quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Em nome da Verdade (sobre a greve e a requisição civil dos enfermeiros)



António Garcia Pereira
«Antes de entrar na abordagem deste tema da actualidade, devo fazer uma dupla declaração de interesses:
Por um lado, aceitei, com outros Colegas do Escritório, sermos mandatários do Sindepor – Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses nos procedimentos legais relativos à impugnação da requisição civil decretada na passada quinta-feira 6/2, que consideramos ilegítima e ilegal.
Por outro, sou absolutamente avesso a campanhas de manipulação e de engano da opinião pública, bem como a manobras ou operações negras de homicídio de carácter, visando simplesmente a descredibilização pública de alguém de que se não goste ou que se nos oponha.
Dito isto, convirá referir que é hoje bastante difícil discutir a chamada “greve cirúrgica” dos enfermeiros, porquanto a campanha maciça de intoxicação levada a cabo pelo Governo e pelos seus “homens de mão” (agências de comunicação, think tankers, comentadores e fazedores de opinião) tem – jogando com o natural descontentamento dos doentes do Serviço Nacional de Saúde e dos seus familiares e também com os seus mais que legítimos sentimentos de dor, de revolta e de angústia – feito generalizar a convicção de que, sendo o direito à vida e o direito à saúde direitos fundamentais, esta é uma greve que estava e está a pôr em causa tais direitos, e ainda por cima unicamente por egoístas e fúteis interesses materiais e remuneratórios.
Ora, a primeira questão que há que colocar é que esta greve, tal como foi convocada e levada a cabo, nãodeixou os cidadãos necessitados de cuidados de saúde, emergentes ou urgentes, privados desses mesmos cuidados. E que, exactamente por isso mesmo, o Governo não consegue apontar e identificar um só caso concreto em que tal tenha acontecido por virtude – ou seja, como consequência directa e necessária – da greve dos enfermeiros ou do não cumprimento dos serviços mínimos decretados.
Aliás, convém também e desde já notar que é verdade que o Governo tem vindo – para impressionar a opinião pública e até para pressionar o juiz que irá julgar a acção judicial – a anunciar diariamente pretensos números oficiais de milhares de intervenções cirúrgicas (não referindo, aliás, se urgentes ou não) que teriam sido adiadas devido à greve.
Mas o mesmo Governo recusa-se significativamente a esclarecer se essas cirurgias são as que estavam marcadas há um ou dois meses, ou se antes são aquelas (inúmeras) que foram agora, já durante a greve e os serviços mínimos, remarcadas propositadamente para além dos normais programas cirúrgicos e da capacidade de resposta dos Serviços, e que assim já se sabia perfeitamente não poderem ser realizadas. Como não divulga os números comparativos das cirurgias marcadas, das efectivamente realizadas e das adiadas no mesmo período do ano passado (quando não havia greve), impedindo desta forma que se comprove ainda mais facilmente aquilo que se tem estado a passar nalguns Centros Hospitalares, e que é uma manipulação miserável.
Manipulação esta consistente em, nomeadamente, num Hospital onde normalmente e com os recursos humanos habitualmente disponíveis, funcionavam, por exemplo, 4 salas de blocos operatórios e os serviços mínimos foram fixados em 2 dessas salas, a Administração tratar de mandar abrir 8 ou 11 salas e marcar para todas elas intervenções não urgentes nem emergentes que já sabe que não será possível realizar, mas, nalguns casos até se chamando os doentes ao Hospital para depois se lhes dizer: “afinal não vão ser intervencionados devido à greve dos enfermeiros”! Como também sucedeu estarem os enfermeiros disponíveis para trabalhar em intervenções cirúrgicas e estas não serem marcadas para a parte da tarde (como sucede há duas décadas às sextas-feiras, por exemplo, no Hospital de Viseu e voltou a suceder na passada sexta-feira 8/2).
E chegou-se mesmo ao cúmulo de se informarem pacientes de que a sua operação não iria ser realizada “devido à greve dos enfermeiros” em Centros Hospitalares onde pura e simplesmente não houve, nem há, greve dos enfermeiros, como Leiria e Amadora/Sintra.
Estamos, pois, perante uma gigantesca, frenética e inqualificável campanha de manipulação da opinião pública, enganando propositadamente as pessoas com falsidades prévia e propositadamente preparadas e montadas.
Desta forma, ninguém fala nas verdadeiras causas do desastre a que tem sido, pelos sucessivos governos, conduzido o Serviço Nacional de Saúde.
(...)
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