domingo, 28 de junho de 2020

Enfermeiros: Heróis ou vilões?!


Homenagem de Vhils (Alexandre Farto) aos profissionais de Saúde, Hospital de S. João no Porto

Não é a final da Champions que paga as contas aos enfermeiros

Os enfermeiros, bem como os todos os profissionais de saúde, que estiveram e ainda estão no combate directo à covid-19 foram considerados uns “heróis”, a quem bateram palmas, quase que endeusados pelo Presidente da República e pelo Primeiro-ministro. Mas quando reivindicaram o que tinham direito, como quaisquer outros trabalhadores, em 2018 e 2019, foram diabolizados e tratados quase como criminosos, que se encontravam ao serviço dos interesses privados da saúde e queriam matar os doentes; eram os vilões que levaram com a requisição civil em cima. Uma das figuras que mais se distinguiu nesses ataques foi precisamente a actual ministra da Saúde, pessoa de imensa lata e de pouca vergonha.

Depois de 3 mil e 681 profissionais de saúde infectados, dos quais 1180 enfermeiros, 516 médicos, 1082 assistentes operacionais, 166 assistentes técnicos, 113 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e 620 profissionais de outros grupos, quase todos pertencentes ao SNS, o Primeiro-ministro, o Presidente da República, a ministra da Saúde, o ministro da Economia, o subsecretário da Cultura e Desportos anunciaram com pompa e circunstância a realização da fase final da Chamipons em Portugal, apresentando o acontecimento como sinónimo de grande vitória e de prémio pelo “milagre” que foi o combate ao coronavirus no país. Com o Primeiro-ministro a declarar que a Final da Champions em Lisboa é “um prémio aos profissionais de saúde”. Aonde chega o descaramento e a demagogia!

Claro que o número de profissionais de Saúde infectados pelo coronavirus é neste momento muito maior e o surgimento de novos focos da pandemia no país, Lisboa e Alentejo, deita por terra os números apresentados, e sempre manipulados, pelo Governo e pela Direcção Geral de Saúde. O discurso dirigido ao país, ou seja, para consumo interno, não cola com a realidade, bem conhecida lá fora, como se comprova pela proibição por parte de um grupo largo de países da União Europeia da entrada de cidadãos provenientes de Portugal. Perante a catástrofe, o Governo regressa à restrições impostas aos cidadãos nas freguesias mais populosas e habitadas essencialmente por trabalhadores na região da capital, agora com a aplicação de um quadro punitivo, com multas que podem ir até aos 5000 euros e prisão dos cidadãos que não respeitem as autoridades.

O Governo enquanto proíbe os ajuntamentos de pessoas na rua prepara-se para reabrir as discotecas e bares, cedendo à pressão dos empresários do sector, e continua a permitir o transporte de trabalhadores, amontoados como gado, nos transportes colectivos, tanto públicos como privados, na área da Grande Lisboa, não avançando para a requisição civil dos transportes privados, como fez quando se tratou de boicotar a greve dos trabalhadores dos transportes de matérias perigosas, usando dois pesos e duas medidas distintas quando se trata de salvaguardar os interesses dos patrões ou dos trabalhadores. Tornam-se claros os intentos intimidatórios do Governo quando se sabe que a grande maioria dos casos de infecção ocorre em espaços confinados, em empresas ou em lares da terceira ou até nos transportes públicos, com mais de 40% das mortes a incidir em pessoas idosas institucionalizadas.

Enquanto que na Alemanha, por exemplo, o governo já se comprometeu a pagar aos trabalhadores da saúde um aumento de salário, e na França, após manifestações que foram reprimidas pelo governo de Macron, este prometeu um bónus de 1500 euros, em Portugal o Governo do PS e do Sr. Costa, faz de conta que nada tem a ver com o assunto, e o principal partido da oposição, o PSD, veio propor mais um dia de férias por cada 80 horas de trabalho suplementar e um prémio extraordinário de desempenho que pode ir até 50% de um salário, esquecendo-se que foi o seu governo que desceu o salário nominal dos enfermeiros, e outros profissionais do SNS, e atirou mais de 10 mil enfermeiros para a emigração.

Em vez de mobilizar e organizar a classe, os sindicatos, com especial destaque para o SEP, andam de chapéu na mão a pedinchar, ou seja, a tentar meter a “cunha”, aos partidos com assento parlamentar para mover influência para a aprovação de algumas medidas e desbloqueio de pequenos problemas relacionados com a contagem dos pontos para progressão e com a transição para a nova carreira de enfermeiros que foram prejudicados, nomeadamente os especialistas; problemas estes que só existem porque a luta não foi levada até ao fim e nem a carreira responde aos principais anseios da classe de enfermagem. Esta é uma excelente altura para fazer avançar a luta, já que os enfermeiros são os “heróis”, podendo ganhar alguns benefícios como está a acontecer noutros países da UE, se os sindicatos tiverem a coragem política de apresentar reivindicações sentidas e oportunas, como por exemplo, mais um salário para quem está ou esteve na primeira linha e regime de exclusividade para todos os enfermeiros que assim o entendam.

Não é com futebol nem com bilhetes para a Champions que os enfermeiros pagam as contas ao fim do mês, como também dispensam bem a arrogância do senhor Costa quando afirmou que os profissionais do SNS não fizeram mais do que a sua obrigação, então, ele, como Primeiro-ministro, cumpra também com as suas obrigações e pague aos trabalhadores do SNS o que eles merecem.

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