segunda-feira, 20 de julho de 2020

Pandemia e saúde mental: o que sabemos sobre impactos e medidas mitigadoras?


Monika Dowbor, Marilia Veronese, Lídia Ten Cate, Brenda Thamires Comandulli

«A pandemia do Covid-19 é inédita em termos abrangência, mas não é a primeira que ocorre no mundo; neste sentido, retornar às pandemiasdesastres e crises de emergência humanitária anteriores pode ser uma importante fonte de aprendizagem. Mais ainda quando colocamos em foco os efeitos de médio prazo de um evento tal como uma pandemia, ou seja, aqueles que se desdobram ao longo dos primeiros anos, quando o problema em si some das agendas de governos e dos noticiários. A literatura identifica três principais efeitos, dentre os quais segurança alimentar, trabalho e renda, assim como efeitos na saúde mental. Neste artigo, resultado da pesquisa em fontes acadêmicas secundárias nacionais e internacionais sobre efeitos de médio prazo, vamos apresentar o que se sabe sobre os impactos na saúde mental desses eventos catastróficos, com foco em algumas populações mais vulneráveis, bem como discutiremos os achados sobre as medidas anteriormente adotadas e a serem potencialmente utilizadas para mitigar esses efeitos.

O desafio de lidar com a saúde mental é grande. Os problemas relacionados com ela tendem a ser vistos como individuais, pesando sobre eles o preconceito social que os relega à esfera doméstica ou ao tratamento farmacêutico. O acesso às psicoterapias individuais e grupais é fortemente dificultado pelas desigualdades sociais. Seus impactos tampouco tendem a ser claramente identificados como tais e não raramente a atribuição de causas dos problemas sociais oculta a especificidade da saúde mental.

No entanto, as pesquisas identificam uma forte associação entre os problemas de saúde mental e dificuldade no aprendizado, desempenho profissional abaixo da média, sobrecarga do sistema de saúde público e agravamento da violência. Essas são situações em que a saúde mental debilitada dos sujeitos impacta nas relações sociais, políticas públicas e economia, sendo por elas também impactadas. Aluno que não consegue aprender, professor que não consegue ensinar, assistente social ou profissional de saúde afastados do trabalho e homens que abusam das mulheres e familiares são casos de afetações pela pandemia em termos de saúde mental. Sem enquadrar esses problemas nesses termos ou colocando-os à margem, perde-se de vista um importante mecanismo causador de problemas sociais e econômicos.

Efeitos na saúde mental em contextos de pandemias e outros desastres


Os problemas de saúde mental surgem como consequência direta e indireta da própria infecção pela doença, bem como das estratégias e intervenções para evitar o descontrole da pandemia. Entre as intervenções para diminuir a disseminação de um vírus está o isolamento de pacientes, distanciamento social e/ou quarentena (Schuchmann et al., 2020). Tais medidas impactam na saúde mental da população interferindo nas reações emocionais sobre a pandemia (Talevi et al., 2020).

Em geral costuma-se pensar na saúde mental da população que foi acometida pela doença ou vírus em relação à vivência direta da pandemia; mas o número de pessoas afetadas tende a se estender à população geral e a se reproduzir no tempo (Ornell et al., 2020). Um estudo realizado um ano após o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), em 2003, identificou o isolamento e a quarentena como fatores preditivos para Transtorno de Estresse Agudo (TEA), Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), abuso de álcool e substâncias, estando presentes na população geral, infectados ou não, mesmo após um ano do ocorrido (Lee et al., 2007).

Dessa forma, durante e após situações de pandemia há o aumento de sintomas como estresse, ansiedade, depressão, evitação, manifestações psicossomáticas, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, produzindo transtornos mentais e sofrimento psicológico (Qiu et al., 2020). Além disso, pode ocorrer o aumento do número de suicídios (Petterson et al., 2020), e o agravamento de transtornos mentais preexistentes (Haider, Tiwana & Tahir, 2020).

Nesse sentido, pesquisadores apontam alguns grupos mais vulneráveis aos efeitos na saúde mental provocados pela pandemia, como profissionais da saúde (Talevi et al., 2020), profissionais da educação (Alisic et al., 2012); crianças e jovens (Yoshikawa et al., 2020; Haider, Tiwana & Tahir, 2020); pessoas com transtorno mental preexistente (Haider, Tiwana & Tahir, 2020; Usher, Bhullar & Jackson, 2020); e pessoas em situação de vulnerabilidade social (Banco Mundial, 2016; Armitage & Nellums, 2020).

Os profissionais da saúde que atuaram na linha de frente durante a pandemia da SARS expressaram maiores índices de ansiedade, depressão, medo, frustração e propensão a desenvolverem Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) (Wu, Chan & Ma, 2005). Um ano após o surto, esses trabalhadores apresentaram níveis mais altos de estresse e sofrimento psíquico do que os trabalhadores de outras áreas (Talevi et al., 2020). Uma pesquisa recente realizada com médicos, enfermeiros e equipe técnica que atuaram durante a Covid-19 na China apontou resultados substancialmente negativos em saúde mental. Esses profissionais revelaram altas taxas de depressão, ansiedade, estresse e insônia, necessitando de apoio psicológico (Lai et al., 2020). Além dos fatores estressantes do trabalho, o afastamento do convívio com a rede de apoio social e a ausência de protocolos e tratamentos para Covid-19 desencadearam sentimentos de solidão e desamparo nos profissionais da área (Ornell, Halpern, Kessler & Narvaez, 2020).

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