terça-feira, 20 de outubro de 2020

Marcelo “O Sanitário”

 

Imagem in "Observador"

O PR Marcelo, arvorado em governante, vai esta semana encetar consultas com “várias personalidades da área da saúde”, começando pela ministra Marta Temido, passando pelo actual e os ex-bastonários da Ordem dos Médicos (tudo boa gente que enriqueceu parasitando o público através do privado) e outros bastonários das áreas ligadas à saúde, acabando nos ex-ministros da saúde, sindicatos e confederações sindicais e patronais, no que serão, nas suas palavras, "duas ou três semanas muito importantes" para que haja o maior consenso sobre o que deverá ser o SNS perante, saliente-se, o desafio colocado pelo combate à pandemia da doença covid-19.

A ministra da saúde já há algum tempo se manifestara favorável à “ajuda dos privados” no atendimento das consultas e cirurgias e todos restantes cuidados de saúde que ficaram por realizar devido à concentração dos meios do SNS no atendimento aos doentes por covid-19; uma ajuda, diga-se de passagem que se contava a partir de Março, quando a pandemia teve início, mas que não aconteceu porque o medo que foi incutido às pessoas foi de tal ordem que elas não ousaram recorrer nem ao público nem ao privado. Se os privados do negócio da saúde não se chegaram à frente e até recusaram aceitar liminarmente doentes com a covid-19 foi pela simples razão de que o governo também não se manifestou em abrir, pelos menos de forma significativa, os cordões à bolsa.

Mas agora, em tempo de discussão e de aprovação do Orçamento de Estado para o ano de 2021, a conversa é outra, o mesmo PR, o homem, e é bom lembrar, que votou contra o SNS aquando da sua implementação em 1979, bem como o partido PPD/PSD do qual foi dirigente, o que também é bom frisar, já veio dizer de forma magnânima, que não descartava uma subida do défice das contas públicas em caso de necessidade de reforço de pessoal na área da saúde. Ora, vindo isto da boca de que sempre se preocupou com o respeito das regras impostas por Bruxelas quanto ao défice orçamental e ao limite da dívida pública, será para nos interrogar o que faz com que a figura máxima do estado se preocupe tanto com a saúde do SNS e dos portugueses? O próprio tem dado a resposta.

O homem gostaria de “encontrar um consenso de pontos”, daí a pressa de falar com toda a gente que represente os diversos interesses instalados, nomeadamente o “sector económico e social”, reafirmando a ideia de há muito e sempre defendida de integrar no SNS os tais sectores privados. Não só o sector abertamente privado, dominado em grande parte por empresas estrangeiras, nomeadamente chinesas e norte-americanas, para além das nacionais Mellos Saúde, e o sector também privado mas disfarçado com a capa de social que são as Misericórdias e as IPSS, na sua maioria nas mãos da Igreja Católica, que tem nestas instituições uma excelente forma de se financiar à custa dos dinheiros públicos. Seria o tão e seu almejado Sistema Nacional de Saúde, ou como Marcelo surge sem peias como agente dos negócios dos comerciantes da doença em Portugal.

Neste momento, e fazendo fé nas notícias que têm vindo a lume e nas intervenções de alguns comentadores televisivos avençados, deve-se estar a negociar qual o preço não só dos doentes covid-19 mas de todas as cirurgias e outros actos de saúde, cujos atrasos não deixarão de aumentar a pretexto de novos casos de infecção (mas não de doentes), bem publicitados pelas televisões à porta dos hospitais do SNS onde têm acontecido, numa falsa demonstração do “esgotamento” das instituições do serviço público, e cuja capacidade dirigida especificamente para a pandemia está longe de ser atingida (menos de 60%). Não deixa de ser curiosos o facto desses órgãos de comunicação nunca falarem da necessidade da requisição civil dos hospitais privados. Agora o aumento da despesa do estado já pouco importa, na justa medida em que esse excesso de gastos será para enfiar directamente nos bolsos dos empresários da saúde, melhor dizendo, empresários que o são à custa da desgraça do povo português e dos dinheiros públicos, serão mais empresários da doença; lucros esses, aliás, que serão reenviados para os países de onde provêm essas empresas ou para off-shores no caso dos empresários “de sucesso” nacionais.

