quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Na greve da Saúde: Onde está o Wally?



Os trabalhadores da Administração Pública do sector da Saúde fizeram uma greve de 24 horas no passado dia 24, os objectivos eram a reposição das 35 horas semanais, pelo aumento dos salários e das pensões; em suma, pelo trabalho com direitos, pela contratação colectiva e defesa do SNS. Na próxima 6ª feira, dia 31, uma nova greve será feita, ao que parece, para justificar as faltas dos trabalhadores que queiram ir à manifestação nacional a realizar em Lisboa. Perante a luta, promovida pela FP-CGTP, coloca-se a questão: por que carga de água a greve não abrangeu todos os trabalhadores do SNS, incluindo os técnicos mais qualificados entre os quais os enfermeiros?

Ainda estamos bem lembrados da greve de dois dias, realizada há um mês (24 e 25 de Setembro) dos enfermeiros que, pela justeza das suas reivindicações, teve um elevada adesão por parte da classe e até foi bem encarada pela opinião pública, apesar da campanha enviesada de descrédito levada a cabo pelos principais meios de comunicação, especialmente os mais próximos do governo. Então, por que razão não se deu continuidade à greve? Será que os principais objectivos apontados foram atingidos? O governo atendeu às reivindicações da classe de enfermagem? Alguém sabe responder, é que ficamos sem saber de nada?

Para dar resposta à interrogação, procuramos no site do SEP algum documento que esclarecesse, e o único que se encontrou foi a resolução, datada do dia 25 de Setembro, entregue no Ministério da Saúde pelo SEP e SERAM, que elenca as reivindicações já conhecidas e sob o lema: “Pela admissão de mais enfermeiros”, “Pela valorização do papel social da enfermagem”, “Pelo desenvolvimento profissional e valorização económica do trabalho dos enfermeiros”. Este é a última informação que se tem do “resultado” da greve. Ou seja, nada se sabe. Esta seria mais uma razão, o silêncio do governo, para se ter feito greve juntamente com os restantes trabalhadores da Saúde. Ou, então, também se pode entender que o silêncio será mais daqueles dois sindicatos, o que não deixará de ser particularmente grave. Pode ser expressão de impotência ou de conveniência, mas só os próprios poderão esclarecer.

A situação da classe está em deterioração progressiva e imparável, a nível salarial, a nível de condições de trabalho, a nível de satisfação pessoal, factores que influenciam a qualidade dos cuidados prestados ao povo português que não tem possibilidade de recorrer às clínicas privadas, embora algumas destas já pratiquem preços menos elevados graças ao apoio financeiro prestado pelo governo PSD/CDS-Estado. Esta perda de qualidade do SNS é intencional, é calculada e tem sido executada permanentemente, apesar de disfarçada pelo governo/ministro Paulo Macedo e pela aparente não diminuição das verbas destinadas à Saúde no próximo Orçamento do Estado. O que vai acontecer é que na distribuição dos dinheiros a parte que será entregue aos negociantes privados será maior, enquanto a destinada ao SNS será cada vez mais minguada, e o congelamento das carreiras, com a não progressão (concurso para Enfermeiro Principal não passa de uma miragem que os próprios sindicatos alimentam), e o adiamento das novas (poucas) contratações são a melhor prova desta desigual e ilegítima distribuição dos dinheiros públicos.

E não há que ter ilusões, e os sindicatos deviam ser os primeiros e denunciar o engano, quanto às carreiras da Função Pública (FP) e à Contratação Colectiva, a verdadeira intenção do governo, e do governo que lhe suceder mesmo que pintado com o rosa do Costa de Lisboa, é acabar com elas. Na Europa comunitária, Portugal é o país onde a contratação colectiva foi mais atacada, perante a passividade dos sindicatos, e com as carreiras na FP congeladas, com excepção da dos polícias, dos diplomatas e dos médicos, as únicas que irão sobreviver por razões óbvias; mesmo a dos médicos não está inteiramente garantida. Tem-se assistido a um ataque aos trabalhadores, aos seus direitos, aos seus rendimentos e condições trabalho, jamais visto nos últimos 50 anos, nem na fase final do fascismo. A contratação de enfermeiros a empresas de trabalho temporário por parte do Estado/governo PSD/CDS por 1200 euros mensais, obrigando às 40 ou mais horas semanais, indo a empresa negreira embolsar mais de metade daquele valor, ficando os enfermeiros a auferir 3,1 euros/hora, é a melhor expressão da situação a que chegou a classe de enfermagem. Se uma situação destas fosse levantada como mera hipótese a algum dirigente sindical aqui há alguns anos atrás, quase de certeza que iríamos ouvir que seriam desencadeadas as mais temerárias lutas. Mas os factos valem por mil palavras.

E os factos dizem que as lutas feitas a prestações, este mês faz-se um dia de greve, daqui a três ou quatro dias fazem-se mais dois; agora, faz-se greve num sector dos trabalhadores da FP, e nem todos farão, daqui a algum tempo será noutro sector ou os restantes do dito; neste mês, faz-se greve em alguma empresa do sector público, no mês seguinte faz-se na administração local, e depois na administração central. É assim, usando esta táctica de (má) guerrilha que os sindicatos, ou melhor, as direcções sindicais, entendem como melhor maneira de fazer frente ao governo e às suas celeradas e anti-populares políticas, que em nome da austeridade imposta por Bruxelas/FMI são continuadas e colhem cada vez menos apoio inclusive por parte das classes médias. Ora esta estratégias, longe de enfraquecer o governo, vai é exaurir as forças e a vontade de lutar dos trabalhadores, que vão perdendo dinheiro dos dias de greve sem vislumbrar resultado palpável. Percebe-se que os nossos dirigentes sindicais possam ter alguma coisa a perder se as greves ficarem sem controlo e incomodarem seriamente o governo. Lá se irá o tácito pacto social do regime estabelecido nos idos do 25 de Novembro de 1975.

A proposta do Orçamento de Estado para 2015, apesar de acenar com ligeira diminuição do IRS, mantem os cortes salariais e das pensões (dinheiros que não vem dos impostos mas das contribuições dos trabalhadores para os seus sistemas de saúde e segurança social) e o próprio aumento dos impostos. Em 2015, os cidadãos portugueses vão pagar mais de 2 mil milhões de euros a mais, e não a menos, enquanto as empresas (os patrões) vão pagar menos 900 milhões de euros. E logo que assente a poeira do resultado das próximas eleições legislativas, independentemente de quem ganhar, a austeridade será para continuar e em dose reforçada: Portugal terá de pagar só de serviço da dívida 60 mil milhões de euros até 2020, de uma dívida pública que já ultrapassou os 134% do PIB (em 2011, era 90%) e que é já impagável.

Na greve da Saúde, onde estão os sindicatos dos enfermeiros? Não será necessário elencar mais razões para se perceber que não é com greves a conta-gotas e de acordo com agendas que nada têm a ver com os trabalhadores que estes verão satisfeitas as suas reivindicações e muito menos irão derrubar este governo, como se pode ler nos comunicados da FP-CGTP desta greve dos dias 24 e 31 de Outubro. Só greve geral nacional pelos dias e pelas vezes que forem necessários que os trabalhadores, e em particular todos os trabalhadores da Saúde, deste país poderão ver resolvidos os seus anseios mais imediatos e livrarem-se deste odiado e miserável governo que sempre pautou a sua actuação pela defesa dos banqueiros e de uma União Europeia hegemonizada por uma Alemanha que porfia fazer através da economia o que os panzers de Hitler não conseguiram há 75 anos.

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