sábado, 23 de maio de 2020
Não é com palmas que os enfermeiros se governam
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sexta-feira, 22 de maio de 2020
A tempestade perfeita da Laboravid-20
"A transferência" - Vasco Gargalo (revista Sábado)
por António
Garcia Pereira
«Aos
poucos, e com a dificuldade imposta pela “nova ordem” do
unanimismo e da pretensa “responsabilidade social” da imprensa,
vamos compreendendo para que verdadeiramente serviu o decretamento do
estado de emergência sob o pretexto do combate à pandemia da
COVID-19.
Na
verdade, serviu, acima e antes de tudo, para suspender direitos
fundamentais dos cidadãos com um significado muito claro: o direito
laboral à greve e o direito cívico e político de resistência
contra qualquer agressão ilegítima, designadamente por parte das
autoridades policiais.
Mas
serviu também para impôr, a todos nós e por toda a parte, uma
sinistra e dupla lógica. Por um lado, a lógica de que, à pala da
emergência e sob o pretexto do combate sanitário, tudo é
afinal possível e tudo está justificado, por mais
injusto e brutal que se mostre; por outro, a lógica do medo,
tendente a, com uma informação em contínuo sobre os
aterrorizadores números e imagens dos infectados, dos internados e
sobretudo dos mortos, paralisar por completo os cidadãos,
tornando-os amorfos, passivos e desencorajados de criticarem e
combaterem aquilo que porventura ainda são capazes de achar que está
errado.
E,
claro, numa sequência lógica de tudo isto, a experimentação dos
mecanismos de monitorização e controle, inclusive policial, de
todos os movimentos sociais, com os políticos e sindicais à cabeça.
Por
seu turno, a Comunicação Social, praticamente toda, e muito em
particular o sector das televisões, transformou-se num misto de uma
mórbida e asfixiante avalanche dita de informação e de contínua
pregação, designadamente por toda uma corte de comentadores e ditos
especialistas, do pensamento dominante.
Sob
o extraordinário e salazarento argumento de que “enquanto os
incêndios não se apagam não é hora de questionar os bombeiros”,
foram sumariamente varridos dos écrans vários dos programas de
investigação jornalística (aquela que poderia incomodar o Poder),
bem como todo e qualquer ponto de vista crítico da actuação das
autoridades e dirigentes políticos. É a justificação para a
censura de tudo o que é incómodo para o Poder e para os poderes
instituídos, já vista e revista antes do 25 de Abril, nomeadamente
aquando das trágicas cheias de Novembro de 1967, de que a
Comunicação Social não deve alarmar as pessoas (embora seja
precisamente isso que se faz…) mas antes fazê-las tranquilizar-se
e confiar. Tudo isto, enquanto, em nome da tal “responsabilidade
social” dos jornalistas, se multiplicam diariamente as aparições
televisivas, os discursos, as entrevistas e até as reportagens de
rua para repetir até à exaustão o que governantes têm para nos
enfiar pela cabeça dentro, sempre sem que uma única questão
incómoda e directa lhes seja colocada. Governantes esses que,
entretanto, e obviamente de forma desinteressada, decidiram dar 11,25
milhões de euros de “apoio” aos “órgãos de Comunicação
Social” nacional, a título de pagamento antecipado de publicidade
institucional. Quem disse que há almoços grátis?
Entretanto,
as polícias aproveitam para treinar as operações STOP, as buscas e
revistas e os interrogatórios completamente fora do quadro legal
vigente, mas, claro, sempre em nome do combate à pandemia e do
cumprimento das ordens dos “chefes”. Como se exercitaram em tão
desproporcionadas quanto ridículas “operações musculadas” para
dispersar quem parara na rua para ouvir uma exibição musical
provinda de uma qualquer varanda vizinha. Obtiveram-se dados pessoais
de cidadãos que não se sabe para onde foram e tratados e utilizados
por quem e para quê. E os “falcões” das práticas securitárias
não perderam tempo a defender medidas como a da obrigatoriedade de
aplicações de telemóveis que permitem a localização em tempo
real não apenas do cidadão portador daquele aparelho em concreto
mas também de todos aqueles que com ele contactaram.
