«Mas
ganhar um processo em tribunal é quase uma missão impossível.
Perícias são prova fundamental, mas são normalmente favoráveis
aos clínicos
Andreia Jorge Luís
Todos
os anos morrem entre 1300 a 2900 pessoas, em Portugal, na sequência
de erros médicos, muito mais que de acidentes de viação.
Avançar
para tribunal para um processo por negligência
médica é
uma missão quase impossível e há leis diferentes para o público e
para o privado.
Um
processo num Tribunal Administrativo pode arrastar-se vinte anos até
haver uma sentença final e as vítimas de negligência médica
partem em desvantagem: queixam-se de corporativismo da classe médica,
uma espécie de pacto de silêncio dos médicos que se encobrem uns
aos outros.
As
perícias, prova fundamental nestes processos, são normalmente
favoráveis aos clínicos porque poucos médicos estão
dispostos a apontar o dedo aos colegas.
Dos
540 processos abertos pelo ministério público em 2017 e 2018,
apenas trinta acabaram com uma acusação. Todos os outros foram
arquivados.
Estes
processos são complexos e obrigam a conhecimentos médicos que o
doente não tem e o ministério público, que é quem
investiga, também não. Sem provas periciais e sem testemunhos da
classe médica, os doentes ficam entregues a si próprios e a culpa
acaba por morrer solteira.
São
os próprios médicos que avaliam os colegas e há casos em que
clínicos condenados pela ordem continuam a fazer parte da direcção
do colégio da especialidade a que pertencem: quer isto dizer que
continuam a assinar pareceres noutros processos de negligência
médica mesmo depois de condenados a penas de suspensão.
Quem
faz frente aos médicos? Como provar a negligência médica em
tribunal?
São
muitas as vítimas que se queixam de negligência. (…)
Cláudio
perdeu a mulher nove dias depois de ter dado à luz a segunda filha.
Francisca nunca vai conhecer a mãe. Dulce tinha uma bebé com mais
de quatro quilos, mas os médicos decidiram fazer parto normal.
Paula
tinha 36 anos quando foi fazer uma operação para retirar a
vesícula. Os médicos nem chegaram a operar. Entrou em paragem
cardiorrespiratória e ficou em estado vegetativo. Os danos são
irreversíveis.
Susana
venceu o cancro, mas depois dos tratamentos ficou sem parte da mama
direita. Para reconstruir, os médicos propuseram uma mastectomia
total, ou seja, a retirada das duas mamas. Susana não aceitou, mas
quando acordou da operação, os clínicos tinham retirado as duas.
Por
fim, Alexandra foi mãe pela primeira vez há 21 anos. Mariana nasceu
com uma paralisia cerebral nível 3. Processou o hospital por
negligência médica. Conseguiu uma condenação, mas está há mais
de sete anos à espera da indemnização.
As
vítimas sentem-se impotentes e muitas vezes desistem dos processos.
A luta é inglória, desigual e a justiça, quando chega, chega tarde
demais.»
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