sábado, 17 de julho de 2021

RECONQUISTAR O DIREITO A VIVER

 

Jorge Torgal, António Ferreira e mais 19 médicos e farmacêuticos assinam este artigo, pedindo uma gestão diferente, mais racional e que outras vozes sejam ouvidas.

Destaque: “Não é razoável que se combata a atual situação — já não pandémica, mas endémica — recorrendo a medidas “sanitárias”. É tempo de reconquistarmos o direito a viver.”

 “Comecemos pelos factos. Nos últimos 14 dias*, a taxa de mortalidade da covid-19 foi de 0,03/100.000, contra uma taxa de mortalidade por outras doenças e causas de morte de 2,7/100.000. A média de doentes internados por covid-19 foi de 528,7, num total de cerca 21 mil camas do SNS, em que 17.700 foram dedicadas à covid-19. A média de doentes internados em unidades de cuidados intensivos foi de 121,9 — para uma lotação média de 639,8 camas, em 2020, segundo dados da ACSS, e um pico de 1008, excluindo unidades coronárias, pediátricas e de queimados. A incidência de testes positivos foi de 254,8/100.000, mas a verdadeira incidência da covid-19 é desconhecida.

No mesmo período, a taxa de doentes em estado grave ou muito grave — doentes admitidos em cuidados intensivos sobre o número de casos ativos — foi de 0,35%.

De acordo com os últimos dados divulgados, a “incidência” de infeção entre os que completaram o plano de vacinação é de 0,01%.

Face a este quadro, é nosso entendimento que não se justificam medidas extraordinárias de confinamento e supressão da atividade social e económica. As correntes de opinião que defendem essa atuação fundamentam o seu apelo em três motivos: 1. a evolução crescente da incidência de testes positivos; 2. a aclamada letalidade da “variante indiana”, por atingir os mais jovens e saudáveis, sem compreenderem que, à medida que a cobertura vacinal imuniza os mais idosos, o vírus, felizmente, só pode circular entre os mais jovens; 3. e, por último, o risco falacioso de colapso do sistema de saúde.

Nenhum destes argumentos tem sustentação: o primeiro, porque o tantas vezes proclamado aumento da incidência reflete o aumento de incidência de infeção — e do número de testes positivos — e não a verdadeira incidência da doença. Quantos mais testes forem realizados, e devem realizar-se, maior será o número de casos positivos; o segundo, pelas razões já apontadas; e o terceiro, porque em nenhum período da pandemia se verificou, em Portugal, um colapso do sistema de saúde – e essa situação, perante os números atuais, também não ocorrerá nem no presente nem no futuro previsível.

De facto, a média das taxas de ocupação das camas hospitalares do SNS foi, em 2020, em pleno período pandémico, sempre inferior à de 2019 (7% inferior). Nos seis maiores hospitais portugueses esta diferença foi de 10%. Do mesmo modo, a pressão sobre os serviços de urgência foi menor em 2020 (em pleno período pandémico) do que em 2019 (o número de episódios de urgência foi 28% inferior). Além disto, a taxa de ocupação das unidades de cuidados intensivos em 2020 (neste caso, as existências diárias sobre o número de camas disponíveis) foi, também, mais baixa do que em 2019 (77,3%, em média, em 2019, contra 61,6%, em média, em 2020). Isto porque, apesar do aumento de admissões em unidades de cuidados intensivos no final de 2020, foi possível incrementar significativamente o número de camas disponíveis.

Defendemos naturalmente que a resposta à pandemia seja prioritária e que não pode de forma alguma deixar de ser uma preocupação em Portugal, tal como em todo o Mundo. Contudo, estamos numa fase endémica e apenas o desconhecimento sobre o que se passa realmente no terreno pode levar a adiar novamente a necessidade de instalar um sistema de monitorização em tempo real, informatizado e centralizado, das camas hospitalares, fator que, durante o último ano, levou a que se procedesse a um encerramento da prestação de cuidados de saúde a doentes não covid-19, o qual está a ter, e continuará a ter no futuro, consequências desastrosas em termos de morbilidade e mortalidade (neste último caso, afetando, também gravemente, as idades pediátricas). E este é um aspeto determinante a ter em conta na denominada “matriz de risco”. Porque o risco de morrer por uma doença que não a covid-19 está, esse sim, a aumentar em Portugal. Além disso, a vacinação não pode ser ignorada como uma arma eficaz e protetora da transmissão e da doença grave.

A humanidade passará a conviver, em situação endémica, com este novo vírus, tal como convive com muitos outros. Haverá, sempre, a possibilidade de ocorrerem surtos.

É possível delinear uma estratégia que, evitando a utilização das erradas medidas de confinamento geral, seja eficiente:

- aceleração da vacinação, simplificando o processo (excessivamente consumidor de recursos humanos, que fazem falta nos centros de saúde para o normal atendimento dos doentes), envolvendo-se agentes da sociedade civil no processo (como, por exemplo, as farmácias), de modo a aumentar rapidamente a cobertura vacinal;

- aperfeiçoamento da vigilância epidemiológica, a qual tem sido um insucesso em Portugal;

- cessação de medidas avulsas de fim de semana e outras do mesmo tipo, que já demonstraram não ter impacto no número de novos casos.

Por todas as razões apontadas acima, não é razoável que se combata a atual situação — já não pandémica, mas endémica — recorrendo a medidas “sanitárias”, cuja eficácia tem sido colocada em causa por vários investigadores de grande prestígio. É importante recordar que estas medidas produzem efeitos mais gravosos para a sociedade e o bem comum do que a própria doença; além de que algumas destas medidas podem ter contribuído para o incremento da circulação do vírus e não o contrário.

Os signatários apelam às autoridades de saúde e aos agentes da governação para que, antes de tomarem decisões com enorme potencial deletério, ponderem as opiniões cientificamente fundamentadas dos cientistas e profissionais de saúde que, não negando a importância da covid-19, propõem estratégias para a sua abordagem diferentes das que têm sido seguidas. É tempo de reconquistarmos o direito a viver.”

https://www.publico.pt/.../reconquistar-direito-viver...

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