terça-feira, 24 de março de 2020

Os abusos sobre os enfermeiros e a Solidariedade em tempo de coronavírus



O Governo decretou, através de directiva da Direcção Geral de Saúde (DGS), que os trabalhadores da saúde que tenham estado em contacto com doentes infectados por coronavirus não entrarão em quarentena se não apresentarem sintomas. Toda a gente sabe que muitos infectados são assintomáticos e que os sintomas da infecção por este vírus se confundem com os de gripe vulgar. É notícia também que os dias perdidos pelos trabalhadores da saúde devido a quarentena serão descontados nas férias e nas horas extras. São abusos que o governo e as administrações hospitalares estão a cometer aproveitando-se da pandemia pelo covid-19, exteriorizando o que lhes esteve sempre na alma: os trabalhadores do estado, nomeadamente os da saúde, sejam eles, enfermeiros, médicos, assistentes operacionais ou outros, são números, são carne para canhão, descartáveis a todo o momento. Esta atitude do governo é uma reles provocação que merece todo o repúdio por parte de todos os trabalhadores e ficamos à espera da reacção dos sindicatos; a Ordem dos Médicos foi a primeira a reagir e já pediu a revogação da directiva da DGS.
Estes abusos do Governo PS e dos seus comissários políticos nas administrações hospitalares traduzem-se também na extensão do período de trabalho das 8 para as 12 horas, sempre com o pretexto de se fazer frente ao coronavírus, e no desprezo pelos trabalhadores que apresentam história de doenças do foro respiratório ou com idade superior a 60 anos. Por exemplo, no CHUC, foi pedido aos trabalhadores com passado de doença respiratória, asma, pneumonia, etc., que preenchessem um imprenso no serviço de Medicina do Trabalho para possível mudança para linha de rectaguarda e não ficarem assim em contacto directo com doentes infectados. Ora, isto ocorreu há cerca de duas semanas e ainda nenhum trabalhador foi contactado até agora. O que consta é que haverá enfermeiras já infectadas a trabalhar no pólo do Hospital dos Covões; assunto que os sindicatos, a começar pelo SEP se ainda não entrou em quarentena, poderão investigar a fim de tomar a atitude mais correcta. Se se confirmar o rumor, então, é, mais uma vez, o desprezo completo pelos trabalhadores, o que sempre foi a marca das administrações que têm passado pelo CHUC e pelos HUC, diga-se em abono da verdade, sempre prontos a não pagar aos trabalhadores as horas extras praticadas e dificultar as progressões na carreira.
Há neste momento 165 enfermeiros, médicos e assistentes operacionais infectados, ou seja, 8 por cento do total, e será número a pecar por defeito, já que a DGS acaba de rectificar os números. O Governo, decididamente, não quer gastar dinheiro e acha que 1500 testes por dia chegam, enquanto na Alemanha os 160 mil por semana são considerados insuficientes e a OMS não se cansa de dizer que está na ordem do dia fazer testes, testes e testes. E vem agora o primeiro-ministro gabar-se da compra de equipamento médico à China, facto com um atraso de dois meses pelo menos, e que vai haver mais capacidade para a realização de testes rápidos, até 4000 por dia – é preciso ter lata, já que há enfermeiros que estiveram em contacto com infectados, completamente desprotegidos, continuam ao serviço sem terem realizado qualquer teste! Há hospitais com falta clamorosa de equipamento de protecção individual, batas, máscaras, luvas e viseira em particular, e há enfermeiros chefes a pedir aos trabalhadores que tragam material de casa, a começar pelos panos para limpar o chão. É o descalabro e o desprezo pelos trabalhadores!
Nunca será perda de tempo interrogar-nos sobre as razões da falta generalizada de meios para combater a pandemia, ou seja, o que é feito do SNS?
Durante mais de 30 anos, mais precisamente a partir da famigerada Lei de Gestão Hospitalar (1988), primeiro governo de maioria absoluta de Cavaco Silva, que se começou a destruir o Serviço Nacional de Saúde de forma paulatinamente; umas vezes, mais depressa quando com os governos do PSD e CDS/PP e, outras vezes, mais devagar e disfarçadamente com o PS no poder da governação. O resultado é do conhecimento geral: um serviço público de saúde descapitalizado, e subfinanciado mesmo depois da saída formal da troika (Portugal gasta cerca de 6% do PIB enquanto a Alemanha despende perto de 10%), com falta de camas, de medicamentos, de reagentes para análises, de material diverso, de médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos e administrativos, e com instalações degradadas. Ou seja, falta tudo, porque se andou a financiar os grupos económicos da saúde privada, alguns dos quais estrangeiros, e os bancos. Para estes houve dezenas de milhares de milhões de euros e... (não devemos esquecer) para pagar uma dívida pública, grande parte dela ilegítima e até ilegal, e que será bem maior depois de passada esta crise, assim como os sacrifícios que irão ser pedidos (impostos) aos trabalhadores portugueses.
