Raquel Varela
Nunca
tive dúvidas sobre a pertinência e a legitimidade da greve dos
enfermeiros e do fundo de greve - mesmo quando pessoas que respeito
aderiram ao coro do «estão a matar-nos». Agora porém foi
escrutinado e são conhecidos os resultados, foram enfermeiros e as
suas famílias a financiar a ampla maioria do fundo.
Confirmam
que os enfermeiros foram alvo de uma campanha negra, o tipo de
campanhas, em geral pagas a peso de ouro nas agências de comunicação
- mas com muitos voluntários também entre partidários deste ou
daquele governo - , em que em vez de se combater as ideias
adversárias se denigre o adversário com calúnias, suspeitas, que
mesmo não confirmadas deixam no ar a dúvida. É a forma de fazer
política que afasta qualquer pessoa com ética da....política.
Costa foi o maior neste campo, mas não foi o único.
Quem
era contra a greve - não era o meu caso - devia-a ter combatido no
terreno das ideias e não da calúnia, explicando porque estava
contra a greve. Não acredito que a população se tenha virado
contra os enfermeiros porque há um enorme hiato - cada vez maior -
entre a opinião pública e a publicada. Mas tenho a certeza que o
Governo e a esquerda que o apoia no Parlamento (que não é a
esquerda toda do país) semearam, cito de cor um trabalhador da auto
Europa sobre isto, "um mar de sal nesta terra que tão cedo não
vai ser verde". Tão cedo os enfermeiros não confiarão nestes
partidos que na hora H - de uma greve exemplar em defesa do SNS
(ainda que os enfermeiros tenham falhado em a comunicar como tal) -
aderiram ao coro de «estão a matar pessoas, financiados pelo grupo
Mello». Era a hora de defender as carreiras na saúde, os aumentos
de salários, defendendo o SNS. Era o tempo de defender os
enfermeiros em vez de lamentarem que outros - como a Ordem - o
fizessem. Falou mais alto o cálculo eleitoral - o que se pagará,
porque há cada vez menos uma relação entre força eleitoral e
força social, relações de confiança entre representantes e
representados. Essa é a grande crise de regime actual.
Os
erros dos enfermeiros - não ter deixado claro que ao defender-se a
si estavam a defender o SNS e exigir serviços mínimos exemplares,
defender os médicos também - não foram nada em comparação com os
erros do Governo e seus apoiantes, que embarcaram numa campanha que -
hoje está provado - foi eticamente indecente. Não mataram ninguém.
Foram alvo de uma medida de Estado de força anti greve. Escusado
será acrescentar - mas faço-o - que entretanto as listas de espera
na saúde...já subiram em vários sectores - e não há greve.
Reitero
a minha admiração pela coragem com que vieram defender um aumento
de salário substancial (em vez dos deprimentes 2% comuns da teoria
do país pobrezinho) e a forma exemplar de solidariedade que
demonstraram entre si, ao fazer um fundo de greve que fez-nos
recordar os maiores fundos de greve do nascimento das estruturas
sindicais. Houve erros - para mim eram conhecidos e previsíveis,
porque já estudámos milhares de greves nos últimos 200 anos,
inventamos pouco na sociedade moderna, mas raramente procuramos saber
o que já foi inventado, é para isso que os historiadores servem,
para aprender com o passado. A boa notícia é que a vida dos
movimentos sociais não é muito diferente da nossa vida pessoal -
erramos, mas se aprendemos com os erros, saímos deles mais fortes.
Os
estivadores ganhavam 5000 euros, os professores eram preguiçosos
sempre de férias, os enfermeiros matam pessoas, quando é que
desligamos este botão da propaganda básica e começamos a falar de
trabalho a sério, e direitos a sério?
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