Em
suma, tratou-se de treinar e “olear” tudo aquilo que, não se
confessando desde já, se pretende fazer quando rebentar a
“tempestade perfeita” daquilo que designo de LABORAVID-20, ou
seja, da pandemia do desastre social e laboral que está a formar-se
e começa a estar já à vista.
(...)
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quinta-feira, 21 de maio de 2020
Parasitas
"A
PGR confirma a abertura de investigação ao caso da certificação e
venda de três milhões de máscaras de proteção individual
compradas pelo Ministério da Saúde à empresa Quilaban (de João
Cordeiro) no âmbito de um contrato por ajuste direto, no valor de
cerca de 8,5 milhões de euros, assinado em 07 de abril, durante o
estado de emergência devido à pandemia." (da imprensa). E imagem no facebook
Ou como o Serviço Nacional de Saúde em Espanha, à semelhança do que se passa em Portugal, é parasitado pelo sector privado do negócio da saúde:
por Ángeles
Maestro
«Efectivamente, a degradação do sistema de saúde tem uma longa história que não resultou só do descuido dos governos mas, muito pelo contrário, de decisões políticas activas e de longo alcance destinadas a enfraquecer a saúde pública e cuja importância foi sistematicamente ocultada.
Para
poder entender esse processo é importante esclarecer alguns
conceitos. A saúde pública e a saúde privada não são
compartimentos estanques, e muito menos complementares. Na realidade
estão tão intimamente relacionados que são um binómio
inseparável. A relação entre ambas é muito semelhante à que se
estabelece entre hospedeiro e parasita, certamente fundamental no
estudo das doenças infecciosas.
O
parasitismo, recordando a biologia, é um tipo de simbiose em que o
parasita depende do hospedeiro e vive dele depauperando-o, sem chegar
a matá-lo. O parasita obtém benefícios e o hospedeiro danos.
Ectoparasitas:
as seguradoras privadas e os contratos
A
evidente analogia para quem analise o assunto com critério
independente, ou seja, que não tenha interesses vinculados ao
capital privado, tornou-se um axioma, inclusivamente para o PSOE dos
últimos anos do franquismo. Por exemplo, no seu programa político
afirmava-se que era impossível desenvolver uma saúde pública de
qualidade sem nacionalizar a indústria farmacêutica.
Poucos
anos depois, em 1982, após a vitória do PSOE por maioria absoluta,
essa afirmação ver-se-ia confirmada exactamente ao contrário. O
dirigente mais destacado do PSOE em questões de saúde, Ciriaco de
Vicente, um homem qualificado e com abordagens de esquerda, não foi
nomeado ministro como era esperado. A poderosa indústria
farmacêutica fez saber a Felipe González que não confiava em De
Vicente. Em seu lugar foi nomeado Ministro da Saúde Ernest Lluch, um
homem muito próximo da Farmaindustria, a associação empresarial da
indústria farmacêutica estabelecida em Espanha.
Nessas
condições, não surpreende que a Lei Geral de Saúde tenha
eliminado artigos muito importantes que apareciam nos primeiros
rascunhos, como a submissão do Medicamento ao planeamento geral do
Sistema Nacional de Saúde ou a proibição expressa de acordos com
entidades privadas.
Actualmente,
quase 12% da despesa estatal em saúde pública vai para acordos, uma
proporção em constante crescimento e muito maior em comunidades
autónomas como Catalunha e Madrid.
O
aumento exponencial da contratação de saúde pública com empresas
privadas desenvolveu-se em sentido contrário do investimento e do
desenvolvimento de serviços públicos. Com o argumento de reduzir as
listas de espera foi acordada massivamente a realização de
intervenções cirúrgicas de média ou baixa complexidade, muito
rentáveis, em clínicas privadas que, em muitas ocasiões, estão
muito abaixo dos padrões de qualidade exigíveis e às quais é
permitido seleccionar pacientes. É evidente que para a saúde pública
ficam todas as intervenções dispendiosas e as pessoas com
patologias múltiplas ou de idade avançada.
