cov2, depois de cumprirem quarentena, deverão apresentar um atestado de cura ou um teste negativo para poderem voltar a visitar o lar.

  1. Os funcionários deverão usar máscara no contacto directo com os residentes que do mesmo necessitem, nomeadamente aquando da higiene e da alimentação, alturas em que há maior proximidade.

Os funcionários que estiverem sintomáticos devem ficar em casa até melhorarem clinicamente. Caso os sintomas sejam sugestivos de infecção por SARS-Cov2 deverão ser testados e cumprir quarentena caso testem positivo e só deverão regressar ao trabalho depois de um teste negativo.

  1. No caso dum surto devem isolar-se os positivos que devem também passar a ser tratados sempre pelos mesmos funcionários que, neste caso, estão obrigados a cuidados acrescidos de protecção pessoal com uso, além da máscara, de bata descartável e de luvas. Devem ainda entrar e sair da zona de isolamento e do lar por um circuito autónomo criado para o efeito. Se tal não for possível deve evitar-se que se cruzem com os demais residentes e prestadores de cuidados sendo essa adaptação feita de acordo com as rotinas e a logística da instituição.

Durante a quarentena serão proibidas as visitas dos familiares dos residentes isolados mas deverão ser permitidos os contactos via telefone ou videochamada. Os afectos são fundamentais na recuperação de qualquer doença. O estado de quarentena é penoso e algo estigmatizante pelo que pode e deve ser aligeirado recorrendo à tecnologia disponível hoje em dia.

Os restantes habitantes do lar e os assistentes deverão levar o seu dia a dia como habitualmente.

Durante um surto os prestadores de cuidados à residência deverão ser testados bem como os residentes assim que o mesmo se detecte e após a conclusão da quarentena.

Uma vez terminado o surto poderá ser aconselhado aos familiares dos residentes que estiveram em isolamento que apresentem um teste negativo antes de poderem voltar a visitar o seu ente querido pois este, por estar em convalescença, está mais fragilizado e pode ainda não ter adquirido imunidade duradoura pelo que se impõe a profilaxia de uma reinfecção.»

Em Médicos Pela Verdade

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