Enquanto o governo vai discreta e
paulatinamente privatizando a Saúde, os trabalhadores do SNS vão fazendo umas
greves, embora de forma dispersa e sem grandes resultados à vista, para não
dizer nenhuns, perante a intransigência do governo que sabe de antemão que dali
não sairá grandes arroubos de luta.
A proletarização dos médicos
Os médicos queixam-se da “arrogância” do
governo e de “provocação” das propostas de subidas salariais por parte daquele.
Os dirigentes da FNAM puxam para um lado, têm o desplante de dizer que em
Portugal não há falta de médicos, ela existirá somente no SNS, ora toda a gente
sabe que isso não é verdade; e o líder do SIM empurra para o outro, preocupando-se
mais em seguir a agenda do seu partido, o PSD, em fragilizar o governo do que
propriamente em defender os interesses da classe que diz representar. Interessante
constatar que é este médico que mais vezes é solicitado pelas televisões. Entretanto
os salários continuarão miseráveis e a carreira muito longe de ser atractiva.
Em relação aos farmacêuticos, estes ainda são
os mais esforçados mas, como pouco numerosos e sem grande protagonismo no SNS, a
luta acaba por morrer na praia. Os enfermeiros, cujo número de organizações
sindicais não tem deixado de crescer por razão, pelo menos em parte, da
ineficácia e colaboração com os governos pelos sindicatos mais antigos, têm-se
ficado por greves sectoriais e regionais convocadas ora por um ou por outro
sindicato. Costa continua com os sindicatos enfiados no bolso, à medida que vai
proletarizando os médicos e restantes trabalhadores técnicos do SNS.
Privatizar a Saúde doucement
O governo vai regozijando com este movimento
contestatário fragmentado, incapaz de mudar o que quer que seja, ao mesmo tempo
que vai sorrateiramente desfazendo o SNS, gastar o dinheiro destinado à Saúde
na compra de serviços aos privados. Acabou de ser anunciado que o Estado, ou
seja, o governo PS, vai pagar à Santa Casa, isto é, à Igreja Católica, e aos
negociantes privados por cada pessoa em internamento social no SNS entre 1400 e
1770 euros por mês que venham a receber.
Ora, calcula-se que neste momento exista mais
de 1600 pessoas internadas, é fácil fazer as contas e concluir que este será
mais um chorudo negócio para estes traficantes de doentes e, no caso, também
pobres. Ser doente e, cumulativamente, pobre constitui uma fonte certa e segura
para que alguém possa, à custa do estado (saliente-se), enriquecer.
Não será motivo de surpresa que de vez em
quando surja um figurão, geralmente ligado à saúde, defender que os problemas
do SNS só serão cabalmente resolvidos se o sector social e o privado se
integrarem no SNS como “um todo”. Desta vez, foi Carlos Robalo Cordeiro,
funcionário do SNS, pessoa ligada ao PS, director do serviço de Pneumologia A dos
CHUC e, curiosamente, também pneumologista responsável da rede (privado)
Hospital da Luz, que, por sua vez e por coincidência, situado a poucas centenas
de metros dos HUC. Facilmente se explica que as longas listas de espera para
consultas, cirurgias, exames complementares de diagnóstico foram, em parte, uma criação de alguns médicos que sabotaram o SNS.
A ERS (Entidade Reguladora da Saúde) veio com
um estudo, como isso fosse alguma novidade, onde mostra que a saúde privada é
dominante no interior do país, quase de monopólio, ou seja, as pessoas não têm
outra alternativa, o que inevitavelmente traz riscos para os utentes do SNS. Há
muito que é público que os portugueses são aqueles que, dentro da União
Europeia, mais gastam do seu bolso com os cuidados de saúde; esta realidade
deve-se apenas à dificuldade de acesso aos diversos serviços de saúde que,
devido à política conduzida pelos sucessivos governos dos dois principais
partidos, PSD e PS, tem sido encerrados. Não dá para tirar de um para dar ao outro.
Essa política tem sido a política de
encerramento de urgências nos centros de saúde, extinção de camas nos hospitais
e não contratação efectiva, não precária, dos trabalhadores, médicos,
enfermeiros, assistentes operacionais e outros. Claro que o acesso é mais
difícil para quem vive no interior, aí a desertificação é primeiro e
essencialmente humana. E quando fecha um serviço do SNS abre logo ao lado, ou
já está aberto e a funcionar como aconteceu em Coimbra, um serviço privado. O
negócio, como mostra a ERS, tem prosperado rapidamente, “apenas” 70% entre 2011
e 2021. Negócio mais rentável, mas com mais riscos, somente o da droga.
