quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

A DÚVIDA: "Onde estão os criminosos e quem vai responsabilizá-los?!"

 

por Pedro Girão

(“Menos 25 milhões de exames e análises e milhares de rastreios oncológicos por fazer” - no “Público” de hoje.)

Em 2019, em 2018, em 2017, tal como em todos os anos anteriores, o nosso sistema de saúde (SNS, privado e privado-social) prestava no seu conjunto um determinado serviço à população - um serviço que todos (Governo, profissionais, público) reconhecerão como útil, essencial e indispensável.

A partir de Março de 2020, esse trabalho (útil, essencial e indispensável) deixou de ser feito. As razões iniciais para isso, baseadas no medo do desconhecido, pareciam justificadas para todos. Mas rapidamente (a partir de Maio, quando os números do Covid começaram a descer) algumas vozes começaram a chamar à atenção para a necessidade de cuidar dos utentes não-Covid. Grande parte da minha intervenção pública passa por aí. Esse caminho urgente de retoma dos cuidados tem sido lento, intoleravelmente lento. No Verão tornou-se nítido que o objectivo “diminuir o Covid” se tinha transformado no objectivo “zero Covid” - que é algo do domínio do impossível e do foro da patologia psiquiátrica. Hoje, apesar de alguns progressos, esse problema psíquico mantém-se nas vozes e nas ações da maioria: zero Covid - ou o pânico.

Como é que o Governo (na Saúde como em tantas outras áreas) mantém um silêncio indiferente acerca das vítimas colaterais de todas as medidas anti-Covid?

Como é que a Ministra da Saúde, cuja incompetência se manifesta num discurso que oscila entre o ingénuo e o boçal, continua a dar ordens para suspender a maioria dos cuidados não-Covid, nomeadamente ocupando os cuidados primários com tarefas burocráticas?

Como é que houve tantos médicos que se recusaram e recusam a correr o risco de ver doentes presenciais (será certo que “não me pagam para isso”, como diziam alguns?), esquecendo que o cerne da Medicina é o outro e não o eu?

Como é que continua a haver tantos médicos influencers a assustar as pessoas (afastando-as assim da saúde), martelando na tecla obscena dos cuidados intensivos e/ou da morte que espera todos aqueles que não cumprirem o objectivo supremo de não sobrecarregar “o sistema” (ou seja, a eles próprios)?

Como é que o corporativismo de interesses, sindicatos e associações tem mantido a Ordem dos Médicos atada a um discurso insuficientemente afirmativo na defesa dos doentes?

Como é que as pessoas continuam a temer o incerto, o risco, os fantasmas, o medo instituído e institucionalizado, comprometendo assim a sua própria saúde?

Como é que o pânico instilado pelos “media”, esse pânico que é a substância que os alimenta, ainda não reparou nos casos dos milhares que adoecem e morrem por falta de cuidados de saúde?

Como é que os partidos que sempre falaram do povo e das classes mais desfavorecidas mantêm o silêncio, cúmplice e quase absoluto, perante as incríveis desigualdades agora geradas no acesso aos cuidados de saúde por parte das camadas da população economicamente mais débeis?

Como é que se perpetua este clima surreal de medidas estúpidas sem haver qualquer sinal substantivo de revolta e, pelo contrário, surgindo cada vez mais sinais de repressão (aplaudida até), sem as pessoas perceberem que, além de um atentado à sua liberdade, essas medidas são um atentado à sua saúde?

Menos 25 milhões de exames e análises e milhares de rastreios oncológicos por fazer”?!... Mas nos anos anteriores esses milhões de actos eram inúteis? Eram só para manter os profissionais ocupados e a ganhar dinheiro? Eram só por interesse do Estado? Eram só para manter a aparência de que o sistema funcionava? Ou eram realmente úteis e indispensáveis? Entendam-se a esse respeito: o que era importante para a saúde em 2018 ou 2019 deixou de o ser em 2020 e 2021? E voltará a ser importante? Quando?... Com que “cara” voltarão a dizer aos utentes que os seus exames preventivos são importantes? A Saúde e a Medicina que pregámos e defendemos durante décadas era afinal um logro e uma perda de tempo? Ou será um logro esta pandemia que tornou dispensável tudo aquilo que fazíamos e tudo aquilo em que acreditávamos? Entendam-se: a mentira de hoje não pode ser a verdade de amanhã. O medo não chega para justificar tudo.

Hoje, quase um ano volvido, pergunto: com tantos responsáveis por esta situação criminosa, no final “vai ficar tudo bem”?!... Onde estão os criminosos e quem vai responsabilizá-los?!... Fica a dúvida.

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Fonte: https://www.publico.pt/.../menos-25-milhoes-exames...

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