No entanto, não há dinheiro suficiente, dizem, para um aumento digno dos trabalhadores do SNS e de outros sectores da administração pública, os aumentos para 2021 não são certos para os trabalhadores menos bem remunerados quanto mais para os restantes, porque para estes será zero euros. Para a continuação da recapitalização do Novo Banco haverá sempre dinheiro, ou directamente colocado pelo governo no Fundo de Resolução ou através da Caixa Geral de Depósitos, ou para a recapitalização das grandes empresas, porque as restantes irão em grande parte, calcula-se cerca de 40%, para a falência pura e simples, é que grandes empresas já reclamam que não estão a ser devidamente contempladas no OE-2021. Há e haverá dinheiro para o negócio dos testes, testa-se agora a torto e a direito, mas não os grupos de risco, havendo ainda, por exemplo, muitos trabalhadores do SNS que ainda não foram testados e alguns deles já com contactos directos com pessoas infectadas pelo coronavírus.

O governo ufana-se que já se realizaram 3 milhões de testes em Portugal (cuja fiabilidade na detecção do vírus activo deixa algo a desejar), fazendo as contas dará aí uns mais de 120 milhões de euros só à conta do estado durante este tempo de pandemia, porque se for o cidadão a pagar do seu bolso cada teste poderá ultrapassar os 100 euros, e terá sido muito mais dos 120 milhões! Seguir-se-á o negócio das vacinas, da gripe e mais tarde da covid-19, as farmácias já se queixam de que poderão esgotar os estoques das vacinas para a influenza, serão centenas de milhões de euros, enquanto o negócio das máscaras e de outros equipamentos de protecção individual segue de vento em popa, talvez com maior rapidez do que a tão badalada e temida pandemia.

Se em 2018, segundo dados do INE e divulgados pela imprensa, 41% do orçamento da saúde desse ano, um pouco mais de 12.400 milhões de euros, ou seja, 5.055,7 milhões de euros foram para dar aos hospitais privados (22,5%), consultórios e gabinetes médicos (20%) e para, sendo esta a maior fatia, comparticipação de medicamentos e bens médicos nas farmácias e outros retalhistas. Estes 41 por cento pagam 47% da facturação total dos privados, considerando ainda que a ADSE paga 6,6% e os fundos da Segurança Social cerca de 4% da mesma, o que significa que sem o financiamento do estado o sector do negócio da saúde que é o privado não conseguiria sobreviver (as famílias portuguesas são de toda a União Europeia as que mais pagam do seu bolso, cerca de 30% das despesas totais). Agora, trata-se de aumentar a fatia do bolo com a argumentação do “combate à pandemia”, ou como o coronavírus é um meio providencial de uns tantos já ricos ficaram ainda mais ricos. Ou como o SNS será, mais dia menos dia, um serviço de assistencial, destinados aos pobrezinhos, mas que não pode morrer de todo, como o hospedeiro tem de se manter vivo para que o vírus não morra. O sector privado e o social são piores que o Sars-Cov-2, estes sim é que são a verdadeira pandemia.

Com certeza que contratar mais trabalhadores para o SNS em situação de efectividade, com carreiras e salários dignos, de preferência em tempo de exclusividade, devendo ser aumentados num mínimo de 50% sobre o salário base, em número suficiente para colmatar as faltas em todo o SNS é coisa que pouco interessará ao governo ou às empresas de trabalho temporário, verdadeiras fábricas de esclavagismo, algumas delas propriedade de indivíduos ligados ao PS. Não é com as palavras do PR Marcelo de “reconhecimento aos profissionais da saúde” que estão, "muitos deles, cansados e esgotados" que os enfermeiros, bem como todos os restantes trabalhadores da saúde, se governam. E diz Marcelo que não se importa que o défice orçamental se agrave “em caso de necessidade de reforço de pessoal na área da saúde”, como houvesse ainda dúvidas quanto à falta, que é gritante, dos mesmos! O que bem demonstra qual a sua verdadeira preocupação e o que é que realmente o faz correr.

PS: Não deixa de ser curioso Marcelo ter publicamente desejado “melhoras” a Ronaldo por ter testado positivo ao coronavírus, mas não estando doente já que jamais manifestou qualquer sintoma.

Texto original aqui

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