As
enormes listas de espera - especialmente a espera pelo diagnóstico -
como expressão da degradação da saúde pública produziram outra
consequência enormemente lucrativa: a escalada meteórica das
apólices de seguro privadas. Os números de 2019 eram os mais
elevados da história: 10 milhões de pessoas. O maior escândalo é
o grande número de instituições públicas que pagam, com dinheiro
público, apólices privadas aos seus membros e parentes. A
aplicação desde 2016 de deduções fiscais significativas aplicáveis a trabalhadores e empresas independentes e
actualmente em vigor contribuiu significativamente para isso. É a
raposa guardando as galinhas.
Voltando
ao símile biológico, as empresas seguradoras privadas, cuja boa
saúde depende da deterioração da saúde pública com o apoio
inestimável - ou não - de decisões de várias cores políticas,
seriam ectoparasitas (como os carrapatos ou os piolhos). Estes
ectoparasitas desenvolvem-se no exterior do hospedeiro, a saúde
pública, tal como as empresas que prestam serviços de saúde com as
suas próprias instalações e recursos, embora já tenhamos visto a
importante quinta coluna com que contam no interior no caso que nos
ocupa.
E em
saúde não se trata fundamentalmente de que o dinheiro público,
saído dos nossos bolsos, vá enriquecer uns quantos, mas sim de que
esse suculento negócio se faz à custa de vidas, de mortes
prematuras e perfeitamente evitáveis. Nesse sentido, não se pode
esquecer a dramática situação vivida em hospitais públicos
obrigados a não atender pacientes com mais de 70 anos devido à
falta de recursos, enquanto os serviços de saúde privados exibiam
instalações de cuidados intensivos disponíveis… a preços de
mercado. Nem o governo do estado, nem qualquer governo autónomo
levantou um dedo para intervir em todos os recursos necessários,
apesar de o primeiro Decreto de Estado de Alarme prever essa
possibilidade.
Como
bons parasitas, aproveitam da fraqueza do oponente. Em todos os meios
de comunicação testemunhamos o escárnio de uma intensificação da
publicidade de seguradoras (Sanitas, Adeslas, DKV, etc.) que oferecem
atendimento a idosos doentes das classes sociais que podem arcar com
essa despesa.
Endoparasitas:
gestão privada com financiamento público.
A
história dos endoparasitas, da penetração do capital privado na
saúde pública é mais complexa. É uma guerra de trincheiras. É a
consequência da crise geral do capitalismo que vê seus lucros
caírem em sectores produtivos e se refugia no paraíso dourado dos
serviços públicos.
O
caminho da privatização começou nos anos 90, com a
eufemisticamente denominada externalização de partes essenciais de
um hospital como é o caso dos serviços de limpeza, lavandaria,
cozinha ou segurança, e não cessou de se expandir a laboratórios, radio-diagnóstico, cuidadores, etc.
O tiro
de partida para a entrada maciça de capital privado nos cuidados de
saúde foi dado pela aprovação no Congresso dos Deputados da Lei
15/97 de novas formas de gestão, que contou com os votos do PP
(governando em minoria), do PSOE, PNV, CiU e Coligação Canária.
Pode imaginar-se maior consenso político? Pois ainda houve mais. No
dia seguinte à votação, a Federação da Saúde de C.C.O.O.
expressou a sua satisfação por um acordo tão amplo em torno de uma
Lei fundamental para “modernizar” a saúde pública.
Pode o
capital sonhar com algo melhor do que contar financiamento público,
ter a clientela assegurada, poder impor condições de precariedade
laboral, fazer depender os recursos oferecidos da obtenção de
benefícios e da selecção de pacientes rentáveis?
A esse
privilégio escandaloso, que supunha multiplicar por seis o
investimento realizado durante o período de concessão,
apresentaram-se as construtoras arruinadas após o estouro da bolha
imobiliária, na grande maioria ligadas à rede Gurtel,
multinacionais da saúde privada e fundos de capital de risco.