Os técnicos que trabalham no SNS, sejam os que assistem directamente o doente, ou os outros, encontram-se já, e ainda antes do surgimento da pandemia, cansados e desmotivados, por falta de reconhecimento do seu trabalho e de serem mal pagos e sem perspectiva de futuro por inexistência de carreiras dignas e motivadoras. Quando alguns deles decidiram encetar greves, para ver satisfeitas as suas mais que justas reivindicações, como aconteceu com os enfermeiros, foram miseravelmente atacados pelo governo do senhor Costa, foram vilipendiados, acusados de “assassinos” e outros mimos do género, não só pelo governo e pelos órgãos de informação ao seu serviço e de toda a sorte de fazedores de opinião, mas, infelizmente, por muitos daqueles que agora à janela lhes batem palmas, numa manifestação de indecorosa hipocrisia. Muita gente só se lembra dos enfermeiros quando vê a coisa mal parada, mas é o que temos no país do oportunismo.
Parece que muita gente ainda não percebeu, mas o tempo rapidamente lhe irá abrir os olhos, que o governo do PS pouco se importa com a saúde dos portugueses, especialmente a saúde dos mais pobres, dos mais idosos, dos imigrantes e dos sem-abrigos, isto é, de todos aqueles que se encontram no fim da escala social. O que mais importa ao PS e ao Costa é o estado da economia, dos lucros dos acionistas das grandes empresas, dos bancos em particular, a começar por aquelas que agora irão enriquecer ainda mais à custa da crise (os bancos irão receber dinheiro do BCE com spread negativo de 0,75% e irão emprestar a spreads até 1,5%). Daí o se ter demorado tanto tempo a tomar as medidas necessárias e mesmo agora são frouxas, como acontece com o controlo nas fronteiras ou uso de meios de protecção individual, mas foi-se lesto na declaração do estado de emergência para reforçar o medo, já difundido pelos media e pelas intervenções inadequadas dos próprios governantes, entre o povo português. E pior que a pandemia do vírus, é a pandemia do pânico!
Depois da crise falsamente atribuída ao coronavírus, mas que é de um sistema económico que só visa o lucro e não considera a pessoa humana, iremos ver um SNS completamente destroçado e os privados já integrados no tal “Serviço” Nacional de Saúde de que tanto gostam, com mais desemprego, com menos idosos, porque muitos deles terão morrido, como resultado de uma política malthusiana aplicada conscientemente, porque também ninguém se admire que o governo do PS venha a seguir a regra já admitida pelo governo do PSOE de dar prioridade aos doentes com maior “valor social” quando o sistema colapsar; ou seja, quando se tiver de optar entre um idoso pobre e um rico ou um político, o critério médico será mandado às malvas e o primeiro é que será sempre o preterido. E não faltará muito para as camas das unidades de cuidados intensivos ficarem completamente esgotadas, não nos esqueçamos que enquanto a Alemanha possui 28 mil camas para cuidados intensivos e 25 mil ventiladores, e vai adquirir mais 10 mil, para uma população que é oito vezes superior à portuguesa, Portugal possui cerca de 800 camas e perto de 1200 ventiladores, cujos números exactos o próprio governo desconhece, avançando com números incertos, como tem acontecido com o número de pessoas ou de profissionais de saúde infectados.
Os números dos infectados e das mortes por coronavírus quase de certeza que não estarão certos, vários indícios apontam nesse sentido: já se sabia, há cerca de três semanas, de estarem internados diversos doentes infectados no CHUC, por exemplo, com o serviço de infecciosas quase cheio, sem que nenhum desses números entrasse nas contas da senhora ministra, a tal que foi demitida de Presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) por falsificar o número de doentes nas listas de espera. Solidariedade será a última coisa a esperar de um governo que só vê cifrões à frente, lamentando que já não haja superavit orçamental e tenha de fazer um orçamento rectificativo; ou dos outros países da União Europeia, nomeadamente do país mais rico, a Alemanha; ou de um Estados Unidos, considerado o baluarte da democracia; a ajuda, e contra o que se esperava, está a vir de países que têm estado sujeitos a sanções económicas por parte da UE, da pequena Cuba, da Rússia e da China. É possível que a ajuda não seja desinteressada, mas está a acontecer e é nos momentos difíceis é que se vê onde estão os amigos; e mais: são estes países, embora capitalistas de estado, com direcção estatal e centralizada da economia, que estão a ter um melhor controlo sobre a pandemia.
Quando acabar a pandemia, Portugal estará com certeza pior, nem saberemos se o SNS irá sobreviver, mas para que nada disto aconteça, os profissionais de saúde bem como o povo português deverão tomar quanto antes uma atitude.

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