sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O ataque à Ordem dos Enfermeiros – Santa inspecção ou Santa inquisição?


por António Garcia Pereira
1. O (des)respeito pelos princípios 
Passadas as (infelizmente, já habituais) manobras de contra-informação e de manipulação acerca da Ordem dos Enfermeiros levadas a cabo pelo Governo, fazendo escorregar para a Comunicação Social alguns, e apenas alguns, dos elementos do processo contendo a versão governamental, eis que, com o conhecimento de alguns dos pontos da defesa apresentada pela mesma Ordem, se vão conhecendo diversas realidades, cada uma delas mais estarrecedora do que a outra.
E a primeira e essencial questão que deve ser colocada não é se gostamos, ou não, da Ordem dos Enfermeiros, dos seus actuais dirigentes ou sobretudo da sua Bastonária, ou se concordamos, ou não, com as suas ideias políticas, profissionais ou outras. Tal como sempre afirmei[1], se nos prezamos de ter princípios, não é por não gostarmos de alguém ou por dele discordamos com firmeza e veemência que poderemos achar bem que esse mesmo alguém seja alvo de malfeitorias e de incorrecções, e muito menos de práticas absolutamente indignas e impróprias de uma sociedade que pretende ser um Estado de direito democrático.

2. Truques para violar o direito de defesa
Ora, acontece que, de um relatório de 825 folhas (ou seja, de 1650 páginas!) que levou pelo menos 3 meses a ser elaborado, a Ministra da Saúde usou do truque de apenas notificar a entidade visada (a Ordem dos Enfermeiros) do relatório e despacho finais (cerca de 25 folhas), não remetendo nem disponibilizando cópia da integralidade do processo e só a entregando largo tempo depois, através da emissão de uma certidão, mas contando o prazo de pronúncia desde o primeiro momento. Esta habilidade fez com que a Ordem apenas dispusesse do exíguo prazo de 5 dias úteis para se pronunciar e responder, e ainda assim sem que lhe tenham sido entregues alguns dos alegados elementos de prova referidos no dito relatório (um suporte digital, um CD e uma pen). O que consubstancia, desde logo, uma grosseira e inaceitável violação do contraditório e do direito de defesa, tão flagrante quanto reveladora das reais intenções da Ministra da Saúde que foi quem, por despacho de 16/4/19, precisamente ordenou, e com carácter de urgência, a sindicância à Ordem dos Enfermeiros. 
(...)
5. Uma Ministra preconceituosa e especialista na manipulação

Por seu turno, a Ministra da Saúde Marta Temido já há muito que tinha revelado os seus pré-juízos sobre a Ordem dos Enfermeiros e sobre a sua Bastonária e quais as suas reais intenções. Quando era Presidente da ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, aí[6]procedia à manipulação das estatísticas oficiais relativas às listas e aos tempos de espera de consultas e de cirurgias, com “iniciativas centralizadas, em 2016”, as quais “incluíram a eliminação administrativa de pedidos com elevada antiguidade falseando os indicadores de desempenho reportados”, fazendo com que, também por essas razões, o mesmo Tribunal de Contas concluísse que “a qualidade da informação disponibilizada publicamente pela ACSS, IP sobre as listas de espera não é fiável”.
Ora, já nessa altura, e pensando, pelos vistos, que as contas consolidadas se afeririam pela mera soma aritmética das contas parcelares e julgando ter aí encontrado um pretexto para aquele que já então – no final de 2017, note-se! – era o seu principal objectivo (atacar a Ordem dos Enfermeiros e sobretudo a sua bastonária), solicitou ao Secretário de Estado da Saúde, Dr. Fernando Araújo, que este ordenasse a por ela já tão desejada sindicância à Ordem dos Enfermeiros, o que o mesmo governante então recusou liminarmente.
Ora, após ter sido afastada da presidência da ACSS pelo então ministro da Saúde, Dr. Adalberto Campos Fernandes, devido ao referido relatório de auditoria do Tribunal de Contas, António Costa foi buscá-la para a nomear Ministra da Saúde, julgando a mesma ter ficado “com a faca e o queijo na mão”. E daí ter ordenado, após a greve dos enfermeiros e a titânica luta destes pela dignidade da sua profissão, as medidas persecutórias que Fernando Araújo recusara…
Porém, como se isto tudo ainda não bastasse, a ministra Marta Temido ainda pôs mais a nu, não apenas a natureza parcial e pré-concebida da sua posição, como também que, com a tal sindicância, não se tratava de averiguar, séria, objectiva e imparcialmente qualquer verdade dos factos, mas sim obter a todo o custo o afastamento da Bastonária, chegando mesmo ao ponto de afirmar publicamente[7], e antes do contraditório da Ordem (!), que a sindicância revelaria “indícios comprometedores (…) suficientes para ditar o afastamento da Bastonária” e que teria “capacidade para ser afastada por uma medida que entenda ser a correcta”.
Em suma, esta sindicância foi ordenada e executada por todo um conjunto de “bons rapazes” e de “boas raparigas”, todos eles com mais que evidentes circunstâncias factuais absolutamente adequadas a fazer duvidar, séria e fundadamente da sua imparcialidade!…

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