por Maria João Carvalho
A comunicação social assume um espaço
determinante no nosso mundo e na coordenação das acções humanas. A modernidade
reflexiva é edificada na acção comunicativa, tal como é referida por Jurgen
Habermas, e desenvolvida na teoria dos sistemas por Niklas Luhmann, sob o
princípio fundamental da confiança.
A confiança tornou-se no código que passou a
alicerçar os valores éticos e morais nas organizações sociais de regulação de
toda a actividade institucional social, política e financeira.
O valor atribuído à confiança assumiu uma
representação na dimensão ética, de tal modo que o presidente norte-americano
Richard Nixon abandonou em 1971 o padrão-ouro, e a moeda passou a reger-se pelo
código da confiança.
A ética da “boa-fé” rege os diversos sistemas
sociais que se alimentam e se auto-reproduzem na base da comunicação. O mundo
moderno desenvolveu-se em torno da acção comunicativa que orienta as
actividades individuais, colectivas, financeiras e políticas no mundo da vida.
A comunicação social passou, assim, a regular
o dia-a-dia das populações, na medida que lhes disponibiliza a informação sobre
o estado do mundo, tal como o tempo, as epidemias, as questões sociais e as
orientações políticas.
Neste pressuposto da confiança, a informação
recebida pelos principais órgãos de comunicação social vai toldando o nosso
pensamento sobre o estado de coisas e ao circuito das nossas redes de relações
com o mundo.
A confiança surge numa espécie representação
emocional colectiva, imediatamente deduzível na semântica de organização da
psicologia social (a mente colectiva), na ética deontológica “do dever ser” que
regula os códigos profissionais.
Na era da comunicação, e da informação
ancorado ao surpreendente desenvolvimento tecnológico e a uma maior dependência
das redes sociais, a informação sobre qualquer assunto se propaga em milésimos
de segundos.
A comunicação e os jogos de linguagem aproximam-nos
e criaram mundos inimagináveis dentro do mundo. A revolução tecnológica fora de
tal ordem que assistimos, pela primeira vez na História, a uma pandemia online,
com informação sobre os mundos da ciência e especialistas de diversas áreas a
ser transmitida em directo em todo o lado.
No mês de Março de 2020, assistimos em directo
a uma mudança na comunicação social, a uma profunda dramatização do risco e a
um estranho alinhamento sobre o tratamento da informação a nível internacional.
A omnipresença do risco da morte passou a ser
martelada durante 24 horas, em todos os meios de comunicação social.
Naturalmente, uma campanha de terror e pânico tomaram conta do Mundo. O apelo
constante ao medo, e o recurso à heurística afectiva na transmissão da informação,
levou ao bloqueio do raciocínio lógico, o que facilitou que uma sociedade
inteira abdicasse tranquilamente das suas liberdades, direitos e garantias.
Na lógica clássica, todo o argumento é considerado
válido quando obedece ao princípio da identidade e da não contradição, caso
contrário deve ser conduzido ao absurdo.
As falácias lógicas passaram a constituir os
argumentos expostos no espaço público através da comunicação social e
facilmente aceites sem questionamento pelas populações – o que me deixou
atónita!
Algo estranho se passava e extrapolava a minha
compreensão filosófica sobre o estado de hipnose colectiva. Numa conversa com o
psiquiatra José Luís Pio Abreu, para tentar entender o que se passava na psyché humana
perante o fenómeno de “anomia” generalizada que estávamos a experimentar,
perguntei-lhe: “Qual é a explicação para esta apatia?” A sua resposta foi
rápida e simples: o medo!
Recordo-me de conversarmos algumas horas sobre
a acção do medo e o mecanismo de acção dos neurotransmissores na resposta
bioquímica do organismo humano.
Interroguei de novo o especialista: “O
excessivo aumento da adrenalina poderia moldar a arquitectura cognitiva da
colectividade e alterar a percepção humana?” Respondeu-me que sim, num tom de
voz calmo e sereno.
Nesse momento, disse-lhe que estava na hora de
escrever o segundo volume do seu livro que tem, como se sabe, o título Como
tornar-se doente mental. Esse segundo volume poderia chamar-se Finalmente,
conseguimos tornar-nos doentes mentais. Rimos! Disse-lhe que o Mundo era um
manicómio! Ele retorquiu a rir: “Sempre foi”.
Na História da Humanidade, é a primeira vez
que os perdigotos paralisam a Economia mundial na sociedade que sempre esteve
exposta ao risco.
Na pandemia surgiu um fenómeno novo: a
comunicação social, através das empresas de peritos e cientistas, assume o
papel de educadores da consciência colectiva para a verdade dos cidadãos, do
bem comum, da cidadania, e passa a distinguir os cidadãos bons.
A liberdade de expressão e a diversidade do
pensamento, essenciais à vida humana e à democracia, parecem sucumbir aos
direitos únicos dos Daimons modernos, que têm acesso directo à verdade divina,
e a traduzem para o mundo dos Homens, sem que os últimos possam contestar. Caso
o façam, são silenciados e julgados nos Ministérios da Verdade.
Assistimos a diversas guerras que têm origem
na comunicação e na linguagem. A Filosofia considera que os problemas do Mundo
têm origem na comunicação, ou seja, na linguagem.
No momento presente, temos a Guerra da Ucrânia
que passou a ocupar o estatuto de terror ocupado anteriormente pelo
coronavírus.
Outras guerras ocorrem, e tantas vítimas
morrem ao mesmo tempo que as vítimas da Ucrânia, mas não são importantes para o
Mundo nem para a comunicação social. O fenómeno psicológico e afectivo no
impacto da notícia é relevante para o receptor, porque quanto mais apelo à
carga emocional, maior será o seu nível de compaixão com as vítimas (e maiores
as audiências).
As mortes na Ucrânia geram mais compaixão e
movimentação das massas do que as 200 crianças mortas no Iémen. Seres humanos
são seres humanos sem distinção! Não defendo a guerra na Ucrânia, mas
preocupa-me o fenómeno psicológico que origina a movimentação enérgica de
massas a tomarem partido por o lado bom aprovado pelos meios de comunicação.
O discurso de ódio e morte ao senhor Vladimir
Putin é já permitido nas redes sociais, desde que seja claramente mencionada a
invasão da Ucrânia. Estará mesmo tudo louco?
A Ana Gomes, figura pública ligada ao Partido
Socialista, veio ao espaço público fomentar o discurso de ódio sem que ninguém
se indigne. As novas gerações perante a subversão de valores a que assistem
quotidianamente, talvez passem a considerar que a sociopatia é uma carreira
profissional e artística, e desmembrar o corpo do condenado publicamente é
banal, tal como descreve Michel Foucault na obra Vigiar e punir.
Estará a sociedade tão doente que pretenda
normalizar a barbárie, de modo a criar uma ética de conduta para os bons
assassinos que matam os maus. Estará a comunicação social a fomentar uma
Terceira Guerra Mundial? Sim, porque todos sabemos que o senhor Putin não
admitirá que o mundo ocidental o trate por assassino e apele à sua morte
incentivado pelos meios de comunicação social.
Finalmente, conseguimos tornar-nos doentes
mentais.
Filósofa (com pós-graduações em Biologia,
Ciências Cognitivas e Economia Social)
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