quarta-feira, 16 de março de 2022

A comunicação social na promoção da doença mental

 

por Maria João Carvalho 

A comunicação social assume um espaço determinante no nosso mundo e na coordenação das acções humanas. A modernidade reflexiva é edificada na acção comunicativa, tal como é referida por Jurgen Habermas, e desenvolvida na teoria dos sistemas por Niklas Luhmann, sob o princípio fundamental da confiança.

A confiança tornou-se no código que passou a alicerçar os valores éticos e morais nas organizações sociais de regulação de toda a actividade institucional social, política e financeira.

O valor atribuído à confiança assumiu uma representação na dimensão ética, de tal modo que o presidente norte-americano Richard Nixon abandonou em 1971 o padrão-ouro, e a moeda passou a reger-se pelo código da confiança.

A ética da “boa-fé” rege os diversos sistemas sociais que se alimentam e se auto-reproduzem na base da comunicação. O mundo moderno desenvolveu-se em torno da acção comunicativa que orienta as actividades individuais, colectivas, financeiras e políticas no mundo da vida.

A comunicação social passou, assim, a regular o dia-a-dia das populações, na medida que lhes disponibiliza a informação sobre o estado do mundo, tal como o tempo, as epidemias, as questões sociais e as orientações políticas.

Neste pressuposto da confiança, a informação recebida pelos principais órgãos de comunicação social vai toldando o nosso pensamento sobre o estado de coisas e ao circuito das nossas redes de relações com o mundo.

A confiança surge numa espécie representação emocional colectiva, imediatamente deduzível na semântica de organização da psicologia social (a mente colectiva), na ética deontológica “do dever ser” que regula os códigos profissionais.

Na era da comunicação, e da informação ancorado ao surpreendente desenvolvimento tecnológico e a uma maior dependência das redes sociais, a informação sobre qualquer assunto se propaga em milésimos de segundos.

A comunicação e os jogos de linguagem aproximam-nos e criaram mundos inimagináveis dentro do mundo. A revolução tecnológica fora de tal ordem que assistimos, pela primeira vez na História, a uma pandemia online, com informação sobre os mundos da ciência e especialistas de diversas áreas a ser transmitida em directo em todo o lado.

No mês de Março de 2020, assistimos em directo a uma mudança na comunicação social, a uma profunda dramatização do risco e a um estranho alinhamento sobre o tratamento da informação a nível internacional.

A omnipresença do risco da morte passou a ser martelada durante 24 horas, em todos os meios de comunicação social. Naturalmente, uma campanha de terror e pânico tomaram conta do Mundo. O apelo constante ao medo, e o recurso à heurística afectiva na transmissão da informação, levou ao bloqueio do raciocínio lógico, o que facilitou que uma sociedade inteira abdicasse tranquilamente das suas liberdades, direitos e garantias.

Na lógica clássica, todo o argumento é considerado válido quando obedece ao princípio da identidade e da não contradição, caso contrário deve ser conduzido ao absurdo.

As falácias lógicas passaram a constituir os argumentos expostos no espaço público através da comunicação social e facilmente aceites sem questionamento pelas populações – o que me deixou atónita!

Algo estranho se passava e extrapolava a minha compreensão filosófica sobre o estado de hipnose colectiva. Numa conversa com o psiquiatra José Luís Pio Abreu, para tentar entender o que se passava na psyché humana perante o fenómeno de “anomia” generalizada que estávamos a experimentar, perguntei-lhe: “Qual é a explicação para esta apatia?” A sua resposta foi rápida e simples: o medo!

Recordo-me de conversarmos algumas horas sobre a acção do medo e o mecanismo de acção dos neurotransmissores na resposta bioquímica do organismo humano.

Interroguei de novo o especialista: “O excessivo aumento da adrenalina poderia moldar a arquitectura cognitiva da colectividade e alterar a percepção humana?” Respondeu-me que sim, num tom de voz calmo e sereno.

Nesse momento, disse-lhe que estava na hora de escrever o segundo volume do seu livro que tem, como se sabe, o título Como tornar-se doente mental. Esse segundo volume poderia chamar-se Finalmente, conseguimos tornar-nos doentes mentais. Rimos! Disse-lhe que o Mundo era um manicómio! Ele retorquiu a rir: “Sempre foi”.

Na História da Humanidade, é a primeira vez que os perdigotos paralisam a Economia mundial na sociedade que sempre esteve exposta ao risco.

Na pandemia surgiu um fenómeno novo: a comunicação social, através das empresas de peritos e cientistas, assume o papel de educadores da consciência colectiva para a verdade dos cidadãos, do bem comum, da cidadania, e passa a distinguir os cidadãos bons.

A liberdade de expressão e a diversidade do pensamento, essenciais à vida humana e à democracia, parecem sucumbir aos direitos únicos dos Daimons modernos, que têm acesso directo à verdade divina, e a traduzem para o mundo dos Homens, sem que os últimos possam contestar. Caso o façam, são silenciados e julgados nos Ministérios da Verdade.

Assistimos a diversas guerras que têm origem na comunicação e na linguagem. A Filosofia considera que os problemas do Mundo têm origem na comunicação, ou seja, na linguagem.

No momento presente, temos a Guerra da Ucrânia que passou a ocupar o estatuto de terror ocupado anteriormente pelo coronavírus.

Outras guerras ocorrem, e tantas vítimas morrem ao mesmo tempo que as vítimas da Ucrânia, mas não são importantes para o Mundo nem para a comunicação social. O fenómeno psicológico e afectivo no impacto da notícia é relevante para o receptor, porque quanto mais apelo à carga emocional, maior será o seu nível de compaixão com as vítimas (e maiores as audiências).

As mortes na Ucrânia geram mais compaixão e movimentação das massas do que as 200 crianças mortas no Iémen. Seres humanos são seres humanos sem distinção! Não defendo a guerra na Ucrânia, mas preocupa-me o fenómeno psicológico que origina a movimentação enérgica de massas a tomarem partido por o lado bom aprovado pelos meios de comunicação.

O discurso de ódio e morte ao senhor Vladimir Putin é já permitido nas redes sociais, desde que seja claramente mencionada a invasão da Ucrânia. Estará mesmo tudo louco?

A Ana Gomes, figura pública ligada ao Partido Socialista, veio ao espaço público fomentar o discurso de ódio sem que ninguém se indigne. As novas gerações perante a subversão de valores a que assistem quotidianamente, talvez passem a considerar que a sociopatia é uma carreira profissional e artística, e desmembrar o corpo do condenado publicamente é banal, tal como descreve Michel Foucault na obra Vigiar e punir.

Estará a sociedade tão doente que pretenda normalizar a barbárie, de modo a criar uma ética de conduta para os bons assassinos que matam os maus. Estará a comunicação social a fomentar uma Terceira Guerra Mundial? Sim, porque todos sabemos que o senhor Putin não admitirá que o mundo ocidental o trate por assassino e apele à sua morte incentivado pelos meios de comunicação social.

Finalmente, conseguimos tornar-nos doentes mentais.

Filósofa (com pós-graduações em Biologia, Ciências Cognitivas e Economia Social)

Retirado de 

Paginaum

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