terça-feira, 11 de outubro de 2011

Os que se valem da profissão


A notícia recente que está a chocar a opinião pública e que tem sido aproveitada por todos os canais de televisão nos seus programas de entretenimento do Zé Povinho, género Você na TV! do Goucha, é a do polícia que, valendo-se da profissão e contando com a cumplicidade de um colega, montou uma cilada a um vizinho com quem estava em conflito enfiando-o na prisão durante cinco meses, agora está a contas com a justiça e com procedimento disciplinar dentro da PSP. E iremos lá ver se será castigado pelo que fez, como aconteceria se tratasse de um simples e qualquer cidadão!

Situação que se pode comparar, de certo modo, com a de médicos que, aproveitando-se da profissão e do estatuto social privilegiado, vão cometendo algumas tropelias: há tempos tivemos o psiquiatra que violou uma doente grávida no consultório; agora é o caso do médico neurocirurgião que espreitou as colegas e as enfermeiras na casa de banho, utilizando um sistema de microcâmara controlado à distância; e de outro clínico, cirurgião vascular, que acaba de ser acusado pelo Ministério Público de 15 crimes de abuso sexual de pessoa internada, em concurso com a prática de 15 crimes de coação sexual, segundo o divulgado pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
No caso do neurocirurgião do Hospital de Viseu, a imprensa já referiu que é cidadão brasileiro, dando a entender que se fosse português a coisa não teria acontecido. No segundo caso, a prática do crime foi continuada ao longo de alguns anos, entre 2005 e 2010, praticando o médico atos sexuais de relevo com as 15 ofendidas identificadas, fazendo-o de diversas formas, designadamente antes das cirurgias, após as cirurgias, durante os tratamentos e ainda nas consultas de clínica privada.

Quanto ao cirurgião vascular, a Inspeção-Geral da Administração de Saúde (IGAS) interveio e, no âmbito de um processo disciplinar, foi aplicada a pena de demissão de funções públicas e, quanto ao processo crime, o arguido tem como medida de coação a obrigação de permanência na habitação, assim como de proibição de contactos e de prática de atos médicos. Não consta que tenha sido expulso da Ordem. Em relação ao neurocirurgião – que continua a trabalhar no hospital e no mesmo serviço –, os processos, disciplinar e judicial, ainda estão na fase inicial, espera-se pelo que virá, mas não nos parece, atendendo à experiência, que venha a haver castigo de vulto.

Costuma-se dizer que em Portugal há duas justiças: uma para os ricos e poderosos, outra para os pobres e trabalhadores. A primeira é lenta e obsequiosa para permitir que fujam ao castigo devido, a segunda é rápida e implacável a castigar. Os médicos são geralmente julgados pela primeira. Há quem diga (o bastonário da Ordem dos Advogados) que existe ainda uma terceira: para os magistrados e familiares que, inclusivamente, podem matar, que nada lhes acontece. É bem possível que alguns médicos, os mais poderosos e influentes, sejam tratados por esta última.

Ainda quanto à Ordem dos Médicos, tem surgido a acusação de ser responsável pelo atraso da legalização dos nove médicos porto-riquenhos que se encontram desde Maio em Portugal e que, já depois de terem feito a prova de português e a prova técnica e ficarem aprovados, e estarem integrados nos próprios serviços, não têm a cédula profissional, que é passada pela Ordem, por… falta de um documento que deveria ter sido enviado pelo governo da Costa Rica. A acusação é feita pela comissão de utentes de saúde do Médio Tejo e claro que quem perde são os cidadãos utentes que não têm dinheiro para ir ao consultório privado do senhor doutor. Quanto a esta história estamos bem lembrados do tempo em que qualquer enfermeiro recém formado era admitido em qualquer hospital público no dia seguinte à saída da escola e sem necessidade de apresentação de qualquer papel e, tanto quanto se sabe, não consta que tenha havido alguma fraude, mas quando um governo se demite da sua autoridade e deixa que organizações mafiosas se constituam em estados, então é o que acontece.
Estas estórias devem fazer despertar os enfermeiros para a reclamação da sua quota de poder e de autoridade dentro da gestão dos cuidados de saúde, mas sem arrogâncias nem mafiosices, porque a importância da sua função assim o justifica.

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