quarta-feira, 17 de julho de 2019

Esta é a acusação mais grave e séria: a UE “provocou conscientemente a morte de mais de 14 mil pessoas”


Vasco Gargalo
«A chanceler alemã, Angela Merkel, recebeu a 17 de janeiro de 2017 uma nota com pormenores assustadores. Um diplomata da embaixada da Alemanha no Níger escreve-lhe que visitou os campos de detenção na Líbia e comparou o que viu aos campos de concentração durante o Holocausto, “com execuções, tortura, abusos sexuais e extorsões todos os dias”, sendo ali cometidas “as mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos”. Entre 2016 e 2018, mais de 40 mil pessoas foram trazidas dos barcos em que tentavam fugir de regresso a estes centros. Duas semanas depois daquele aviso, a 3 de fevereiro, os líderes da UE encontraram-se em Malta e assinaram mesmo assim um protocolo de cooperação com as autoridades líbias. Foram mobilizados 200 milhões de euros para parar, ou pelo menos reduzir em muitas centenas, o fluxo migratório.
Esta é uma das razões que levaram Juan Branco, advogado franco-espanhol que estagiou no Tribunal Penal Internacional (TPI), a desenvolver, em conjunto com o advogado israelita Omer Shatz, um processo penal contra Estados-membros da UE e diretores-gerais da Comissão Europeia. A outra tem que ver com o fim, em 2014, da operação de salvamento Mare Nostrum, que era financiada por Itália e permitiu salvar milhares de pessoas - mas depois as mortes aumentaram com o fim dessa operação. Segundo números da Organização Internacional das Migrações, 3.200 migrantes morreram afogados em 2014, em 2015 esse número subiu para 4.000 e em 2016 para 5.000. “Estamos a acusar dirigentes europeus e funcionários da UE, assim como os governos de alguns dos seus Estados-membros, por terem deixado morrer ou provocar conscientemente a morte de mais de 14 mil pessoas entre 2014 e 2018, pessoas que eram civis e que foram atacadas de maneira sistemática e generalizada”, explica Juan Branco em entrevista ao Expresso.
O processo deu entrada no TPI a 3 de junho e há agora dirigentes e funcionários da União Europeia formalmente acusados de crimes contra a humanidade. É a acusação mais séria que alguém pode enfrentar e não é todos os dias que somos obrigados a olhar para os representantes de um organismo criado para servir a paz como gente que deixou outra gente morrer, consciente de que era isso que fazia. Se o caso seguir para a fase de investigação, Juan Branco já não ficará totalmente desiludido com as instituições de uma Europa que também é sua - conhece a realidade do TPI “a partir de dentro” e por isso acredita que não pode esperar tudo. “Teoricamente não é preciso coragem para investigar Bruxelas, não há violência política, ninguém é preso por fazer perguntas, entra-se e sai-se à vontade”, mas na prática talvez seja diferente: “A ideia de que as pessoas com quem eles convivem e se sentam a beber cocktails possam estar a cometer crimes horríveis é impossível de conceber para os que trabalham no tribunal. É uma questão psicológica”, diz o advogado, de 30 anos.» 

por Joana Lopes em http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com

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