terça-feira, 12 de abril de 2022

Saúde: afinal, a ministra e o governo são outros…

  

Pensávamos que o PS tinha ganhado as eleições e por maioria absoluta, estando mais à vontade para levar a bom porto a sua política, e que a ministra da Saúde era a mesma, pelo facto de ter tido um bom desempenho no sentido da execução dos objectivos a que se tinha proposto desde o primeiro minuto em que foi empossada no cargo pela primeira vez; afinal, a ministra e o governo são outras pessoas, isto fazendo fé nas palavras da bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

A bastonária saudou a “mudança de postura” da ministra, mas em relação à “comunicação”, deverá agora rir-se mais e oferecer um cházinho às 5 horas da tarde. O bastonário, o dos médicos, que faz questão de estar em todas, sem nunca apoiar os calcanhares no chão, mais o da ordem dos psicólogos foram de opinião semelhante. Agora é que é, os trabalhadores da Saúde irão ver resolvidos os seus problemas após seis anos de promessas, entremeadas de enxovalhos e de requisições civis por parte dos mesmos que agora formaram governo pela terceira vez. Fica-se sem saber se a falta de vergonha é maior no governo do que nos bastonários, ou vice-versa e ao contrário.

Faz algum tempo que o Sindicato dos Enfermeiros (SE), após reunião com vários profissionais do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), se veio queixar da não resolução de alguns problemas mais prementes, não por falta de tempo por parte do governo, nomeadamente: a utilização ilegal da bolsa de horas, o não pagamento de subsídio covid-19 e o excesso de trabalho, este muito devido à falta de novas contratações. Foi apontado que há “enfermeiros que fazem mais de 200 horas por mês ou/e a trabalhar 12 ou 14 horas por dia e com escasso descanso". Regredimos cerca de 150 anos com horários da época pré-industrial, esquecendo-se os sindicatos que o 1º de Maio, que será comemorado pelos trabalhadores de todo o mundo daqui a alguns dias, nasceu da luta internacionalista proletária pela jornada de trabalho das 8 horas – 8 horas de descanso, 8 horas para a cultura e recreio.

Mas não serão só os enfermeiros, outros trabalhadores da Saúde, no público e no privado, estão sujeitos à mesma carga horária, bem como em todo o sector privado em geral, graças à acção dos governos PS que se recusaram terminantemente a revogar as alterações impostas no Código do Trabalho pelo governo PSD/PP de Coelho&Portas. Não se justificando pelo passado recente que haja um tão grande optimismo por parte de ordens e sindicatos sobre o que este governo irá fazer em relação aos trabalhadores e quando Costa já afirmou, e por mais do que uma vez, que não vai mexer nos salários para fazer face à inflação e à diminuição do poder de compra dos trabalhadores. Dizendo, abertamente e mais delicadamente, que os trabalhadores se amanhem como puderem. Ora, não há dúvidas que a austeridade que se prepara, e a conselho de Bruxelas, será bem pior do que a de Passos/Portas/Troika com os cortes salariais directos.

SNS mais degradado

Depois de 2 anos de pandemia covidíca, temos um SNS mais degradado e mais carenciado em recursos materiais e humanos, como os próprios sindicatos reconhecem, ao mesmo tempo que o negócio dos testes e das vacinas continua a prosperar: a quarta dose da vacina é recomendada, por enquanto apenas para maiores de 80 anos; um dos principais laboratórios que mais tem enriquecido, Unilabs, já facturou 80 milhões em testes só em 2021; e já foram realizados mais de 40 milhões de testes em Portugal. Quando se confirma que os casos de covid diminuíram 16% no período de uma semana, no entanto, os peritos matemáticos a soldo do governo, e sem perceberem nada de epidemiologia nem de saúde pública, cumprindo com o recado, continuam a afirmar que é necessário continuar com as máscaras nos espaços fechados. Não seria bom conhecer a quanto monta as respectivas comissões!?

