sábado, 9 de janeiro de 2021

A carreira de técnico auxiliar de saúde


Acaba de ser aprovado pelo Parlamento a criação da carreira de técnico auxiliar de saúde, na prática, a reposição da antiga carreira de auxiliar de acção médica que foi, perante a passividade dos sindicatos e, diga-se em abono da verdade, dos próprios trabalhadores, extinta pelo governo do PS/Sócrates em 2008 e que existia há mais de 40 anos. A iniciativa dos partidos não é desinteressada, estamos em tempo de eleições presidenciais, com candidatos apoiados directamente pelos partidos em causa, contudo não deixa de ser bem-vinda.

A antiga carreira de auxiliares de acção médica tinha um estatuto bem definido que estabelecia quais as tarefas atribuídas a estes trabalhadores da saúde e sem os quais o SNS, ou outro, consegue funcionar. Em contexto hospitalar, em modelo biomédico como é o actual em que põe a tónica no tratamento do doente, ou seja, da pessoa com transtorno de saúde e bem estar, os técnicos menos especialidades são tão importantes como os enfermeiros ou os médicos. Saiam eles dos serviços por qualquer razão ou façam greve geral total e os serviços de saúde simplesmente pararão de todo.

Se em 2008 estes trabalhadores foram desqualificados para “assistentes operacionais”, sem especificidade de funções, foi com o claro intuito de se criar uma mão-de-obra pouco qualificada, mas essencialmente barata e, como se costuma dizer, pau para toda a colher. E, saliente-se, sem autonomia profissional, estando até agora sob direcção administrativa e supervisão da enfermagem que, ao contrário de quando se trata da sua relação com os médicos, parece apreciar essa posição de imerecida e injustificada superioridade. 

A criação da agora carreira de técnico auxiliar de saúde não vai deixar de ser explorada pelos sindicatos dos enfermeiros, técnicos licenciados, para, com intuitos elitistas, recriar a antiga categoria de auxiliares de enfermagem. Assim como poderá ser oportunidade para o governo, este ou os que vierem a seguir, poder tapar a falta de enfermeiros por técnicos menos especializados, mas sempre mais baratos que os enfermeiros. Devemos estar atentos ao que possa surgir.

Para além do que vier a acontecer no futuro, a aprovação da criação da carreira de técnico auxiliar de saúde será uma coisa boa se os actuais assistentes operacionais transitarem de forma automática para a nova carreira. Terá sido também o resultado não só da iniciativa dos partidos, tendo passado a proposta do BE, PAN e PEV, mas essencialmente do descontentamento de trabalhadores que têm sido mais discriminados e injustiçados e cujo descontentamento tem sido cada vez mais notório. 

Discriminados no salário, muitos deles encontram-se a receber quase o mesmo salário, em termos nominais, com que entraram no SNS; o que, em termos de poder de compra, representa uma pequena fracção do que deveriam estar a ganhar. E, com os constantes e embora fracos aumentos do salário mínimo nacional, correm o risco, pelo menos uma grande maioria, de um dia destes estarem a receber o salário mínimo apesar de estarem na Função Pública há várias dezenas de anos. É a exploração de trabalhadores ao mais elevado grau.

Mas não são apenas os salários miseráveis, porque no que concerne ao reconhecimento do seu indispensável e insubstituível trabalho os agradecimentos não existem ou, melhor dizendo, revestem o carácter de autêntica provocação. No CHUC, por exemplo, há serviços em que um assistente operacional é obrigado a fazer o trabalho de três, com a agravante dos enfermeiros chefes e os supervisores da área recusarem solicitar mais trabalhadores para os serviços, para desse modo poderem apresentar uma boa gestão perante a administração. E o cúmulo foi atingido recentemente com a recusa de enfermeiros chefes, pressionados por alguns supervisores, de entregar as listas com os nomes dos assistentes operacionais, e até dos enfermeiros, que estiveram, e ainda estão, na primeira linha de combate à pandemia da covid-19, a fim de receberem o tão prometido prémio pelo governo.

Com a agravante de isto ter acontecido em serviços especificamente destinados ao atendimento de doentes com covid-19, com a falsa alegação, que se saiba por parte de um dos supervisores que não é conhecido pelas melhores razões, que não teria havido o número de horas consecutivas suficientes no atendimento a estes doentes. E foi por pressão dos trabalhadores, assistentes e enfermeiros, que se sentiram fortemente injustiçados, que os directores dos serviços em causa obrigaram a que as listas fossem agora entregues, esperando-se que a administração, já com o dinheiro na conta para o efeito, reponha a justiça que foi sonegada a estes trabalhadores.

A experiência ensina-nos que sem luta não há vitórias e muitas das vezes se não se persistir as vitórias serão efémeras.

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