domingo, 28 de agosto de 2022

A saúde a estorricar: os enfermeiros estão na primeira linha

 

Em nenhum Verão se assistiu a tantas notícias sobre a degradação dos serviços de saúde em Portugal, nomeadamente no que toca ao SNS, desde a insatisfação dos trabalhadores por falta de condições de trabalho e baixos salários ao não atendimento, ou atendimento insuficiente, dos serviços públicos às solicitações da população utente no que concerne aos serviços de urgência. Parece que se criou, logo no início do Verão, uma campanha de alarmismo e de descredibilização do SNS em Portugal. Contudo, não há fumo sem fogo, e se as intenções da campanha são claros a identificação dos pirómanos também é bem conhecida.

Se na primeira linha da campanha se encontram os principais órgãos de comunicação, pertencentes a grandes grupos económicos privados, alguns dos quais com interesses potenciais na área, e a ordem dos médicos ciosa de manter os seus privilégios e poder, na primeira fila da contestação os enfermeiros tentam timidamente ousar a contestação já tardia pelos seus denegados e mais que justos direitos.

Os enfermeiros no Algarve, bem como no resto do país, estão fartos de fazer horas extraordinárias que, mesmo sendo pagas, não recompensam o esforço físico e psicológico extras despendidos. E os que fazem greve não é só pela contagem do tempo mas igualmente por uma carreira e um salário dignos. Os enfermeiros lutam pela garantia de emprego, como acontece com os 15 enfermeiros do Centro Hospitalar do Oeste, em risco de despedimento por falta de autorização do ministério das Finanças/Governo para a contratação, apesar dos alertas serôdios da DGS para o "expectável aumento da indisponibilidade de recursos humanos" no SNS, não deixando de pedir mais contratações.

A política planeada de degradação do SNS e da precarização dos seus trabalhadores

Ora, as contratações que o Governo está disponível para fazer são as que vão aumentar a precariedade, com mais contratos prazo por 4 meses ou à hora por recibos verdes, ou reconverter os trabalhadores em situação igualmente precária, mas disfarçada que são os CIT (contratos individuais de trabalho), que representam na prática a gestão empresarial da saúde como de alguma e qualquer empresa se tratasse. Declaradamente que o Governo gere o SNS como uma mercearia se tratasse.

Como vulgar patrão o desejo do Governo/Estado é acabar com os contratos a tempo indeterminado para poder despedir como e quando bem entender e assim poder baixar ainda mais os salários e degradar as condições de trabalho. Os CIT foram uma “inovação” do governo PS/Sócrates, se não estamos em erro, que os governos posteriores mantiveram e até fomentaram. O Estado/governo tem actuado sempre como patrão, e um mau patrão porque mais explorador. Mas por outro lado, é o único que fomenta entre os seus trabalhadores a concorrência desleal ao permitir que exerçam actividade simultaneamente no sector privado; facto que aqui justifica despedimento com justa causa.

O SE (Sindicato dos Enfermeiros), em andanças de reunião com a secretária de Estado da Saúde, vem dizer que o que está em causa, quanto à reposição dos pontos para efeitos de progressão na carreira, é a existência de dois regimes jurídicos de contratação no Serviço Nacional, o que produz injustiça a duplicar, que não conte com a magnanimidade ou generosidade do Governo para acabar com uma situação que traz largas “poupanças” ao erário público. É que os dinheiros assim poupados há muito que têm outro destino traçado.

Parece que, a par dos bombeiros, foram os enfermeiros e os médicos que sofreram maior queda salarial relativamente ao último trimestre do ano dentro da administração pública, o que não nos suscita qualquer admiração. Há muito se sabe que desde a vinda da troyka que os salários se têm vindo a degradar e que desde a entrada em funções da dupla Costa/PS nunca os trabalhadores conseguiram recuperar o seu poder de compra (salário real); tanto os do sector público como os do privado, a diferença é que os primeiros são sempre o cepo de ensaio das marradas.

O destino dos dinheiros para a saúde já foi traçado por Bruxelas e desde há muitos anos, a questão não é de agora, está sentenciado que a maior fatia terá de ir para o sector privado: hospitais, clínicas, laboratórios, farmacêuticas, sector dito “social”, misericórdias, igreja católica, etc., isto é, todos aqueles que se ufanam de “empreendedores” e de “sucesso”, mas à custa dos dinheiros públicos – decididamente que o negócio da saúde (doença) será o negócio do século... mas financiado pelo Estado.

A Concessão, em pareceria público-privada, do hospital Lisboa Oriental à empresa Mota-Engil, empresa que parece ter alguma simpatia por parte do PS (relembremo-nos de Jorge Coelho!) acaba de ter o aval da Autoridade da Concorrência, e assim vai de vento em popa. Não sendo esta ainda a principal forma de financiar os privados, porque as compras directas, os protocolos e a ADSE têm sido ultimamente os meios mais usados e a pandemia foi um excelente pretexto, dando a ideia que foi desenhada à medida.

Como o SNS não funciona como devia, durante a pandemia esteve quase a 100% dedicado à covid-19, agora será por mais por falta de médicos (será um boicote orquestrado?), fazendo fé no discurso monocórdico dos órgãos de informação de referência, se explica que as famílias portuguesas nunca gastaram tanto com a saúde como em 2021, dinheiro retirado directamente do seu bolso, com as despesas a chegarem aos quase 6,8 mil milhões de euros no ano passado, “apenas” mais 906 milhões de euros mais do que em 2020 – Portugal as despesas dos cidadãos em saúde (30%) representam o dobro da média da União Europeia.

O regime de exclusividade é essencial no SNS para cuidados de qualidade

O melhor investimento é aquele que é feito no factor humano e o dinheiro mais bem empregue é nos salários e na formação dos trabalhadores do SNS. Reivindicar melhores carreiras e mais salários, acabar de vez com os recibos verdes e os CIT na administração pública, que, por sua vez, é o incentivo que o mesmo aconteça no sector privado, é a melhor forma de garantir cuidados de saúde de qualidade aos portugueses.

Claro que melhores e mais modernos equipamentos e instalações e formas de gestão mais eficientes são necessários; contudo, o factor humano é determinante e está em primeiro lugar. Condição para que haja trabalhadores motivados é ter que haver dedicação plena e exclusiva no SNS, a começar pelos seus dirigentes, desde o topo à base, passando pelos directores de serviço. O regime de exclusividade é essencial e é de lamentar que as organizações representativas dos enfermeiros, desde, e principalmente, os sindicatos à ordem, nunca tenham colocada esta reivindicação como prioritária ou a tenham colocada sequer. Inicialmente poderá ser facultativa, mas sempre obrigatória para os dirigentes, e gradualmente obrigatória para todos. Com um acréscimo ao salário base de entre 50 a 100%, temos a certeza que a grande maioria dos enfermeiros deixaria os tachos no privado para se dedicar exclusivamente ao SNS onde teria satisfação máxima a todos os níveis.

Caso isto não aconteça é continuar a ver os indicadores de saúde a piorar, onde se destaca o maior número de mortes por excesso e o aumento da mortalidade infantil, e o recrudescimento da emigração, com a fuga dos jovens e dos melhores quadros: no primeiro semestre de 2021 emigraram para o Reino Unido seis mil portugueses, tantos como durante todo o ano de 2020, adianta o presidente do Observatório da Emigração.

Nós enfermeiros lutamos por uma profissão valorizada, por um Serviço Nacional de Saúde Geral Universal e Gratuito mas igualmente por um país com futuro e onde seja agradável viver.

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