A degradação intencional dos cuidados de
saúde públicos
A política do PSD e PS, não nos cansamos de
repetir, quanto à saúde é exactamente a mesma, difere unicamente no discurso e
na velocidade da execução e obedece às orientações impostas por Bruxelas. É uma
estratégia, e mais: não se resume à falta de serviços ou de pessoal, trata-se
igualmente degradar o que vai ficando, quanto à manutenção e renovação de
equipamento, que não são feitas, quer à motivação do pessoal, que, somados, dão
como resultado esperado a degradação da qualidade dos cuidados prestados,
afugentando assim os utentes para o privado… porque o “privado é que é bom”.
Foi notícia recente de 15 bebés terem sido
colonizados com bactéria multirresistente aos antibióticos no Hospital de Santa
Maria em Lisboa, o que significa que não apresentaram infecção mas a situação
foi considerada delicada, como é óbvio. Para quem anda há muitos anos em
hospitais sabe perfeitamente que o local privilegiado para se apanhar uma
infecção das boas ou até ter um acidente, por exemplo uma queda da cama, é o
hospital, razão pela qual os internamentos devem ser efectuados em situação de
necessidade indubitável e pelo menor período de tempo possível. Ora, um tão
grande número de contaminações só indicia que os cuidados de assepsia e de
higienização estão em falta.
O resultado lógico deste incidente foi o
encerramento do serviço de Neonatalogia do principal hospital do país, cujo
bloco de partos já fez correr muita tinta e horas televisivas de propaganda
contra o SNS que, fazendo fé nos arautos da falência do SNS, há muito que
deixou de ser capaz de responder às necessidades do povo português.
Curiosamente, os mesmos media mainstream, pouco ou nada referem quando
se trata dos privados que fazem os partos, na maioria das vezes, em simples salas
de cirurgia sem as condições mínimas de um bloco dedicado aos partos, não
possuindo número suficiente de obstetras e ginecologistas que a lei exige –
parece que a exigência só é válida para o público –, e ainda mais grave, na
maioria das vezes os partos são feitos por cesariana, com claro prejuízo para a
mães e bebé, porque… é mais rentável. Portugal é o país onde, sem justificação
aparente, se realizam mais partos na União Europeia.
A falta de material e a falta de pessoal pode
explicar o aparecimento de mais infecções hospitalares ou de acidentes e casos
de negligência, mas não explica tudo, porque há situações, e nós conhecemos
algumas, em que a pressa de despachar serviço ou a preocupação de alguns
médicos de correr para o privado é que são as verdadeiras razões. Em uma
maternidade, que não identificamos nem pelo nome nem pela localização, pessoal
que ali trabalha tem denunciado o facto de muitas parturientes serem colocadas
em camas sem previamente se desinfectar a unidade, mudando apenas a roupa da
cama, por “ordem” do/a médico/a chefe de equipa. E mais casos não têm
acontecido por oposição de auxiliares de acção médica que se recusam a ser
cúmplices em actos que poderemos considerar criminosos.
O “sistema” nacional de saúde ou o
hospedeiro e o parasita
A opção de dar dinheiro aos privados,
financiando-os muitas vezes quase a 100%, em vez de investir no SNS é opção
declaradamente ideológica. Aliás, a integração dos privados e do dito sector
“social”, que de social tem bem pouco, já é em si o culminar do processo de
financiamento na totalidade de um sector que funciona como o vírus, isto é,
para sobreviver tem de parasitar o hospedeiro mas não o pode matar, porque caso
aconteça, ele próprio sucumbirá. O SNS, se estas políticas forem levadas até ao
fim e não travadas pela contestação da população utente, será um invólucro e o
sustento para o negócio, garantido a 100% e sem riscos, de enriquecimento de
uns poucos à custa da pobreza e da doença de muitos. O chefe do PSD sabe muito
bem que “complexo ideológico” como “marca” da saúde de Costa não difere do seu,
ambos ambicionam a destruição do SNS como serviço universal, geral e gratuito
(há muito que o deixou de ser, passou a “tendencial”) para ser um sistema para
o lucro. Assistimos à transformação capitalista da saúde e ao mesmo tempo à
proletarização da classe média que ainda trabalha no SNS.
Imagem daqui
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