Vasco Gargalo
Portugal
vai entrar na fase dita “de mitigação” dentro de horas ou dias,
disse a ministra; a OMS acaba de declarar que o surto do novo
coronavírus atingiu o nível de pandemia; o Presidente Marcelo avisa
que não pode haver crises no seu último ano de mandato, estando já
em auto-quarentena por causa do vírus; o presidente da Assembleia da
República continua a recusar que as reuniões do plenário sejam
realizadas à porta fechada, contrariando as pressões do próprio
partido e das outras bancadas; o primeiro-ministro Costa está em
véspera de decretar o encerramento de todas as escolas do país, o
que irá afectar uma população de 1,5 milhões de alunos; e o Tony
Carreira adiou o concerto que estava previsto para este Sábado e que
seria o primeiro após um longo interregno. O caso é sério!
O
Presidente já declarou solenemente que não quer eleições
antecipadas, nem crises em geral, por causa da estabilidade do regime
político e da economia e, principalmente, coisa que não explicita,
por estar não só em fim de mandato mas se encontrar em fase
avançada de lançamento de recandidatura. Ter de dissolver a
Assembleia da República, convocar eleições antecipadas e,
eventualmente, propiciar maioria absoluta ao PS para poder governar a
seu belo prazer, não era só um atentado à sua estratégia de algum
controlo sobre o Governo, como lhe poderia estragar a imagem. E a
imagem vai-se promovendo com atitudes de disseminação de “afectos”,
o que quer que isso seja, e de alguma humildade, embora mal
disfarçada, com a sua auto-reclusão a propósito de conter a
propagação do vírus, como mais exemplo para todo o bom português
do que possuir alguma idade e ter sido submetido recentemente a
pequena intervenção cardíaca. Considerar esta atitude de
poltronice ou cobardia política, aliás, congruente com a sua
personalidade, não passará de maledicência e de má-fé.
Esta
pandemia parece que vem mesmo a calhar para as nossas elites, a nível
interno, e para o grande capital, a nível mais global. Em termos de
nós por cá, poderá ser um bom pretexto para o Governo PS/Costa
agravar medidas de austeridade, uma austeridade que terá ficado em
banho-maria com o a ida do PS para a esfera governativa, com alguma
aceitação da opinião pública e, preocupação de todos os
governos que temos tido depois do 25 de Abril, sem que o povo se
revolte. Será uma boa desculpa para a desaceleração da economia,
com a revisão da meta do PIB em baixa, contenção da despesa
pública com a Saúde e a Educação e salários da Função Pública
e reformas e aposentações e diversos subsídios sociais. A
recapitalização da banca, de certeza, que não será prejudicada, o
Novo Banco não deixará de receber o seu quinhão já prometido, e
haverá sempre dinheiro para as empresas, ou através do Orçamento
do Estado ou dos Fundos Europeus que, no fim da linha, será sempre o
povo a pagar.
Se uma
parte da economia vier a ressentir-se com a crise do coronavírus,
nomeadamente o turismo, no entanto, outra se desenvolverá, seja
laboratórios e farmácias a facturar, assim como clínicas e
hospitais privados onde já devem estar com máquina de calcular nas
mãos, ou super-mercados a ficarem num ápice com as prateleiras
vazias, como já aconteceu em Madrid, devido ao alarmismo inculcado
na opinião pública pelas televisões e aparições constantes e
inadequadas de governantes. Os patrões mais afectados pela
diminuição do negócio já receberam do Governo a garantia de que
os lucros não diminuirão: luz verde para o lay-off, com os salários
dos trabalhadores a serem pagos pela Segurança Social, ou seja, por
eles próprios, e linha financeira de apoio que já vai em 200
milhões de euros, bem como outros benefícios fiscais. A nível
global, a crise económica será mascarada com a pandemia, esta terá
as costas largas para explicar as mazelas do capitalismo, com a
paragem da produção a servir às mil maravilhas o velho problema da
produção em excesso capitalista, um dos factores das crises
cíclicas, que já são um estado permanente. E, pelo menos para já,
não será necessário uma guerra a nível mundial.
(...)
A
pandemia do Covid-19 justificará também uma maior exploração
sobre os trabalhadores, e sobre os povos em termos globais, e com
uma maior manipulação da opinião pública, e inclusivamente dos
próprios trabalhadores, como já se vê entre nós a respeito da
greve dos trabalhadores do Hospital de Braga. Os trabalhadores deste
hospital, mais precisamente os assistentes técnicos, limitam-se a
reivindicar uma questão básica que é apenas beneficiar de um
acordo coletivo de trabalho, questão que tem sido constantemente
protelada pela administração que sempre actuou de má-fé. O
Governo e os patrões, a começar pelo Estado, desde há muito que
têm vindo a atacar um direito elementar dos trabalhadores, o direito
à contratação colectiva, coisa que tem sido cada vez mais negada
pelas sucessivas revisões da Lei do Trabalho, e agora, graças ao
coronavirus, vai surgindo, pelo menos em alguma blogosfera e redes
sociais, opinião favorável à criminalização dos trabalhadores e
das suas organizações sindicais, porque se estariam a aproveitar de
forma oportunista de uma situação má para o país, confundindo que
em Portugal existem vários “países”, grosso modo, dois: o dos
patrões e dos trabalhadores assalariados. As televisões têm sido
os instrumentos de eleição para a intoxicação da opinião
pública, simultaneamente vão aumentando as audiências, com maiores
proventos da publicidade, isto é, vão lucrando com o mal dos
outros, e não deixando de salientar a toda a hora a hipotética
ineficiência do SNS, preparando o terreno para uma maior intervenção
dos serviços privados de saúde, cujos acionistas não deixarão de
enriquecer graças à ocasião.
(...) artigo completo
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