terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Os "aumentos salariais" para os trabalhadores do Estado


in "DN"
Os sindicatos têm andado em negociações com o governo para aumentos salariais; a proposta apresentada pelos primeiros é de aumento de 90 euros igual para todos os trabalhadores da função pública, que por sua vez levaria a aumento generalizado dos salários do sector privado; o governo de início foi numa de 0,3% para todos, depois 7 euros e, por fim e aparentando num grande esforço de magnanimidade, de 10 euros mas só para os trabalhadores do estado que aufiram até 683 euros. Claro que, por este ritmo, jamais os trabalhadores da da função pública regressarão aos salários de 2010, não contando com a inflação, e nem os restantes trabalhadores. É uma desvalorização permanente dos rendimentos do trabalho, que o governo PS tenta escamotear. O resto é conversa da treta para iludir os incautos.
Como seria de esperar, os sindicatos fazem o papel deles, indignam-se com a proposta do governo, consideraram-na “inaceitável e provocatória”, o que não deixa de ser verdade, tendo em virtude disso realizado manifestação e greve no passado dia 31 de Janeiro; e como o governo não descola da sua posição, como tem sido habitual, e em relação a outras matérias, como férias e subsídio de alimentação, não mostrou abertura para melhoria, os sindicatos das duas centrais ameaçam avançar com “novas formas de luta”. Ora, o que acontece é que esta é mais uma cena já vista, um déjà vu nauseante, seja, por um lado, um governo irredutível, porque sabe que do outro lado da mesa se encontram sindicatos dóceis, que por detrás dos bastidores garantem a paz social; todos interlocutores que pouco ou nada enganam. Mas, pelo sim pelo não, o governo entendeu arranjar mais uma ministra, a da Modernização do Estado, pessoa aparentemente mais trauliteira para arrumar de vez com a tal reforma, tão desejada pela nossa burguesia, que porá a máquina do Estado a trabalhar com menos gente e com menores custos e, não deixa de ser importante, a fazer menos concorrência com os privados nos serviços ainda públicos.
O jornal “Expresso”, o porta-voz oficioso do militante nº1 do PSD/PPD, fez contas e chegou à conclusão que o poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública sofreu uma diminuição de 10% desde a intervenção da troika em Portugal e que a subida anunciada pelo Governo do senhor Costa está “muito longe” de compensar a perda acumulada. Ora, deve-se dizer que os números estão errados e que a perda de poder de compra, contando com a desvalorização imposta pela inflação, será mais do dobro, ou seja, mais de 20% em média. Este sofisma, por não passar de uma falácia feita de má-fé, serve para enganar os trabalhadores e impedindo-os assim de reivindicar aumentos justos e que mais não são que um direito, embora sempre atacado, que lhes é inerente.
Mas nem os 10 por cento, em média, os sindicatos reclamam, e até os 850 euros de salário mínimos são relegados para segundo plano e a actualização das reformas, a começar pelas mais baixas, é completamente esquecida. Salário mínimo de 900 euros, tal como em Espanha (e não nos esqueçamos que a “nossa economia”, falando no geral, é cada vez mais um prolongamento da espanhola), como aumento geral 20% em média para os salários de todos os sectores, bem como aumento das reformas mais baixas para os 600 euros, são reivindicações que não pecam por excesso, apenas reporiam a situação dos rendimentos dos trabalhadores e dos aposentados e reformadas para níveis anteriores a 2010. Claro que estas propostas não concitam a concordância do governo e nem dos patrões, porque iria contra a missão a natureza do governo e do PS e impediria o normal fluir da acumulação e concentração do capital. E perante a timidez das propostas sindicais e da cobardia política dos seus dirigentes, o governo PS/Costa continua a fazer voz grossa.
Não só os salários na Função Pública estão, em termos reais, a baixar como a precariedade está a aumentar. E é o Instituto Nacional de Estatística (INE) que o diz: no ano da chegada da troika (2011) existiam 817,6 mil trabalhadores com vínculos laborais instáveis e no ano passado, 2019, o número de trabalhadores com este tipo de vínculo laboral atingiu quase os 900 mil; ou seja, uma diferença de mais de 73 mil trabalhadores. Enquanto os trabalhadores se deparam com salários mais miseráveis e situação laboral mais precária, a banca lucra quase 5,3 milhões de euros por dia (!) em 2019, isto é, os quatro maiores bancos (dois deles inteiramente espanhóis) apresentam lucros de 1,9 mil milhões de euros: Santander Totta, lucros de 527,3 milhões (mais 5,5% em relação a 2018); BPI, lucro de 328 milhões, quebra de 33% face a 2018, contudo a actividade em Portugal gerou um resultado de 231 milhões de euros, subida de 13 milhões de euros; BCP, lucros de 302 milhões, mais 6,9%; CGD, um lucro de 776 milhões de euros, mais 280 milhões de euros face a 2018, o melhor resultado em 12 anos; deve-se salientar que estes lucros foram feitos graças ao aumento das comissões sobre os clientes, a maior parte deles simples cidadãos. O povo paga sempre.
Perante a pilhagem e a extorsão, o governo, na pessoa de um dos seus ministros mais paspalhos, vem manifestar indignação pelos prémios que os administradores privados e principais quadros da TAP irão receber em ano de prejuízos, mais de 100 milhões de euros (prejuízo de 105,6 milhões de euros). É preciso ter lata para o desaforo e para a farsa. É público que o Estado possui 50% do grupo TAP (Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, 45%, e os trabalhadores 5%), mas são os privados que gerem e embolsam os lucros, agora os prémios, ficando o Estado com o prejuízo. Claro que assim qualquer um (vigarista) é um empresário de sucesso! Para alterar a situação de atribuição dos prémios, o estado teria que adquirir, pelos estatutos por si aprovados, note-se!, a parte que cabe aos privados. Mas, depois do episódio do bobo Pedro Nuno Santos, David Neeleman, que salvou a sua empresa falida à custa da TAP, anuncia a possível venda da sua participação, os 45%, à alemã Lufthansa. A transportadora dita “nacional” passará a ser uma filial da gigante alemã, confirmando a posição de protectorado de Portugal no seio da UE, e o Governo PS/Costa um mero gestor dos negócios dos capitalistas. Como se constata os factos falam por mil palavras. É por estas e por outras que “não há dinheiro” para os trabalhadores!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Pela despenalização da eutanásia!