Os
dados acumulados que apresento abaixo explicam o horror experimentado
nos hospitais durante essa epidemia. Na saúde pública de Madrid tem
havido desde 2008 uma diminuição brutal de pessoal, acelerada com a
criação de onze novos hospitais de gestão privada e financiamento
público. Perderam-se mais de 7.000 trabalhadores, incluindo 3.000
enfermeiros com diploma de bacharel ou licenciatura, e permanecem
fechadas cerca de 3.000 camas.
A
análise deste processo, complexo, mas que é indispensável
conhecer, vai além dos objectivos deste artigo e já foi realizada, embora essa análise rigorosa não tenha transcendido para os
grandes meios de comunicação. Este silêncio não é surpreendente
se considerarmos que esta informação desmascara interesses
políticos e empresariais que, por sua vez, contribuem decisivamente
para o financiamento dessas mesmas empresas de comunicação.
(...)
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terça-feira, 19 de maio de 2020
A nova ordem sanitária e o policiamento da vida colectiva
"Stop and Search" - Banksy
«A
declaração de calamidade não suspende, muito menos suprime,
direitos laborais, sociais e políticos. Nem, nunca, estes
direitos prejudicaram o combate à covid-19. Prejudicariam, isso sim,
o curso da propagação da pandemia do medo, em que os principais
responsáveis políticos se empenharam, arrastando, com pouca
ponderação, 1,3 milhões de trabalhadores para o lay-off, 170 mil
independentes para a penúria e 55 mil para a sopa dos pobres.
O
ambiente em que vivemos desde 3 de Maio é manifestamente
inconstitucional, porque pretende suspender direitos fundamentais por
uma decisão unilateral do Governo. Com efeito, a situação de
calamidade colhe o seu suporte legal numa lei ordinária da AR (Lei
n.º 27/2006), que não permite limitar o exercício desses direitos
senão de forma temporária determinada e apenas em zonas claramente
definidas do território nacional (Art.º 21º, nº 1, b) da citada
lei).
Mas
uma grande parte dos portugueses, resignada, deprimida pela campanha
da promoção do medo a que foi submetida, parece querer aceitar em
silêncio a limitação administrativa dos seus direitos. Vive-se,
assim, numa cidadania apenas simbólica, tutelada pela polícia e
pela Direcção-Geral da Saúde, que têm agora o monopólio do
espaço público. Sente-se, assim, a opressão de uma espécie de
religião do confinamento, que nos empurra, em rebanho, para a
neurose colectiva. A retórica fascizante que a serve permitiu a
António Costa armar-se em intérprete de um certo interesse
superior, “diga a Constituição o que diga” e a um comandante da
GNR recordar-nos o “dever de cada um ser o polícia de si próprio.”
E, apesar de os cientistas do mainstream terem concluído que a quase
totalidade das contaminações ocorreu em espaços fechados
(habitações, lares e instituições de saúde), prepara-se agora o
reforço das contínuas operações da PSP, da GNR e da Polícia
Marítima, chamando “fuzileiros e artilheiros” (ministro do
Ambiente dixit) para controlarem os perigosos areais. As medidas em
estudo, refere a imprensa, admitem cercas, torniquetes, sensores,
drones, vigilância privada, marcas na areia para espetar as
sombrinhas e cordas para delimitar a separação entre banhistas. Por
este caminho, ainda vamos ver um ajuste directo para amestrar
carapaus, que vigiarão o distanciamento dentro de água.
À
salvação pelo grande confinamento e pela ditadura sanitária,
opõe-se uma racionalidade ponderada para combater o vírus,
coexistindo com ele por via da imunidade adquirida. Trata-se da
dicotomia entre um risco de infecção, probabilisticamente baixo, e
uma morte lenta, mas certa, por catástrofe económica, psíquica e
social, sem precedentes.
A
casa dos professores e a casa dos alunos cederam a sua natureza
privada a uma certa lógica totalitária, que o fetichismo do ensino
à distância impôs. O impropriamente chamado ensino à distância
invadiu a vida privada e familiar dos docentes, misturando
perigosamente vida profissional e vida pessoal. Sem resistência,
inebriada por essa estranha união nacional contra a covid-19, uma
parte significativa dos professores alistou-se em jornadas de
trabalho sem limite e disponibilizou-se para trabalhar a todo o
momento, respondendo a todas as solicitações. É prudente
reflectir sobre o que está a acontecer e separar águas.
