quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Novo ministro e velhos problemas

Foto "DN"

O novo/velho ministro da saúde, Manuel Pizarro (médico para que se conste), tomou posse do cargo corroborando o que toda a gente sabe de há muito, são precisos mais meios e os que existente devem ser melhor geridos. É a verdade de La Palice que pouco ou nada diz sobre a política que irá ser seguida no sector da Saúde em Portugal.

Mas, passado pouco mais de quinze dias, o ministro já levanta um pouco o véu das suas verdadeira e reais intenções ao acusar os farmacêuticos do SNS, em greve, de “adiarem tratamentos oncológicos”; coisa que logo o sindicato negou. A postura em relação aos enfermeiros não está a ser muito diferente pela razão de não atender às propostas das suas organizações sindicais de valorização da carreira e da promoção justa e igual para todos os profissionais, independentemente de serem ou não especialistas ou de estarem em CIT ou CTFP.

Não será difícil adivinhar como vai ser esta valorização, nomeadamente no que concerne aos valores remuneratórios, na medida em que o aumento dos 2% estará longe de constituir um atractivo para a contratação de novos profissionais e, pelo contrário, fará com que os técnicos mais qualificados continuem a fugir para o sector privado, onde, na maior parte das vezes, vão trabalhar como trabalhadores em nome individual, mas com maiores proveitos. A Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares já tinha confirmado, depois de analisar o Orçamento de Estado para 2023, que esta não será a melhor forma de reter os profissionais no SNS.

Os factos e algumas declarações do ministro revelam os reais objectivos da política deste governo para a Saúde: a continuação do mesmo; isto é, manter a senda de degradação do sector público da Saúde para claro benefício dos empresários da saúde/doença, que ainda não contestaram a figura do ministro porque sabem que é um dos seus. Não será por acaso que há em Portugal uma forte inclinação para nomear como ministro de uma das mais sensíveis, se não a mais sensível, áreas de serviços prestados pelo Estado.

Pizarro parece estar disposto a querer satisfazer todos os lóbis que enxameiam e parasitam o SNS, desde os grandes grupos de exploração de unidades de saúde até aos laboratórios farmacêuticos. Não teve a mínima hesitação em afastar a “existência de preconceito” em relação aos setores privado e social, sublinhando que a prioridade é a prestação no serviço público sempre que se revele vantajoso (para os privados, evidentemente), porque haverá “complementaridade nos serviços”, que previamente foram degradados, como está a acontecer com as maternidades. O governo destrói e os privados avançam para ocupar o espaço vazio. E as PPP para a construção e gestão de novos hospitais, como de outras infra-estruturas, serão para avançar.

Não foi novidade o facto de a Comissão de Acompanhamento tenha proposto o encerramento de quatro urgências de obstetrícia e ginecologia nas regiões de Lisboa e do Centro, concretamente os serviços de urgências nos hospitais de Vila Franca de Xira, Barreiro, Covilhã e Castelo Branco, locais onde já existem serviços privados; o que provocou imediata revolta por parte de autarcas e de grande parte da população.

Perante a decisão/aconselhamento, feito por gente que tem interesses no negócio, o ministro correu logo a dizer que "nenhum serviço de obstetrícia e bloco de partos fecha este ano". Não será este ano, será no dia 1 de Janeiro de 2023, ou seja, no dia seguinte. O negócio já foi destacado como fortemente rentável no âmbito do turismo dos nascimentos. Também não será fortuito o caso de Portugal ser o país onde se fazem mais partos por cesariana, e com especial evidência nas clínicas privadas, para assim melhor facturarem – o Estado vai pagando.

Ainda há pouco o ministro reconheceu a necessidade de se rever o preço dos medicamentos, explicando a subida, que não ficará pelo aumento da inflação, pelos custos de produção. Já possuímos medicamentos caros que impedem que muitos cidadãos com menores posses financeiras, por exemplo, os idosos, grandes consumidores de medicamentos e de cuidados de saúde, tenham pleno acesso a um bem essencial. Daqui para frente iremos assistir ao agravamento da saúde de quem já tem pouca e a uma descida brusca da qualidade e da esperança de vida da população portuguesa.

O ministro, e o Governo em que participa, diz estar preocupado com a saúde dos cidadãos quando ataca os farmacêuticos em greve, mas nada diz quanto à responsabilidade de muitos diagnósticos não terem sido feitos a tempo, devido ao lockout do SNS a pretexto do tratamento dos casos de covid-19. A culpa é sempre atirada para cima dos trabalhadores, o patrão/estado tem sempre razão, mesmo quando desbarata os dinheiros públicos em contratações por ajuste directo pela aquisição de bens por intermédio de empresas pertencentes a amigos e compadres, em vez de as fazer a directamente com os fabricantes. O negócio das luvas de nitrilo com uma empresa de reparação de automóveis, a Escape Fort-Ldª, no valor de mais 1,5 milhões de euros ficará para a história dos desmandos do governo PS – uma estranha maneira de bem gerir os dinheiros de todos nós.

O “compromisso ético” de que fala o ministro quando ataca os farmacêuticos fica bem retratado com a negociata atrás referida. Mas outras já foram denunciadas, também pela publicação online “PaginaUm”, como seja a compra de vacinas no montante de mais de 500 milhões de euros, 33 milhões de doses, sem ainda ter tornado públicos todos os contratos feitos com as farmacêuticas. Apenas quatro, dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna, se encontram no Portal Base.

A campanha para a continuação da vacinação, quer dizer para o escoamento das vacinas que não foram administradas, parece ter falhado, as pessoas já não vão na conversa das hipotéticas vantagens da vacinação. Há pouco menos de meia dúzia de dias só se encontravam vacinadas cerca de 35% das pessoas elegíveis contra a covid-19 e 44% contra a gripe. A desconfiança aumentou porque o governo e o seu instrumento DGS têm-se recusado a publicar todos os dados sobre as reacções adversas das vacinas, do número exacto de óbitos, concretamente nos lares de idosos, cuja maioria ainda se encontra na ilegalidade, o que bem demonstra a preocupação que o governo nutre pela nossa população mais idosa, e das negociatas em geral relacionadas com a covid-19.

O futuro do SNS está coberto por forte nebulosidade se não nuvens negras, e sem profissionais motivados, bem recompensados em termos financeiros e de formação, não haverá SNS de qualidade e nem SNS de todo. Há responsáveis pelo descalabro e os nomes já aqui foram mencionados e por mais do que uma vez, no entanto, pizzarro*, parecendo cabeça de tartaruga, ficará na história pelas piores razões.

*Em castelhano pizarra significa “quadro preto” ou “ardósia”.

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