Paulo Guinote
A
época da pausa de Natal, enquanto se mantiver no calendário escolar
e resistir às tendência inovadoras que por aí se querem espalhar,
é um momento desejado de calma, descanso e, se possível, de colocar
algumas leituras em dia, em especial as que exigem mais atenção do
que os quotidianos acelerados permitem. Uma delas é o ensaio de
Isabel Lorey com o título State
of Insecurity – Government of the Precarious (Londres,
2015), sobre a forma como a precariedade se tornou uma marca da
sociedade actual e uma estratégia do próprio poder político nas
sociedades ocidentais para manter o tal “estado de insegurança”
entre os indivíduos, por forma a que neles se instale o medo da
perda da sua posição no mercado de trabalho ou de estatuto social,
fomentando uma atitude de submissão e não contestação ao modelo
de governação dominante.
Após
a instalação do medo com origem externa (os ataques terroristas, as
vagas de imigrantes) o discurso da insegurança instalou-se a partir
do próprio funcionamento da sociedade, promovendo a adesão a
estratégias securitárias, não apenas no sentido do fechamento de
fronteiras e de rejeição do “outro”, mas do próprio reforço
de políticas internas alegadamente destinadas a reforçar a
“segurança”, não apenas policial mas também alegadamente
económica.
A
precariedade laboral é um dos aspectos nucleares da actual erosão
das políticas sociais que marcaram o progresso das sociedades
ocidentais, afirmando-se como incomportável a manutenção de um
conjunto de “direitos” que se apresentam como um encargo
demasiado pesado para os meios financeiros do Estado, pelo que os
indivíduos devem abdicar de parte do que foram as conquistas do
Estado Social do pós-II Guerra Mundial e aderir a um modo de
governação que, apresentando-se como o modo único de resistir à
crise e promover uma alegada “segurança”, acaba por desenvolver
um alargado sentimento de ansiedade nas populações.
É
natural associar esta teorização, pela forma clara como se aplica
na prática, às políticas desenvolvidas nos últimos 10-15 anos, em
especial depois da crise financeira de 2008 e ao discurso da
inevitabilidade da precarização das redes de protecção social e
das condições do mercado de trabalho. A aplicação de conceitos e
práticas como “flexibilidade” ou “eficácia” na gestão dos
recursos humanos “no século XXI” fez-se através da expansão de
um processo de crescente vulnerabilidade de grupos sociais e
profissionais que até há pouco se sentiam de certa forma imunes ao
risco de perderem as suas posições.
“Devido ao desmantelamento e remodelação dos sistemas de salvaguarda colectiva, toda a forma de independência desaparece na face dos perigos da precariedade e da precarização; invulnerabilidade e soberania tornam-se óbvias ilusões. Até aqueles que antes estavam seguros à custa de terceiros nacionais ou globais, estão a perder protecção social” p. 89.
E
não é difícil perceber como tudo isto se aplica, de um modo que
deixa pouca margem para dúvidas, às estratégias de precarização
dos direitos de classes socio-profissionais que o poder político
passou a considerar como demasiado autónomas devido a uma sensação
de segurança material. O
caso do ataque continuado à classe docente nos últimos 15 anos e
aos seus alegados “privilégios”, a forma como as suas condições
de trabalho e mesmo de vínculo laboral foram sendo progressivamente
estilhaçadas, independentemente da orientação política dominante
nos governos, enquadram-se de forma perfeita nesta estratégia de
domesticação pelo medo, seja através da insegurança do grupo,
seja das ansiedades individuais.
E
assim se percebe que o que é apresentado como um problema
específico, local/nacional, não passa de uma faceta da investida
global de remodelação do welfare
state em
favor de uma lógica de governação que baseia na insegurança a sua
principal estratégia de manutenção de poder e de controle das
possibilidades de resistência efectiva.
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