Uma
coisa é uma metodologia sólida, coerente e tecnicamente complexa
de ensino a distância (maioritariamente destinado a populações
adultas e definitivamente vedado a algumas áreas temáticas), outra
coisa é uma solução improvisada e precária (para entreter
crianças e jovens afastados da escola). Não discernir sobre a
diferença entre estes conceitos pode conduzir a entusiasmos para
“normalizar”, no futuro, o que agora é meramente instrumental,
pobre e casuístico.
Custa-me
ver que se aceite tão facilmente trocar relações pessoais por
relações digitais, admitindo que a profissionalidade docente possa
prescindir do contacto social e da empatia humana. Como se um
colectivo de pessoas pudesse ser substituído por um colectivo de
computadores, sem perda de humanidade. Tecnólogos e tecnocratas não
entendem que a interacção pedagógica exige presença. Professores
e alunos sabem e sentem isso. Agora, mais que nunca, interiorizaram,
certamente, que uma aula tem múltiplos papeis sociais, que nenhuma
máquina substitui.
In
"Público" de 13.5.20
e
facebook
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quinta-feira, 14 de maio de 2020
Nem o vírus ataca toda a gente de igual modo nem estamos todos no mesmo barco
Banksy's
Game Changer celebrates Britain's brave NHS health workers, who are
at the forefront of the COVID-19 pandemic
Toda
a imprensa de referência, desde que se iniciou o surto da doença
Covid-19, não tem feito outra coisa senão dizer que “o
coronavírus ataca todas as pessoas de igual modo” e que “estamos
todos no mesmo barco”, razão pela qual devemos estar todos juntos
em estreita “união nacional”; ora, os factos têm estado a
demonstrar exactamente o contrário: nem toda a gente é atingida da
mesma forma, como os meios ao dispor para lhe fazer frente à
pandemia são diferentes conforme o estatuto social e económico de
cada um.
É
este sentido de desigualdade que os autores do Barómetro Covid-19 da
Escola Nacional de Saúde Pública sublinham: «os concelhos com
maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento são
aqueles que têm maior número acumulado de casos de Covid-19 e a
doença não se apresenta como uma ameaça igual para todos».
E
mais: «uma em cada quatro das pessoas que ganham menos de 650
euros mensais diz ter perdido totalmente o rendimento, enquanto
no conjunto dos que ganham mais 2500 euros isso aconteceu apenas em
6% dos casos»; ou seja, os cidadãos com mais rendimento perdem em
média quatro vezes menos rendimento. Exactamente o oposto ao
afirmado no último Boletim do Banco de Portugal, que dizia que «a
pandemia tem um impacto maior nas famílias com rendimentos do
trabalho mais elevados».
Em
relação à saúde: «o fenómeno das desigualdades pode exacerbar
as vulnerabilidades previamente existentes, ou seja, as consequências
podem revelar-se mais negativas para pessoas em situação à partida
mais precária», avisam peritos que assinam o estudo.
Afinal,
a pandemia não trata todos por igual: «já se sabe que a saúde
piora a cada degrau que se desce na hierarquia social», que «as
condições sócio-económicas podem ter uma influência
significativa no risco de infecção, mas o mesmo pode acontecer no
diagnóstico, no tratamento e até na sobrevivência». E na sua
prevenção, já que «uma
em cada duas pessoas que ganham menos de 650 euros tem dificuldades
em comprar máscaras».
A
precariedade no trabalho, a remuneração baixa e a dificuldade de
acesso a apoios sociais podem «impedir que as pessoas se resguardem
mais nas suas habitações para se protegerem do vírus», e nem
todos os trabalhadores podem estar em teletrabalho, sendo assim
factores acrescidos de risco. Este também aumenta quando as
condições de vida são piores, quando as «pessoas vivem em bairros
onde existe uma maior densidade populacional e utilizam transportes
públicos mais lotados».
