terça-feira, 17 de março de 2020

Covid-19: Casa assaltada trancas à porta



O Governo esteve à espera das decisões e recomendações das diversas estâncias da União Europeia para tomar medidas efectivas sobre a prevenção e, posteriormente, contenção da pandemia por coronavirus, parecendo que nada aprendeu com os outros países onde o aparecimento se deu mais cedo e limitando-se agora a correr atrás do prejuízo.
O Governo e, nomeadamente, a ministra da Saúde negligenciaram os casos, que surgiram logo no início, de doente com pneumonia, internados no Hospital de Santa Maria, e que se pensava que seriam de pneumonia atípica, mas logo que se efectuou o teste se constatou que se tratava de infecção por coronavirus. Ora, o elevado número de mortes na Itália é explicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) pelo facto de as autoridades de saúde não terem sido capazes de detectar a propagação logo no início. Ficou-se à espera que o coronavirus não quisesse nada connosco, as consequências estão e poderão ser trágicas.
O elevado número de infectados e de mortes na Itália, país considerado pela OMS como o centro de propagação do Covid-19 na Europa, e o mais afectado a seguir à China, com já 23 mil pessoas diagnosticadas com o coronavirus e com o número de mortes a passar os 2150, e se o perfil da maior parte dos mortos neste país se assemelha aos da China, maior incidência nos indivíduos do sexo masculino e em idosos, contudo, a incidência é três vezes superior (7,7% contra 2,3%) na Itália do que na China pela simples razão de que naquele país europeu a população é muito mais idosa: enquanto na China 60% da população tem menos de 39 anos, na Itália, como em Portugal, é exactamente o contrário, 60% tem mais de 40 anos. Deve-se esperar pelo pior, embora não deixando de ser optimistas.
Em Portugal o primeiro óbito de doente por coronavirus foi um homem de 80 anos com várias comorbilidades, ex-massagista e ex-enfermeiro, e neste momento estão confirmados no país 451 casos positivos de Covid-19, com a região Centro a registar 51 casos, dos quais 30 são no concelho de Ovar, o que obrigou o Governo a decretar o estado de calamidade pública neste concelho. Vinte por cento dos infectados serão médicos e outro pessoal de saúde. O ter reagido tarde será razão pela qual agora se corre a minimizar o prejuízo.
Devemos lembrar que o Governo demorou 15 dias a encerrar as escolas depois da recomendação feita por instituição da comunidade europeia, as escolas seriam encerradas apenas casuisticamente, e depois do ministro da Administração Interna dizer que encerrar fronteiras não tinha sentido, ao mesmo tempo que turistas, não podendo desembarcar no porto de Lisboa, vêm de autocarro do porto de Cádiz e entram no país, lá se encerrou a fronteira terrestre e mesmo assim só após conferência entre os dois primeiros-ministros.
A ministra da Saúde fala em “situação de guerra” e em “tsunami do coronavirus”, no entanto, Portugal é o país da Europa com menor número de camas de cuidados intensivos per capita, três vezes inferior ao de Itália e sete vezes inferior ao da Alemanha, e simultaneamente tanto a ministra como o Governo são responsáveis pela descapitalização do SNS em recursos humanos e materiais. Agora, com o rabo a arder, prometem a contratação de mais mil enfermeiros e mais 1800 médicos, em contratos temporários de 4 meses, aquisição de mais kits para análises, mais ventiladores, contratações e aquisições sem necessidade do visto do Tribunal de Contas, para fazer frente a uma calamidade que poderia ter sido atacada mal ela se manifestou. Ficou-se à espera.
E mesmo agora é notória a preocupação dos nossos (des)governantes ser maior com assuntos relacionados com a economia do que com a saúde e o bem-estar dos portugueses. A demora em tomar medidas firmes e céleres parece que se prendeu com o não prejudicar os negócios das empresas e, em particular, do turismo, com os dirigentes do sector a vir queixar-se com um possível prejuízo de mil milhões de euros que já não serão irrecuperáveis. Enquanto que se continua a poupar no material, nas luvas e nas máscaras, com publicidade de que usar máscara poderá ser contraproducente em caso de não se estar infectado, gostaríamos de ver algum desses defensores do não uso de máscara a tratar de um doente infectado e em isolamento sem máscara, e já agora sem luvas, sem óculos, sem bata de protecção e avental, ao arrepio do estipulado pelas normas existentes em todos os hospitais (por exemplo aqui) e no programa de controlo da infecção da própria DGS (programa-nacional-de-controlo-da-infeccao). É do conhecimento do pessoal de enfermagem as diretivas difundidas pelos enfermeiros chefes dos hospitais, nomeadamente do CHUC, sobre esta questão, chegando alguns deles a esconder as máscaras para que não esgotem!
Esta é uma óptima altura para os sindicatos da classe dos enfermeiros apresentarem ao governo reivindicações que foram ou esquecidas ou enfiadas na gaveta depois das últimas greves de 2019. Às organizações da classe, a começar pelo SEP, auto-considerado o maior dos sindicatos dos enfermeiros mas que parece ter entrado na clandestinidade desde que o PS foi para o governo, e acabar nos restantes onde se inclui a Ordem e o Sindepor, cujo presidente ainda deve estar em estado de vigília, não na greve de fome porque já teria morrido e não há notícia de tal ter acontecido, e do famigerado Movimento Nacional dos Enfermeiros, que encerrou a página do facebook em Junho do ano passado e jamais deu sinal de vida, fazemos o apelo para que digam ao governo que os enfermeiros estão na primeira linha de combate a todas as pandemias, mas devem ser recompensados em conformidade: mais salário numa carreira mais dignificada e valorizada, contratação do número de enfermeiros em falta no SNS, passagem dos contratos temporários a definitivos, acabar com os CITs e aplicação do regime de exclusividade.

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