Vasco Gargalo
«A
chanceler alemã, Angela Merkel, recebeu a 17 de janeiro de 2017 uma
nota com pormenores assustadores. Um diplomata da embaixada da
Alemanha no Níger escreve-lhe que visitou os campos de detenção na
Líbia e comparou o que viu aos campos de concentração durante o
Holocausto, “com execuções, tortura, abusos sexuais e extorsões
todos os dias”, sendo ali cometidas “as mais graves e
sistemáticas violações dos direitos humanos”. Entre 2016 e 2018,
mais de 40 mil pessoas foram trazidas dos barcos em que tentavam
fugir de regresso a estes centros. Duas semanas depois daquele aviso,
a 3 de fevereiro, os líderes da UE encontraram-se em Malta e
assinaram mesmo assim um protocolo de cooperação com as autoridades
líbias. Foram mobilizados 200 milhões de euros para parar, ou pelo
menos reduzir em muitas centenas, o fluxo migratório.
Esta é
uma das razões que levaram Juan Branco, advogado franco-espanhol que
estagiou no Tribunal Penal Internacional (TPI), a desenvolver, em
conjunto com o advogado israelita Omer Shatz, um processo penal
contra Estados-membros da UE e diretores-gerais da Comissão
Europeia. A outra tem que ver com o fim, em 2014, da operação de
salvamento Mare Nostrum, que era financiada por Itália e permitiu
salvar milhares de pessoas - mas depois as mortes aumentaram com o
fim dessa operação. Segundo números da Organização Internacional
das Migrações, 3.200 migrantes morreram afogados em 2014, em 2015
esse número subiu para 4.000 e em 2016 para 5.000. “Estamos a
acusar dirigentes europeus e funcionários da UE, assim como os
governos de alguns dos seus Estados-membros, por terem deixado morrer
ou provocar conscientemente a morte de mais de 14 mil pessoas entre
2014 e 2018, pessoas que eram civis e que foram atacadas de maneira
sistemática e generalizada”, explica Juan Branco em entrevista ao
Expresso.
O
processo deu entrada no TPI a 3 de junho e há agora dirigentes e
funcionários da União Europeia formalmente acusados de crimes
contra a humanidade. É a acusação mais séria que alguém pode
enfrentar e não é todos os dias que somos obrigados a olhar para os
representantes de um organismo criado para servir a paz como gente
que deixou outra gente morrer, consciente de que era isso que fazia.
Se o caso seguir para a fase de investigação, Juan Branco já não
ficará totalmente desiludido com as instituições de uma Europa que
também é sua - conhece a realidade do TPI “a partir de dentro”
e por isso acredita que não pode esperar tudo. “Teoricamente não
é preciso coragem para investigar Bruxelas, não há violência
política, ninguém é preso por fazer perguntas, entra-se e sai-se à
vontade”, mas na prática talvez seja diferente: “A ideia de que
as pessoas com quem eles convivem e se sentam a beber cocktails
possam estar a cometer crimes horríveis é impossível de conceber
para os que trabalham no tribunal. É uma questão psicológica”,
diz o advogado, de 30 anos.»
por Joana Lopes em http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com
por Joana Lopes em http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com
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