A espelhar a deterioração do SNS, e até de toda a saúde em geral incluindo os privados, “seis em cada dez portugueses acima dos 50 anos dizem que não tiveram os cuidados de saúde necessários”, valor apurado na primeira fase da pandemia e que foi quase o dobro do verificado em outros países da Europa; o principal motivo das necessidades de saúde não satisfeitas foi o cancelamento dos serviços por parte do SNS. Realidade já conhecida, mas novamente confirmada segundo o publicado recentemente na Acta Médica Portuguesa. E os dados da ACSS revelam que, em 2021, embora tivesse havido um aumento da atividade das unidades do SNS, quer em consultas quer em cirurgias em relação a 2019, ficaram aquém do desejado na medida em que ficaram meio milhão de consultas por realizar e muitos doentes desistiram das listas de espera. Assim se percebe que muitos doentes tenham desistido das USF e prefiram “esperar 6 horas na urgência a voltar ao centro de saúde". Contudo, a ministra, agora mais risonha e simpática, ainda prometeu reforçar os centros de saúde dada a procura pelas urgências hospitalares. Paleio.

E porque? A razão é óbvia e simples, doentes que não foram tratados e diagnósticos que não foram feitos, cancro, doenças cardio-vasculares, diabetes, etc… estão a surgir agora e com pior prognóstico; e, por sua vez, a covid-19 deixou os doentes mais desprotegidos e fragilizados relativamente a outras doenças respiratórias graves, a doenças mentais, onde sobressai a depressão nas diversas faixas etárias, desde crianças a idosos, e exaustão no trabalho. E quanto a crianças, estas constituem uma das populações que mais tem enchido as urgências nos últimos dias: “Crianças com Gripe A enchem urgências do Pediátrico de Coimbra” (refere a imprensa local) e “Hospitais de Coimbra com afluência “anormal” ao serviço de urgência”, com os casos de gripe a crescer em todo o país. E as razões são fáceis de encontrar: serviços do SNS degradados e com pior prestação na qualidade dos cuidados, e pessoas mais fragilizadas por alimentação menos cuidada e de pior qualidade devido ao aumento do preço dos alimentos (5,8% no mês de Março) e uso indiscriminado e contraproducente das máscaras por parte de crianças e de idosos; o que impediu que no pico do Inverno não tivessem tido contacto com os vírus de molde a treinar e reforçar o sistema imunitário, razões que explicam o facto de, agora e em plena Primavera, tenham surgido mais casos de gripe.

Os portugueses estão pior e a luta torna-se inevitável

A situação de saúde dos portugueses em geral, bem como dos próprios trabalhadores de saúde devido aos prolongados horários de trabalho e à exaustão devido à insuficiência de pessoal, irá piorar, e substancialmente. Os casos de encerramento ou diminuição de actividade do SNS irão aparecer cada vez mais: “Lousã critica suspensão de serviços em Unidade de Saúde Familiar” por falta de médicos e de outro pessoal, incluindo administrativo; ou por encerramento devido a “surtos” não exactamente de doença covid mas de testes positivos, numa altura em que mais de 80% da população se encontras vacinada com as três doses, segundo reza a DGS e o governo: “Ala de cirurgia em Faro fechada a novos internamentos por surto”. Dando a ideia de que a intenção oculta é a de continuar a degradar o SNS e limitar artificialmente a sua capacidade a fim de empurrar os cidadãos para o sector privado e, inclusivamente, justificar a privatização de alguns serviços, mais concretamente, as USF. A transferência de competências do governo central para as autarquias, não acompanhada pelas verbas adequadas, apenas confirma que a política é a de evolução na continuidade: destruir o SNS para privilegiar o privado, assim se percebendo a manutenção da mesma equipa ministerial no sector, incluindo os secretários de estado. Teremos mais do mesmo neste governo, com a diferença de que haverá mais sorrisos e salamaleques, fazendo-nos lembrar uma espécie de macacos, os mandris, que quando parecem sorrir é quando estão irados e prontos a atacar.

Numa situação de grave crise económica, elevada inflação, o pior ainda estará para vir, estagnação da actividade económica, os negócios terão diminuído 30% no último mês e com os comerciantes do sector a reivindicar aumento dos lucros: “É ridículo um medicamento custar menos do que um maço de tabaco”, disse alguém ligado ao negócio dos medicamentos e da doença, esta não deixa de ser uma boa altura para que os sindicatos e os enfermeiros se preparem para lutas mais duras e prolongadas. É que o governo também se preparou para exercer maior repressão sobre os trabalhadores com a alteração da legislação com o objectivo de poder mais facilmente decretar o estado de emergência em caso não só de alteração da ordem pública, como de possível golpe de estado… e crises de saúde pública.

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