Como
são factores de risco trabalhar em fábricas sem condições e com
patrões esclavagistas, a exemplo dos trabalhadores que andaram
infectados durante mais de quinze dias em fábrica da Azambuja.
Factos estes que pouco ou nada preocupam os que se indignaram com a
manifestação na rua do 1º de Maio (diga-se de passagem, organizada
timidamente pela CGTP), e que, à pala da indignação por algumas
medidas do PS e da situação de abandono dos trabalhadores, tentam
pescar nas águas turvas do populismo. E não são só o CDS e o
Chega, opinadores encartados, exemplo Miguel de Sousa Tavares, não
perdem oportunidade de atacar os trabalhadores e pedir mais
cerceamento das liberdades e direitos do cidadão.
A
intenção das nossas elites, tendo o governo do PS como agente
executivo (tal como as grandes empresas), é, aproveitando a
pandemia, a de impor medidas de mais austeridade e, se for
necessário, aumentar a repressão sobre os trabalhadores (estamos
bem lembrados da requisição civil dos enfermeiros de há um ano),
não satisfazendo as suas mais que justas reivindicações, desde um
salário digno a uma carreira profissional de futuro.
O
desemprego e a precariedade aumentaram em pouco mais de mês e meio
(tempo de estado de emergência): mais 75 mil pessoas nos centros de
emprego em Abril, comparado com igual mês de 2019, e redução dos
salários de um milhão e trezentos mil trabalhadores em regime de
lay-off. Entretanto as
organizações patronais, com destaque para a CIP, exigem ao Governo
20 mil milhões de euros em fundo perdido e em linhas de crédito
pelas quais o Estado deverá ser o fiador, e mais recentemente o
prolongamento do regime de lay-off por
tempo indeterminado. Se isso acontecer, será dívida pública a
nível astronómico (agora, já é impagável!) e menos investimento no
SNS e em outras áreas sociais. Na prática: os ricos ficam mais
ricos e os trabalhadores ficam duplamente mais pobres.
Não,
não somos todos iguais nem estamos no mesmo barco,
como alguém já disse: «Estamos no mesmo mar, uns em iates de luxo,
nós outros na água a tentar nadar!»
quarta-feira, 6 de maio de 2020
Os negócios da pandemia
O
Governo PS está agora a ser bombardeado com acusações de corrupção
e tráfico de influências no que respeita à aquisição por ajuste
directo dos materiais usados no combate à pandemia do coronavírus,
desde máscaras a testes e outro equipamento, com a justificação de
“urgência”, de não haver tempo para lançar concursos, sempre
morosas pela complexa burocracia. O caso que estará a dar mais que
falar é o ajuste directo a empresa do ex-candidato socialista João
Cordeiro à Câmara de Cascais (e ex-presidente da Associação
Nacional de Farmácias, cargo que manteve durante 32 anos) de uma
encomenda no valor de nove milhões e trinta mil euros em máscaras e
cujo prazo de entrega é de 268 dias, com o argumento da dita
“urgência imperiosa”. Esta empresa, QUILABAN, deve dizer-se, já
fez 46 contratos
com o Estado no montante de muitos milhões de euros desde o início
do estado de emergência.
A
ministra da Saúde, confrontada com o escândalo por alguns
jornalistas, respondeu que os contratos iriam ser tornados públicos,
dando a entender que no caso referente o prazo será para entrega
faseada ao longo do tempo e, no geral, a lei foi respeitada. Com
transparência ou falta dela, a verdade é que o Governo, à pala da
Covid-19, fez contratos por ajuste directo de mais de 100 milhões de
euros, segundo a imprensa, e que poderão ir até aos 300 milhões, a
pouco mais de meia-dúzia de empresas, o que poderá levar-nos a
pensar de quanto serão as comissões e em que empresas os actuais
governantes com responsabilidade pelos ajustes directos irão ter
emprego depois de saírem do Governo?
