Henricartoon
por Manuel Loff
1.
A maior derrota das direitas portuguesas desde 1975. Nunca
os dois partidos clássicos da direita (PSD e CDS) tiveram tão
poucos votos: 1638 mil (32,2%), menos 440 mil que em 2015, quase
menos 1,2 milhões que na vitória anti-Sócrates de 2011! Pela
primeira vez desde 1975, literalmente, eles não juntam ⅓ dos
votos. É verdade que as pequenas (extremas-)direitas cresceram como
nunca: 227 mil votos (4,5%, ¼ dos quais do Chega), mas não é que
eles já cá não estivessem; em 2015 já tinham 1,9%, e 3,2% em
2011. Desde o segundo referendo sobre a IVG (2007) que à direita
começaram a organizar-se autonomamente ultras de várias espécies,
desde o PNR aos antiabortistas; só agora conseguiram, com outras
siglas, representação parlamentar, mas há muito que vêm
marinando. Todas somadas, contudo, do PSD ao Chega, nunca foram tão
poucos, e nunca se apresentaram tão fragmentados. Falta perceber o
mais importante: como vão PSD e CDS comportar-se perante estes
bolsonaristas da “bala”, do medo e do racismo, que prometem
destruí-los nos próximos quatro anos. Se tomarmos por referência o
que já disseram há um ano sobre Bolsonaro, e se se comportarem como
os seus congéneres italianos, escandinavos, austríacos, americanos,
brasileiros…), conviverão bem com a extrema-direita, descafeinarão
a coisa (“são portugueses como quaisquer outros”), e farão este
discurso que já se ouve da “grande casa das direitas” que há
que (re)construir. Em suma, chegará a hora dos Nunos Melos e dos
críticos de Rio, que, como fez Ventura, querem importar a fórmula
da radicalização da direita: ultraliberalismo económico, racismo
contra os “inassimiláveis”, política do medo, policialização
da realidade.
2.
A vitória do PS ou do alívio? Costa conseguiu para o PS
uma das suas piores vitórias de sempre. Muito abaixo de Guterres e
Sócrates, mas até mesmo de Ferro Rodrigues, que foi derrotado em
2002 por Durão Barroso com bem mais votos que Costa agora. O PS
ganhou 120 mil votos mas tem hoje menos 200 mil quando Sócrates
perdeu a maioria absoluta, em 2009, e menos 100 mil que nas
autárquicas de 2017. Há dez anos que o PS não consegue atrair o
milhão de votantes que apoiam partidos à sua esquerda (BE, CDU e
outros), ainda que tenha conseguido convencer uma parte dos 110 mil
votantes perdidos pela CDU e dos 60 mil pelo BE de que era seu o
mérito da reposição de salários e de reformas ou o aumento do
salário mínimo, que Costa e Centeno não tinham querido em 2015 mas
que lhes garantiram, afinal, este pequeno sucesso. No essencial, na
dúvida sobre se a austeridade acabou ou não (e não acabou), uma
grande parte dos portugueses sente, em todo o caso, um grande alívio
comparado com a angústia e a ofensa diária que sentiu no último
ano Sócrates e nos anos de Passos e troika. Facilita tudo isto que
meio milhão tivesse emigrado já até 2015, e que até 2018 mais 300
mil pessoas tenham arranjado um emprego, mas os salários continuam
esmagados e, apesar da redução da pobreza, a concentração de
riqueza acentuou-se. Estes trinta anos de precarização dos
contratos, privatização do público e financeirização da economia
têm sido uma longa lição de resistência aprendida à força;
sempre que se bloqueia o avanço da indignidade, é natural que quem
resiste se sinta aliviado. Poucas são as vitórias que pode cantar,
mas reconhece o alívio – e este premiou (limitadamente) o PS.
3.
A crise do sistema de representação não foi corrigida. E
a medida dela nem está no nível da abstenção oficialmente
registada, artificialmente inflacionada pelo milhão de eleitores,
pelo menos, que não vive em Portugal mas está cá recenseado. Isto,
contudo, não invalida a grande desafeição que demasiados cidadãos
sentem pelo sistema de representação. Esta é também uma
consequência destes últimos 30 anos: por um lado, os mais precários
(jovens, pobres, com exceção de grande parte dos idosos) são
ensinados a sentir que é inútil participar (a diferença de
participação entre freguesias pobres e ricas nas mesmas cidades
pode atingir 15%); por outro, entre trabalhadores acossados,
advertidos para não se sindicalizarem, as derrotas face ao poder
patronal e ao do Estado dissuadem cada vez mais gente de votar, em
vez de o fazer em protesto. A nossa, como a grande maioria das
democracias formais, está a tornar-se uma democracia da abstenção
deliberadamente promovida pelas políticas económicas. Neste
contexto, todos os apelos cívicos de quem assim governa parecem
hipocrisia da mais acabada.»
Retirado de entreasbrumasdamemoria
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