Vasco Gargalo
António Garcia Pereira
«Finalmente,
para comunicar com o público, o Governo tratou de escolher duas
pessoas: por um lado, a Directora-Geral de Saúde, Dra. Graça
Freitas, pessoa tecnicamente competente, mas extremamente lenta nas
decisões e incapaz no campo da comunicação com o público; por
outro, a própria Ministra da Saúde, em quem mais do que
justificadamente ninguém acredita, sobretudo quando se põe a falar
de números. Isto, porque foi demitida do cargo de Presidente da
Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) pelo anterior
Ministro Adalberto Campos Fernandes por um relatório de auditoria do
Tribunal de Contas ter posto a nu a completa manipulação, leia-se:
falsificação, dos dados relativos às listas e aos tempos de espera
dos doentes do SNS. É esta pessoa que tem o desplante de vir agora
elogiar muito os grupos profissionais, em particular os enfermeiros e
os médicos, que ela tanto atacou e até insultou há pouco tempo
atrás. O que poderia então o Governo esperar da capacidade de
ligação de um personagem como este com os cidadãos em geral que
não fosse o desinteresse ou até o desprezo por parte dos mesmos
cidadãos?
O que
fazer então?
Os
cálculos matemáticos da epidemiologia apontam para que, no espaço
de uma semana, tenhamos qualquer coisa como 40 mil infectados pelo
COVID-19. Ora, do que já se conhece dos outros Países, 80% (32.000)
não representarão problemas, 15% (6.000) terão de ser tratados,
mas não constituirão fonte de particular preocupação e 5% (2.000)
constituirão um problema de saúde, e bem grave.
Há,
pois, que preparar tudo para tratar bem, e de forma emergente, estes
nossos concidadãos. Porém, neste momento, os ventiladores
existentes no SNS são 1.142 e cerca de 250 nos privados, não
chegando, pois, aos 1.500. E as vagas em unidades especializadas
(como as de cuidados intensivos) são cerca de 940. Precisamente por
não se ter tratado destas questões há 2, 3 ou mesmo mais semanas
atrás, estão a verificar-se no presente momento enormes
dificuldades na respectiva aquisição, que têm de ser vencidas.
E,
sobretudo, e conforme recomenda a OMS e aconselham os médicos da
cidade de Wuhan (que venceu o vírus e acabou de encerrar o último
hospital de combate ao COVID-19), trata-se agora de testar, testar,
testar sempre, sem constrangimentos administrativos ou financeiros. O
que significa que é um perfeito e crasso erro negar ou, pelo menos,
suscitar toda a sorte de entraves aos doentes dos médicos dos
Centros de Saúde e dos Hospitais que entendem que tais pacientes
deviam fazer o teste. A sua realização devia ser, não entravada,
mas antes facilitada em toda a linha.
Finalmente,
é absolutamente essencial constranger ao máximo a propagação do
vírus. Devíamos tê-lo começado a fazer há várias semanas atrás,
mas, ainda que com esse grande atraso, temos agora de tudo fazer para
travar o mais possível a sua progressão. E todas as medidas de
constrição de contactos, cautelas preventivas das movimentações e
concentrações de pessoas e até mesmo o fecho de fronteiras,
sobretudo aéreas, mas também terrestres, devem ser vistas como
necessárias e ser adoptadas a 100%. Mas, para tal, repito, não era
precisa a declaração do estado de emergência que, suspendendo os
direitos, liberdades e garantais fundamentais dos cidadãos –
incluindo o basilar direito de resistência a ordens ilegais,
consagrado no art.º 21º da Constituição – tem por pressuposto
uma situação não apenas de calamidade, como de incapacidade de as
instituições democráticas e os principais serviços públicos
funcionarem.
Ora,
estamos nós numa situação em que, por virtude da calamidade do
COVID-19, não haja nem água, nem electricidade, nem gás, nem
recolha de lixo, em que se sucedam os assaltos e as pilhagens, em que
não há telefones, fixos os móveis, que funcionem e em que a
situação que se vive é próxima do completo caos? É óbvio que
não! E por isso, mesmo face a uma situação de calamidade, não se
justifica que aquilo que tenha sido decretado seja o estado de
emergência, e não, por exemplo, o estado de calamidade a nível
nacional.
Mas a
verdade é que, para além de tudo isto, se abriu também um
perigosíssimo precedente para que, no futuro, quem tenha o poder nas
mãos, perante uma vaga de protestos, de manifestações e de greves
contra as políticas sociais, económicas e laborais de um dado
Governo, e com argumentações muito semelhantes às de agora, se
promova o decretamento do estado de emergência e assim se consigam
suspender todos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos por
um período inicial de 15 dias que, através da sua sucessiva
prorrogação, se pode transformar num tempo indeterminado.
Foi a
isto, verdadeiramente, que os cidadãos justamente preocupados com o
COVID-19 quiseram abrir a porta?
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