quarta-feira, 7 de julho de 2021

A privatização do Serviço Nacional de Saúde segue dentro de instantes

Business Roundtable Portugal: presidente Vasco de Mello (da José de Mello) e na vice-presidência estão Cláudia Azevedo (da Sonae) e António Rios de Amorim (da Corticeira Amorim) - Foto BRP/TSF

Ao longo dos últimos 30 anos temos vindo a assistir ao desmantelamento gradual e paulatino do SNS, umas vezes mais em modo rápido, quando o PSD e associado estão no governo (partido que não aprovou a Lei do SNS em 1979), ou mais lento e disfarçado, quando se trata do PS. Só que nos tempos actuais, tempos de pandemia covid-19 (bastante oportuna), o desmanchamento foi apressado e passará em breve para a privatização tout court.

E qual será o sector a ser desmembrado do SNS e a passar directamente para o domínio dos negociantes da saúde? Exactamente o sector tido como primário, ou seja, os centros de saúde. Não foi por acaso que foram estes os primeiros a fechar logo nos primeiros dias da pandemia, com o abandono dos utentes e, após os desconfinamentos, ainda se mantêm em modo lento – são mais que muitos os testemunhos de que nos centros de saúde ninguém atende as chamadas de telefone, embora seja essa a indicação para o acesso aos cuidados que deveriam prestar.

Não é estranho nem motivo para admiração que agora venham estudos, como o estudo “O impacto da pandemia covid-19 na prestação dos cuidados de saúde em Portugal”, mostrar que num ano de pandemia, Março 2020 a Fevereiro de 2021, em que o SNS fechou parcialmente e as pessoas foram atemorizadas em recorrer aos cuidados de saúde, houve “menos 13,4 milhões de contactos presenciais médicos e de enfermagem nos centros de saúde” e mais de um milhão de pessoas sem médico de família.

Em relação aos hospitais do SNS, houve menos 4,5 milhões de consultas, menos 176.057 cirurgias (162.424 programadas e 13.593 urgentes), menos 2,5 milhões de episódios de urgências (-40%), um número considerado “impressionante” pelo sacripanta do bastonário da ordem dos médicos e que desmonta claramente o alarmismo lançado pelos media (principalmente as televisões) quanto ao congestionamento dos serviços de urgência, e a menos internamentos. Como se constata, o SNS esteve muito longe de colapsar. Mas como a falta de vergonha não tem limites, estamos novamente a ouvir a mesma lengalenga, agora a propósito do aumento do número de “infectados”.

Se já havia um mercado de utentes não atendidos atempadamente pelo SNS, desde consultas a cirurgias, antes da pandemia, agora esse mercado aumentou desmesuradamente. Os privados estão neste momento a salivar pelos muitos milhões que irão arrecadar quer directamente extorquidos aos bolsos dos cidadãos quer através dos protocolos com o estado ou dos subsistemas de saúde. Vai ser um fartar vilanagem!

Não deixa de ser patético ouvir um bastonário dos médicos, um profissional de saúde que acumula o público com o privado e dessa maneira um dos responsáveis pela degradação do SNS, dizer que esta é “uma situação difícil” e que a resolução da mesma deve ser “prioritária para o país”. O “país” a que se refere o bastonário da doença é o país dos sectores social e privado que ele considera importantes na “envolvência da execução do programa” de recuperação dos cuidados de saúde em atraso e da sua “monitorização” (palavras do dito). É o país das Misericórdias e dos grupos Luz Saúde, CUF e Lusíadas Saúde, entre outros, que (coitados!) fecharam o ano com resultados negativos de 58,6 milhões de euros (ao que dizem).

Ainda os milhões da bazuca europeia (Programa de Recuperação e Resiliência) não estão a ser distribuídos e logo um grupo dos líderes de 42 das maiores empresas a actuar em Portugal se comprometeram a contribuir de forma activa para o “crescimento de Portugal”, ou melhor, para aumento dos seus lucros por meio dos milhões que contam receber e da privatização dos sectores mais apetecíveis das funções do estado: saúde, educação e segurança social. A mesa redonda dos negócios de Portugal (em inglês para disfarçar alguma menos positiva conotação, Business Roundtable Portugal) para esse fim foi criada; e não é por acaso que tem como Presidente Vasco de Mello (CEO do  grupo José de Mello/CUF) coadjuvado pela CEO do Grupo Sonae, que possui o colégio para a elite Efanor (curiosamente classificado em nº1 no ranking dos exames) em Matosinhos, e o CEO do grupo Amorim.

