Monika
Dowbor, Marilia Veronese, Lídia Ten Cate, Brenda Thamires Comandulli
«A pandemia
do Covid-19 é
inédita em termos abrangência, mas não é a primeira que ocorre no
mundo; neste sentido, retornar às pandemias, desastres e crises
de emergência humanitária anteriores
pode ser uma importante fonte de aprendizagem. Mais ainda quando
colocamos em foco os efeitos de médio prazo de um evento tal como
uma pandemia,
ou seja, aqueles que se desdobram ao longo dos primeiros anos, quando
o problema em si some das agendas de governos e dos noticiários. A
literatura identifica três principais efeitos, dentre os quais
segurança alimentar, trabalho e renda, assim como efeitos na saúde
mental.
Neste artigo, resultado da pesquisa em fontes acadêmicas secundárias
nacionais e internacionais sobre efeitos de médio prazo, vamos
apresentar o que se sabe sobre os impactos
na saúde mental desses
eventos catastróficos, com foco em algumas populações
mais vulneráveis,
bem como discutiremos os achados sobre as medidas anteriormente
adotadas e a serem potencialmente utilizadas para mitigar esses
efeitos.
O
desafio de lidar com a saúde
mental é
grande. Os problemas relacionados com ela tendem a ser vistos como
individuais, pesando sobre eles o preconceito social que os relega à
esfera doméstica ou ao tratamento farmacêutico. O acesso
às psicoterapias
individuais e grupais é
fortemente dificultado pelas desigualdades
sociais.
Seus impactos tampouco tendem a ser claramente identificados como
tais e não raramente a atribuição de causas dos problemas sociais
oculta a especificidade da saúde
mental.
No
entanto, as pesquisas identificam uma forte associação entre os
problemas de saúde
mental e
dificuldade no aprendizado, desempenho profissional abaixo da
média, sobrecarga
do sistema de saúde público e
agravamento da violência. Essas são situações em que a saúde
mental debilitada
dos sujeitos impacta nas relações sociais, políticas públicas e
economia, sendo por elas também impactadas. Aluno que não consegue
aprender, professor que não consegue ensinar, assistente social ou
profissional de saúde afastados do trabalho e homens que abusam das
mulheres e familiares são casos de afetações pela pandemia em
termos de saúde mental.
Sem enquadrar esses problemas nesses termos ou colocando-os à
margem, perde-se de vista um importante mecanismo causador de
problemas sociais e econômicos.
Efeitos na saúde mental em contextos de pandemias e outros desastres
Os
problemas de saúde
mental surgem
como consequência direta e indireta da própria infecção
pela doença,
bem como das estratégias e intervenções para evitar o descontrole
da pandemia.
Entre as intervenções para diminuir a disseminação
de um vírus está
o isolamento de pacientes, distanciamento social e/ou quarentena
(Schuchmann et al., 2020). Tais medidas impactam na saúde
mental da
população interferindo nas reações emocionais sobre
a pandemia (Talevi
et al., 2020).
Em
geral costuma-se pensar na saúde
mental da
população que foi acometida pela doença
ou vírus em
relação à vivência direta da pandemia;
mas o número de pessoas afetadas tende a se estender à população
geral e a se reproduzir no tempo (Ornell et al., 2020). Um estudo
realizado um ano após o surto da Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SARS),
em 2003, identificou o isolamento e a quarentena como fatores
preditivos para Transtorno
de Estresse Agudo (TEA), Transtorno
do Estresse Pós-Traumático (TEPT),
abuso de álcool e substâncias, estando presentes na população
geral, infectados ou não, mesmo após um ano do ocorrido (Lee et
al., 2007).
Dessa
forma, durante e após situações de pandemia há
o aumento de sintomas como estresse, ansiedade, depressão, evitação,
manifestações psicossomáticas, abuso de álcool e outras
substâncias psicoativas, produzindo transtornos
mentais e sofrimento psicológico (Qiu
et al., 2020). Além disso, pode ocorrer o aumento do número
de suicídios (Petterson
et al., 2020), e o agravamento de transtornos
mentais preexistentes (Haider,
Tiwana & Tahir, 2020).
Nesse
sentido, pesquisadores apontam alguns grupos mais vulneráveis aos
efeitos na saúde
mental provocados
pela pandemia,
como profissionais
da saúde (Talevi
et al., 2020), profissionais
da educação (Alisic
et al., 2012); crianças
e jovens (Yoshikawa
et al., 2020; Haider, Tiwana & Tahir, 2020); pessoas
com transtorno mental preexistente (Haider,
Tiwana & Tahir, 2020; Usher, Bhullar & Jackson, 2020);
e pessoas
em situação de vulnerabilidade social (Banco
Mundial, 2016; Armitage & Nellums, 2020).
Os profissionais
da saúde que
atuaram na linha de frente durante a pandemia
da SARS expressaram
maiores índices de ansiedade, depressão, medo, frustração e
propensão a desenvolverem Transtorno
de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
(Wu, Chan & Ma, 2005). Um ano após o surto, esses trabalhadores
apresentaram níveis mais altos de estresse e sofrimento psíquico do
que os trabalhadores de outras áreas (Talevi et al., 2020). Uma
pesquisa recente realizada com médicos, enfermeiros e equipe técnica
que atuaram durante a Covid-19
na China apontou
resultados substancialmente negativos em saúde
mental.
Esses profissionais revelaram altas taxas de depressão, ansiedade,
estresse e insônia, necessitando de apoio
psicológico (Lai
et al., 2020). Além dos fatores estressantes do trabalho, o
afastamento do convívio com a rede de apoio social e a ausência de
protocolos e tratamentos para Covid-19 desencadearam
sentimentos de solidão e desamparo nos profissionais da área
(Ornell, Halpern, Kessler & Narvaez, 2020).
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