sábado, 8 de fevereiro de 2020

Com este Orçamento vai manter-se o subfinanciamento do SNS


Eugénio Rosa
Contrariamente ao que afirmou o governo (1º ministro e ministra da Saúde) o subfinanciamento crónico do SNS pelo OE vai continuar em 2020 assim como vai continuar a enorme divida do SNS a fornecedores privados. Vai manter-se a política de destruição do SNS em benefício dos lucros do negócio privado da saúde.
(Resumo)
EM 2020 AS TRANSFERÊNCIAS DO OE PARA O SNS INFERIORES ÀS DESPESAS EM 809 MILHÕES €
No período 2014 -2020, as transferências do OE para o SNS somaram 61.109 milhões €, e a despesa do SNS foi de 68.697 milhões €, portanto registou-se um saldo negativo de -7.588 milhões €. No período de governos PS (2016/2020) o saldo negativo foi de -5.365 milhões €. Mesmo em 2020, em que o atual governo anunciou que iria acabar o subfinanciamento crónico do SNS, a previsão é que a despesa seja superior às transferências do OE em 809 milhões €. Mesmo adicionado as taxas moderadoras – 170M€/ano- a receita continua a ser muito inferior à despesa. Daí o crescimento ininterrupto da divida que continuará em 2020.
A realidade é bem diferente das declarações governamentais que servem para a propaganda.
A DIVIDA ENORME DO SNS A FORNECEDORES PRIVADOS MANTER-SE-Á EM 2020
Uma outra declaração do actual governo que não tem também correspondência no real, é a resolução da enorme divida do SNS, consequência do subfinanciamento crónico pelo OE.
Em Novembro de 2019, a divida total do SNS a fornecedores privados atingia 1.989 milhões €, e a vencida (a que ultrapassava o prazo acordado de pagamento) era de 1.309 milhões €. Em relação ao do ano de 2018 não se verificou qualquer melhoria pois, no 3º Trimestre de 2018, a divida total somava 1.950 milhões €.
Esta enorme divida é causa de má gestão (não permite qualquer planeamento e obtenção de descontos nas compras), de custos excessivos (os fornecedores naturalmente incluem no preço uma taxa pelos atrasos), e contribui para o agravamento das dificuldades e da degradação do SNS pois impede que adquira a tempo e horas e com qualidade o que precisa.
E vai continuar a aumentar em 2020, porque, por um lado, as transferências do OE para o SNS (10.290M€) são insuficientes para cobrir as despesas previstas (11.090M€) como mostramos, e, por outro lado, o reforço do orçamento dos hospitais realizado em Dez.2019 para pagar a divida existe foi manifestamente insuficiente.
Segundo o chamado “Plano de Melhoria da Resposta do SNS”, aprovado em Dez.2019 através da RCM 198/2019, o governo, no ponto 14, refere “como medida adicional para 2019 , um reforço de 550 milhões € destinados à redução do actual stock de pagamentos em atraso (divida) Do SNS” (Ponto 14).
Em Novembro de 2019, portanto não incluía o mês de Dezembro, a divida do SNS aos fornecedores privados já atingia 1.989 milhões €. Se deduzirmos os 550 milhões € ainda ficam por pagar 1.439 milhões €, que transitaram para 2020. Afirmar, como faz o governo na sua campanha de propaganda que a situação do SNS vai melhorar em 2020 é não falar verdade para não utilizar outras palavras.
O INVESTIMENTO RIDÍCULO EM 2020 EM NOVOS HOSPITAIS CONTRARIA AFIRMAÇÕES DO GOVERNO
Um dos aspectos da campanha de propaganda do governo é que vai fazer grandes investimentos em novos hospitais prometidos mas nunca realizados. Comparemos estas promessas com a realidade.
Exceptuando o Hospital da Madeira, cujos 62 milhões € foram concedidos em troca da abstenção no OE 2020, o investimento que resta para 5 grandes hospitais em 2020 – Lisboa Oriental, Seixal, Sintra, e Alentejo – é ridículo e simbólico pois como ele praticamente nada se pode fazer (41 milhões €).
O total de 950 milhões € que consta do quadro é para o futuro, mas não se sabe quando será realizado. Mas é desta forma que se desinforma e manipula a opinião publica criando falsas expectativas (a 1ª pedra do Hospital do Seixal já foi lançada pelo governo de Sócrates mas ainda não passou da 1ª pedra. E a ministra ainda veio prometer mais um hospital para o Algarve).
A DEGRADAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E DE REMUNERAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE VAI CONTINUAR EM 2020, APESAR DE SER UMA CAUSA IMPORTANTE DA DESTRUIÇÃO DO SNS
Há uma incompreensão das condições de trabalho, de carreira profissional e de remunerações dos profissionais de saúde no SNS que são degradantes, que estão a destruir o SNS, e a alimentar a explosão do negócio privado da saúde em Portugal.
A falta de profissionais dedicados em exclusividade ao SNS é actualmente o problema mais grave deste. A nova lei de bases de saúde aprovada em 2019 foi uma oportunidade perdida. Ela não dá resposta aos maiores problemas do SNS. O OE 2020 é a prova disso. No SNS, com a introdução do Contratos Individuais de Trabalho instalou-se a selva laboral, onde profissionais a fazer o mesmo têm contratos de trabalho com remunerações muito diferentes.
As carreiras médicas foram destruídas perante a passividade da A. República. A compra de horas de médico (100 M€/ano) impera. A lei que permitia a exclusividade no SNS foi abolida em 2009. A promiscuidade dos profissionais que trabalham simultaneamente em hospitais públicos e privados multiplicou-se afectando mesmo a sua consciência ética e o seu sentido de dever público, reduzindo drasticamente a sua produtividade, o que agrava as dificuldades do SNS.
O investimento no SNS é mínimo, degradando as condições de trabalho dos profissionais. E o OE 2020 não permite melhorar as condições de vida e de trabalho dos profissionais de saúde. Em 2019, segundo o governo (pág. 37 da Nota Explicativa do MS) as despesas com pessoal atingiram 4.371 milhões €, ou seja, mais 285 milhões € do que em 2018. Para 2020, foram orçamentados apenas 4.547 milhões € de despesas de pessoal para o SNS, só mais 176 milhões € do que em 2019. Com tal aumento é impossível garantir carreiras e remunerações dignas aos profissionais de saúde. E assim o SNS continuará a ser destruído e o negócio privado de saúde continuará a ser alimentado. Mas nenhum partido na Assembleia da República se preocupa verdadeiramente com isto considerando mais importante a descida do IVA da electricidade. A cegueira política continua.
Mas assim se destrói uma das principais conquistas de Abril vital para os portugueses e para combater as graves desigualdades que continuam a existir no país. À direita que quer destruir o SNS ainda se compreende, mas à esquerda não, tem de ser mais firme e actuante se não quiser que o SNS seja destruído».
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