in "CM"
"Por favor não matem os velhinhos" ou como a Igreja Católica considera o "aborto pior que a pedofilia porque esta não mata"!
Há dois anos a proposta de despenalizar a eutanásia foi chumbada no Parlamento por poucos votos; a direita troglodita, a igreja católica e os “ortodoxos do marxismo” juntaram-se em campanha contra e ganharam. Agora, em 2020, o governo PS e o seu chefe, António Costa, fazendo lembrar um pouco o processo semelhante da despenalização do aborto, retomam o tema numa de “modernidade” e de “defsa dos direitos humanos”, apesar de todos os dias andarem a torpedear esses mesmos direitos; lembremo-nos, por exemplo, da requisição civil dos dos enfermeiros ou dos motoristas de matérias perigosas, que ficaram proibidos de fazer greve, ou de salários justos para todos os trabalhadores, a começar pelos funcionários públicos que se encontram, neste momento, em luta. Mas adiante, para além da eterna hipocrisia burguesa dos direitos e liberdades do indivíduo, vamos aos argumentos.
A ICAR (igreja católica, para quem não saiba) aparece numa de democracia e de auscultação da vontade do povo: faça-se o referendo! A nomenclatura clerical já prepara os comícios no altar, o azar é que vão cada menos crentes à missa, e a imprensa que controla vai em adiantada campanha de “esclarecimento”. Pasma-nos a ICAR não propor, já que está numa de republicana e democrática, a realização de referendo a fim de se saber o que o povo pensa a respeito de ela dever ou não pagar impostos ao Estado; é que com o dinheiro recolectado, e que não seria assim tão pouco, atendendo ao seu imenso património, poder-se-ia criar uma rede nacional de cuidados paliativos e melhorar, inclusivamente, todo o SNS . Diz também que “a vida não é referendável”, contradizendo-se, mas não vá o Diabo deixar que o Parlamento aprove desta vez a despenalização da eutanásia; para a ICAR há axiomas, e por definição inquestionáveis, eternos e contra os quais não admite argumentos.
As clínicas e hospitais privados, e os médicos que aí trabalham, a começar pelo bastonário da Ordem, já foram peremptórios: frontalmente contra. Todos têm medo de perder o considerado “negócio do século, especialmente os médicos que fazem da arte um meio fácil de enriquecimento. O Goldman Sachs já dizia aos laboratórios farmacêuticos para não criarem medicamentos que curassem as doenças porque lá se ia o negócio, deviam era criar moléculas que tornassem a doença crónica, porque, não matando o doente, criava-se um consumidor para toda a vida. Com a despenalização da eutanásia, esta gente tem medo de perder os clientes; e para mais num país envelhecido, onde a terceira idade é um nicho de mercado importante; mesmo com fraco poder de compra, o Estado avançará com o devido financiamento. Não se deve matar os velhinhos!, dizem todos, a começar pela incontornável família Mello. Compreende-se.
(...)
Os partidos que são a favor da despenalização da eutanásia estão todos contentes, aproveitam a oportunidade para fazer de conta que defendem os direitos do povo e confiam antecipadamente na aprovação da lei. Contam também com alguma aceitação por parte da opinião pública, já um pouco moldada por alguma imprensa que não se cansa de apresentar ao vivo pessoas que, em situação de desespero e sem alternativa visível, elas próprias, quase que imploram pela eutanásia. Só que o azar pode acontecer e a lei não ser aprovada. É nesta hipótese que o agora tão prudente PR Marcelo que, andando em visita turística na Índia, não se cansou de apregoar que em território estrangeiro não comenta assuntos nacionais; o farsante arvorado em grande democrata e respeitador dos outros órgãos de soberania! Mas todos estamos à espera que o homem, utilizando todos os meios que o cargo lhe permite, irá esforçar-se o mais possível pela inviabilização da despenalização da eutanásia.
Como diz o povo, só quem passa por elas é que sabe (se há padres que acham que o aborto é pior que a pedofilia, isso é lá com eles, e a esses só desejamos que sejam sodomizados o resto da vida e sejam felizes). Por todas estas razões e mais algumas, somos a favor da despenalização da eutanásia, a pedido unicamente da pessoa (em sofrimento irreversível), inteiramente consciente e orientada, devidamente assistida e apoiada por profissionais da área e idóneos. É um direito inalienável do indivíduo, poder dispor da sua vida, tal como o direito à interrupção da gravidez, o direito da mulher de decidir sobre o seu corpo.
aqui

