Homem operado ao olho errado em Coimbra. Clínica questionou "preferência"
É o
título da notícia que dá conta de um cidadão que, enviado do CHUC para a
clínica privada Sanfil a fim de ser intervencionado ao olho esquerdo para
remoção de catarata, acabou por ser operado ao olho direito. Uma pequena falha,
porque não foi no SNS! Não parece ter sido abertura de telejornal nas
televisões privadas nem fez primeira página na imprensa escrita mainstream, não
interessa denegrir o privado, muito menos agora quando se encetou uma campanha mórbida
contra o público devido às falhas dos serviços de urgência de obstetrícia e
ginecologia em alguns hospitais do SNS.
A
história conta-se rapidamente. O doente, de sexo masculino, foi enviado pelo
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no quadro do Sistema Integrado de
Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), para a Sanfil – Casa de Saúde de
Santa Filomena, também em Coimbra, em 8 de Maio de 2021, onde foi operado ao
olho errado, foi ao direito em vez do esquerdo. Terá havido alguns erros por
parte da clínica e do médico, segundo a ERS (Entidade Reguladora da Saúde) que
dá a conhecer o caso: primeiro, não foi respeitado o prazo previsto na lei
entre aceitação do VC (vale de cirurgia) pelo hospital de destino (15 de Abril
de 2021) e a realização da cirurgia (8 de Maio de 2021); segundo, a Sanfil
questionou o utente sobre qual o olho a operar em vez de confirmar na
documentação enviada pelo CHUC e caso esta fosse omissa ou pouco clara – a
clínica privada desculpa-se por falta desta informação em campo próprio da
documentação electrónica, mas constava em outra documentação enviada, segundo a
ERS –, o esclarecimento seria sempre dada por esta última instituição, o que
não aconteceu por não ter sido solicitado. Depois do erro, o doente foi
devolvido à precedência, onde foi operado ao olho doente, o olho esquerdo, em 16
de Dezembro de 2021, e “recebido o acompanhamento pós-cirúrgico
subsequentemente”.
Diversas
perguntas se poderão fazer de imediato:
Por
que carga de água há listas de espera em oftalmologia para intervenções
cirúrgicas se os médicos quase se estorvam uns aos outros no serviço?
Por
que razão são estas intervenções, as mais fáceis de fazer, enviadas para os
privados?
Qual
foi a razão para a criação do tal Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para
Cirurgia (SIGIC) em vez de se dotar o CHUC, neste caso concreto, do número de
profissionais de saúde ou até salas operatórias para se dar vazão às cirurgias?
Será um boicote por parte dos médicos para irem fazer no privado o que não
fazem, e deviam fazer, no público?
Quantos
médicos oftalmologistas do CHUC estão em dedicação exclusiva, sabendo-se que
muitos não são assim tão jovens?
Quem
é responsável pelo erro ocorrido na Sanfil, a clínica ou o médico que operou o
olho errado, sabendo-se que aqui os médicos trabalham em regime de empresário e
não de funcionário?
Quem
é o médico responsável pelo erro, por que não é conhecido o nome, será que
também trabalha no CHUC?
Por
que razão as asneiras feitas no privado são depois emendadas no público, não
deveria ser o SNS indemnizado pelo privado em situações desta natureza?
Haverá
comissões a correr por debaixo da mesa neste outsourcing, sendo conhecido o
historial da Sanfil que, já há alguns anos, foi acusada de ter sido favorecida por
um dirigente da ARS Centro, responsável pela contratação das cirurgias, que
depois, e como recompensa, foi ocupar lugar privilegiado naquela clínica?
Outras
questões se poderiam colocar, mas uma coisa é certa: o serviço de oftalmologia
do CHUC, e que nós conhecemos bem, é um serviço de referência e até de
excelência não fosse o facto de a grande maioria dos médicos, com especial
realce para os mais graduados, incluindo professores, acumularem o público com
o privado e, aqui, em vários sítios.
É
este um dos problemas que contaminam o SNS em geral e que a Ordem dos Médicos
não quer encarar de frente, preferindo assobiar para o lado, reivindicando
agora salários equiparados aos dos magistrados. E a exclusividade, não a “dedicação
plena” que é coisa demasiado ambígua, não é para implementar, segundo a douta
opinião do sor dotor, assim como, diga-se em abono da verdade, da Ordem
dos Enfermeiros ou dos sindicatos do sector.
Parece
que a pressa em enriquecer é mais importante do que fazer face às longas listas
de espera para consultas, exames e cirurgias. Alguns oftalmologistas do CHUC, e
agora voltando ao tema que origina a notícia, talvez mais honestos ou
apressados na acumulação de riqueza, deixaram o público e estabeleceram-se na
cidade como empresários da saúde oftálmica. E é este o caminho que a saúde leva
em Portugal, tornar-se uma actividade económica como qualquer outra e onde
alguns (poucos) possam enriquecer à tripa forra. No final, o contribuinte paga,
e paga duas vezes.
Dois
reparos para concluir:
Um, é
recorrente a imprensa não identificar o médico ou médicos envolvidos em
eventuais erros ou negligências, contudo, há dois ou três dias, senão estamos
em erro, uma jornalista reclamava na televisão do grupo Cofina, Correio da
Manhã/TV-Media, a prisão de um médico obstetra que ela responsabilizava pela
morte do seu bebé, que não terá sobrevivido pela hesitação daquele clínico em
recorrer de imediato a uma cesariana, tendo sido dado a conhecer não só a sua identificação
como a fotografia que, por curiosidade, mostrava um indivíduo de raça negra. Claro
que a mensagem que passou era de que pretos como médicos só farão asneira;
ainda estamos à espera da reacção da Ordem dos Médicos, tão lesta a defender em
termos corporativos os associados, em denunciar esta mensagem que, embora
subliminar, não deixa de ser racista.
Outro,
este caso do doente que foi operado ao olho errado mostra, mais uma vez, que a
saúde privada funciona em relação ao SNS como o parasita que vive sugando o
hospedeiro, mas que o não pode matar por exaustão, porque, caso isso aconteça,
ele próprio perecerá. Assim vai o nosso Serviço Nacional de Saúde, agora
sujeito a uma tremenda campanha, onde alguns médicos vão tomando parte activa,
e não só a Ordem na pessoa do bastonário, no sentido claro de o degradar o mais
possível para assim justificar a privatização da saúde em Portugal através de
uma participação cada vez maior não só do sector privado como do dito “social”,
este duplamente subsidiado pelos dinheiros público, num futuro SISTEMA Nacional de Saúde onde a parte pública será o
parente pobre para os mais carenciados. E lá se irá a última conquista do 25 de
Abril, porque quanto às outras, mais não são do que formais.
A notícia
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