O assalto ao SNS acontece porque foi sempre facilitado pelos governos, incluindo os governos do PS, apesar destes estarem sempre com a boca cheia de “defesa” do SNS, e por gente que dentro do SNS está pronta a enriquecer um pouco mais à custa das doenças dos portugueses. E ouvir um presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) dizer que “é um desígnio nacional, é uma tarefa prioritária nacional” a vacinação e que, portanto, para se recuperar os actos médicos e de enfermagem atrasados ter-se-á de recorrer às “instituições privadas de saúde” (palavras do dito), fazendo a manchete, para gaudio dos media corporativos, “Centros de saúde querem mais articulação com hospitais e privados para recuperar”.  

Enquanto os privados esfregam as mãos de contentes e alguns profissionais de saúde se preparam mais acumular mais uns tachos, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) vem afirmar que “não é compreensível” a ausência de investimento na saúde pública, na medida em que o Plano de Recuperação e Resiliência não contempla qualquer investimento no campo do sector da Saúde Pública. E alerta para os perigos da “municipalização” dos cuidados de saúde primários, cujos algumas competências já foram entregues aos municípios em 2017 (instalações e contratação de pessoal auxiliar). E diz ainda que é preciso repensar o Conselho Nacional de Saúde Pública. Exactamente o organismo que deveria assessorar o governo na tomada de medidas para o combate à pandemia e não o Infarmed, órgão este sob controle directo do lóbi do medicamento.

É cristalina como a água a estratégia política de cortar parte do SNS em fatias e entregar as mais apetecíveis ao sector dos negócios da saúde por parte do governo PS. A questão da descapitalização de recursos, quer materiais quer humanos, é evidente, não deixa dúvidas e bem significativa por si só. Em relação aos recursos humanos, os mais preciosos, a incompetente ministra da Saúde, que mais não passa que moça de recados do primeiro-ministro, veio agora dizer que mais de 230 médicos do SNS aposentaram-se este ano até ao mês de Maio, e dos quais 131 eram especialistas em medicina geral e familiar. No entanto, não diz como vai atrair novos médicos sem aliciantes na carreira, o mesmo acontecendo com os enfermeiros e assistentes técnicos, os sectores de maior carência, escondendo que nos centros saúde os médicos ou são já velhos, na casa dos 60 anos, quase na reforma, ou muito novos na casa dos 30, havendo um hiato, bem revelador que a intenção sempre foi a de privatizar. A intenção não é de agora, a pandemia é o mais que excelente pretexto.

Se o investimento em recursos humanos não chega sequer a pouco, quanto mais a suficiente, como alguns sindicatos dos enfermeiros, por exemplo, têm timidamente alertado para o facto de o governo impedir a contratação de novos enfermeiros que não tenham já contrato de trabalho no SNS, então quanto a investimento financeiro a situação é péssima e intencional. Se a despesa total em 2020 do SNS foi de 11.454 milhões de euros, a despesa prevista para este ano é de apenas mais 1,3%; mas comparando a despesa já efectuada nos primeiros cinco meses deste ano de 2021 com a do período homólogo do ano passado, verifica-se que é 5,5% mais elevada (números de Eugénio Rosa), o que irá aumentar o endividamento do SNS, se se mantiver o mesmo ritmo de despesa, e estrangular ainda mais o SNS. Facilita-se assim também a privatização do SNS enquanto se vai adquirindo mais serviços aos privados.

No estudo a que fazemos referências no início deste texto, “O impacto da pandemia covid-19 na prestação dos cuidados de saúde em Portugal”, salienta-se o facto de cerca de 450 mil portugueses que não fizeram rastreio do cancro e houve menos 29 milhões de actos de exames complementares de diagnóstico e terapêutica, no período apontado; o que significa que daqui para a frente devemos esperar um maior número de doenças que não foram atempadamente diagnosticadas, cancros, diabetes, doenças cardio-vasculares, casos de hipertensão, etc. e outras doenças graves de início silencioso, que irão aumentar a taxa de mortalidade por todas as doenças e fazer baixar a idade média de esperança de vida dos portugueses, contrariando a opinião daqueles que não se cansam de anunciar que a vacinação irá beneficiar a longevidade.

Esta vacinação em massa, usando uma vacina que só agora é que está a ser testada, e administrada à população a eito, incluindo crianças e adultos jovens, só irá aumentar um problema de saúde pública e aumentar a mortalidade entre os portugueses sãos. Parece que estamos a assistir a uma agenda de eugenia generalizada conduzida pela ganância do lucro das vacinas e dos tratamentos de doentes, que terão de ser doentes à força para que haja sempre mercado. E os criminosos não são só os negociantes da doença, mas todos os políticos, quer do governo quer do parlamento quer do poder autárquico, todos são responsáveis nem que seja pela omissão.

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