Mas
não são só os “negócios da China”, mas ao contrário porque
estes ficarão bem caros ao erário público e não são nenhumas
pechinchas, que têm molestado a credibilidade do Governo e a
honorabilidade de alguns dos seus membros, também tem incomodado a
contratação dos serviços ao sector privado para reduzir as listas
de espera, terrivelmente aumentadas pelo dedicação quase exclusiva
do SNS ao combate à doença Covid-19, com a ministra a anunciar o
aumento de cheques para cirurgias, ou a continuação de não se
querer contratar o número necessário de profissionais para que o
SNS não colapse. Um colapso certo e sabido a prazo, sem a agravante
de ter de atender milhares de doentes infectados pelo novo
coronavírus, cujo número irá aumentar até ao fim do ano.
Quanto
à questão da acusação da Ordem dos Médicos de que estes
profissionais são em número insuficiente parece difícil de
refutar: “Sem descanso, médicos consideram contratação em tempo
de pandemia insuficiente”. E a razão é óbvia: há médicos sem
conseguir tirar folgas ou férias porque foram contratados só mais
cem especialistas, entre os 2300 profissionais de saúde contratados
durante o período da pandemia. Daí a necessidade de reforçar o
número de médicos, atendendo à necessidade acrescida de que agora
haverá mais cirurgias, consultas e exames complementares de
diagnóstico a realizar.
Se
os médicos são insuficientes, o que dizer de enfermeiros e de
outros técnicos de saúde? Dos 2300 profissionais já referidos, 750
são enfermeiros e 1100 são assistentes
operacionais (mais 150 técnicos superiores de diagnóstico e
terapêutica e 150 assistentes técnicos), números insuficientes
para colmatar as faltas em tempo normal de actividade do SNS, tal foi
a razia feita pelos governos do PSD e também do PS, pelas suas
políticas economicistas, respeitadoras das imposições da troika e
mais tarde de Bruxelas, quanto mais em tempo de emergência
sanitária! Não esquecer que os assistentes operacionais são
profissionais tão imprescindíveis como os restantes e que são os
mais miseravelmente pagos, 650 euros!
Os
sindicatos e Ordem dos Enfermeiros falam na necessidade de
contratação de mais
enfermeiros, alertando que muitos enfermeiros estão inclusivamente a
abandonar a profissão devido às condições miseráveis oferecidas
pelo Governo, desde salários a 6,42 euros/hora à ausência de uma
carreira digna e abrangente a todos os enfermeiros. A continuação
dos CIT's é completamente inadmissível e uma vergonha para os
sindicatos que continuam a pactuar. E esta realidade torna-se ainda
mais confrangedora considerando que a maioria dos enfermeiros está
neste momento completamente extenuada, algo desmotivada e à espera
que o Governo reconheça de facto a importância da sua função.
O
estado de emergência teve como objectivo não proteger a saúde
pública, como anunciaram, mas permitir, através da suspensão das
liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, alterar os planos de
férias, deslocar de serviço os trabalhadores, suspendê-los do
trabalho, para além da consequência inevitável, apesar de dizerem
o contrário, do aumento do desemprego e da precariedade. Se a
intenção era defender a saúde dos portugueses, então não se
tinha deixado chegar o SNS ao ponto de descalabro a que chegou, e não
se permitia os negócios que agora têm crescido ao abrigo do combate
do à pandemia, e tinha-se destinado esses muitos milhões à
contratação de profissionais de saúde e de material a tempo e a
horas, até para evitar as consequências nefastas da especulação
de preços, e activando e reconvertendo as unidades fabris que ainda
se encontram nas mãos do Estado, como seja o Laboratório Militar e
as Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento do Exército.
Só
que a política do Governo é a de continuar a retirar rendimentos
aos trabalhadores, pelos meios mais díspares, para os entregar aos
grandes empresários e grupos económicos, uma repetição do que se
fez em relação aos bancos, em 2008-2014, mas agora estendido a um
maior número de empresas que quando têm lucros, mentem-nos aos
bolsos, e quando há prejuízos, endossam-nos ao povo contribuinte. É
o socialismo ao contrário, o velho timbre do Partido Socialista e de
que tanto gosta, por exemplo, o SEP e outros que têm andado com os
governos PS ao colo.
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