sábado, 14 de novembro de 2020

Enfermeiros despedidos, empresários da saúde privada de bolsos cheios

 

Henricartoon

Há cerca de uma semana foi notícia o eventual despedimento de 86 enfermeiros tarefeiros no Hospital de Braga pelo facto da sua recondução obrigaria a contratação com vínculo por tempo indeterminado, coisa que é da competência do governo e que este, pelos vistos, não está interessado, demonstrando na prática que a sua prioridade não é salvar os portugueses da doença, nomeadamente da covid-19, e resguardar o SNS, mas, ao contrário do que afirma, liquidar o SNS e salvar, sim, o negócio dos privados.

A verdadeira política quanto à saúde e bem estar dos portugueses, assim como em relação ao respeito pelos seus direitos e dignidade, ficou igualmente bem patente no despedimento de duas enfermeiras do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, uma por se encontrar grávida, a outra por apresentar um quadro grave de doença degenerativa, como se coisas descartáveis se tratassem já que não estariam a dar a produção de trabalho esperada, como se de fábrica se tratasse ou de boa gestão privada a apresentar ao patrão Estado/Governo PS.

O discurso de defesa do SNS, de o proteger, assim como os seus profissionais, uma das razões para a instauração de novo estado de emergência gradual a todo o território nacional, fica deste modo desmontado perante o olhar de todos os portugueses. Os não sei quantos profissionais de saúde que o Governo diz ter contratado serão por um prazo de 4 meses, dando claramente a entender que depois de mais outros 4, não haverá um terceiro contrato, porque, desse modo, teriam de passar a vínculo definitivo. Esta intenção não está minimamente na mente da ministra da Saúde ou do primeiro-ministro Costa, senão teriam sido logo contratados por tempo indeterminado, para mais com a pandemia a durar, ao que dizem, até haver vacina e imunidade de grupo, em final de 2021 na melhor das hipóteses.

Se o Governo se mostra renitente em investir no SNS, mantendo em cativação 500 milhões de euros destinados à Saúde, não parece ser sovina em contratar os privados para tratar os doentes covid-19 e os restantes que são desprezados e são responsáveis por cerca do triplo de mortes a mais, considerada a média dos últimos 5 anos, em relação às mortes por covid-19. São 35 milhões de euros já inscritos no OE para 2021, mas mais milhões se disponibilizarão, caso se entenda, a partir de diversos sacos azuis (9.813,5 milhões) sob a rubrica de "despesas excepcionais".

Apesar da ministra ter repetidamente afirmado que os privados não queriam doentes covid-19, entretanto e por baixo da mesa iam fazendo contratos com os mesmos e os valores que se conhecem não foram contestados, o quer dizer que serão um bom rendimento: entre 2495 e 8431 euros por internamento, dando o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada como garantidas 669 camas, das quais 86 para doentes covid-19, eventualmente em UCI. Percorrendo a lista, verifica-se que todos os hospitais privados, de norte a sul do país, são contemplados.

O mercado criado pela não realização de actos médicos, de enfermagem e outros, lista que irá engrossar de forma contínua, porque a ministra deu luz verde a todas as instituições do SNS, a começar pelos centros de saúde no que concerne a cuidados primários, para suspender a actividade em relação aos doentes não covid-19 caso necessário, é enorme: um milhão e meio de consultas e 96 mil cirurgias, desde Janeiro a Setembro, e espera-se mais 150 mil cirurgias que não se irão realizar no SNS até ao fim do ano. Pode dizer-se que será a “justa compensação” para os privados de que falava o presidente da república Marcelo e que tanto badalavam os media de referência.

O Costa deu como justificação da declaração do estado de emergência, entre outras, “controlar e reprimir a pandemia” e “apoiar os profissionais de saúde”; ora, pelos factos e pela prática governativa, será o contrário, será mais “controlar e reprimir os profissionais de saúde” e “apoiar os negócios privados da saúde”. E, assim sendo, é dever de todos os profissionais de saúde e, em particular, dos enfermeiros lutar pelas suas mais que justas reivindicações: descongelamento das progressões da carreira, atribuição do subsídio de risco para todos os enfermeiros, aposentação aos 57 anos, e salários dignos, possibilidade de exclusividade no SNS com acréscimo de 50% sobre o vencimento base, e contratação de todos os enfermeiros (e outros profissionais de saúde) necessários ao bom funcionamento do SNS, o principal suporte de combate a qualquer pandemia.

Caso isto não venha a acontecer, será bem provável que o ano de 2020 marque o fim do SNS como serviço universal, geral e gratuito, e tenhamos em seu lugar um “sistema” de saúde onde os privados medram, mas, tal como o vírus, não podem matar o hospedeiro para puderem sobreviver.

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