Quem se mete com o PS, leva!
por Santana Castilho
«Nenhuma
das muitas greves acontecidas nos últimos tempos suscitou tanta
polémica como a dos enfermeiros. Só porque afecta um dos mais
importantes direitos dos cidadãos, o direito à saúde? Não creio.
Com efeito, a greve dos médicos de 10 e 11 de Maio de 2017 terá
adiado mais de oito mil cirurgias e cancelado mais de 180 mil
consultas de especialidade e não suscitou discussão sequer
parecida. Concedendo que não são únicas, tenho para mim que as
causas principais estão aqui: a greve dos enfermeiros irritou como
nenhuma outra António Costa; a greve dos enfermeiros foi decretada
por dois sindicatos recentes que, por rejeitarem o controlo das
organizações monopolistas do sindicalismo e terem estratégias
diversas das correntes, acabaram apontados como inorgânicos, apesar
de serem tão legítimos, identificados e estruturados como os
outros; a greve dos enfermeiros foi rotulada de direita, embora
ninguém possa saber como votam os enfermeiros (bastou que a
bastonária seja militante do PSD, que a CGTP esteja de fora, que
muita gente de esquerda se indigne e outros tantos de direita se
regozijem).
Ao
anterior acresce a decantada questão do crowdfunding.
Sem prejuízo de esperarmos pela cabal clarificação da origem dos
donativos (embora a informação que vai sendo conhecida sugira que
nada há de reprovável), importa sublinhar que os fundos de greve
são legais e bem antigos. E importa referir que não deixa de ser
hipócrita ver dirigentes de partidos políticos, que promovem
angariações de fundos sem identificação dos doadores e são
responsáveis pela inoperacionalidade da Entidade das Contas e
Financiamentos Políticos (criada para fiscalizar os financiamentos
das campanhas eleitorais), questionarem tão lestamente
o crowdfunding dos enfermeiros. Como não deixa de
causar perplexidade ver a ASAE, denunciada por negligências
grosseiras e graves pela TVI, ser tão diligente a verificar o
cumprimento de uma lei … que ainda não está em vigor (sim, o
normativo que regulará o crowdfunding, embora
pronto há mais de um ano, aguarda regulamentação para entrar em
vigor). Este uso de uma polícia criminal para investigar um
contencioso político/sindical reconduz-me a tempos antigos, de má
memória, ou, no mínimo e para ser generoso, aos tempos mais
recentes de “quem se mete com o PS, leva!”
(...)
A
crescente denúncia destes factos tem destruído a narrativa da
viragem da página da austeridade e começa agora a corroer o tino e
a compostura de António Costa. Com efeito, não lhe foi nada
favorável acusar de irresponsáveis os sindicatos da UGT
e apelidar de selvagem uma greve com que não concorda, ou usar o lápis azul para promover alterações cirúrgicas no relatório Economic Survey of Portugal, 2019, da OCDE, para adoçar referências à corrupção nascida na vigência de um Governo a que pertenceu.
e apelidar de selvagem uma greve com que não concorda, ou usar o lápis azul para promover alterações cirúrgicas no relatório Economic Survey of Portugal, 2019, da OCDE, para adoçar referências à corrupção nascida na vigência de um Governo a que pertenceu.
Há
pouco tempo, Costa tinha a maioria absoluta ao alcance. Hoje, começa
a haver quem lhe vaticine a repetição do fracasso de 2015, porque
aos professores, médicos, funcionários judiciais, juízes,
magistrados do Ministério Público, investigadores criminais,
guardas prisionais, estivadores e tantos outros, apontou a lua,
esperando que só olhassem para o dedo dele.
*Professor
do ensino superior
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