domingo, 16 de fevereiro de 2020

A Dignidade da Autonomia


Alexandre Quintanilha
«“Neste mundo nada é garantido, excepto a morte e os impostos” é uma das frases mais conhecidas e irónicas de Benjamin Franklin. Todos morremos. Uns ainda jovens e de forma inesperada, outros em idades cada vez mais avançadas. Há pouco mais dum século, o tempo médio de vida do ser humano andava pelos 40 anos. Hoje, mais do que duplicamos esse valor nos países “desenvolvidos”. E há quem pense que possamos alcançar os 100 anos de tempo médio de vida nas próximas décadas. Esta evolução tem claramente a ver com os avanços científicos e sociais das nossas sociedades. Lá vai o tempo em que uma pneumonia era quase sempre mortal, ou em que os que estavam próximos do fim eram simplesmente abandonados à sua sorte.
Dizem-nos os que estudam a biologia da evolução que, depois de nos reproduzirmos e de garantirmos que os nossos filhos sobrevivem sem a nossa ajuda, deixamos de ser úteis para a espécie. Mas as comunidades humanas aprenderam, felizmente, a valorizar mais do que a simples reprodução. Os “outros” também nos ajudam no processo de realização pessoal e social. Reconhecemos que as sociedades são tanto mais ricas quanto mais são capazes de construir ambientes promotores de capacidades como o amor, a curiosidade, imaginação, compaixão, partilha e inovação, ao longo de toda a vida.
Chegamos a uma situação em que os avanços do conhecimento, nas ciências naturais, sociais e humanas, nos concedem anos adicionais de vida impensáveis no tempo dos nossos avós. Mas que não se limitam só a dar-nos mais anos; dão-nos também, frequentemente, a capacidade de os usufruir física e mentalmente.
Mas também hoje estamos mais conscientes de que os anos adicionais de vida não são sempre acompanhados da qualidade de vida igualmente desejada. E é sobre esta questão que gostaria de me debruçar. O que acontece quando alguém chega à conclusão que continuar a viver deixou de ter a dignidade que sempre valorizou e teme pela sua perda de autonomia.
Atualmente temos muitas formas diferentes de terminarmos a nossa vida se assim o desejarmos, usando armas brancas ou de fogo, vários tipos de acidentes, combinações de fármacos etc. Mas são quase sempre decisões e ações solitárias e frequentemente angustiantes.
Continua a ser punível na lei a assistência por parte de outrem, em particular por um profissional da saúde, ao suicídio de alguém que o tenha solicitado repetidamente ou quando ainda estava consciente. E é esta, na minha opinião, a questão principal em discussão no debate sobre a morte assistida.
Invoca-se a noção de que é o medo da dor insuportável que faz com que alguém queira terminar rapidamente o seu sofrimento, e que a morte não é solução, pois existem muitas formas de controlar a dor. Mas os efeitos secundários das elevadas doses necessárias destes fármacos são, por vezes, tão intoleráveis como a dor que tentam controlar. E é perfeitamente concebível que para muitos (em que eu me incluo) não é só a dor física que é intolerável. É também a ideia de que a “quantidade de vida” adicional não compensa a “qualidade de vida” perdida. E suspeito que, quanto maior tiver sido a “qualidade de vida” de alguém, menos disposta estará essa pessoa a valorizar só anos de vida adicionais. Quando começamos a sentir que a nossa continuada existência deixou de ter qualquer relação com as experiências físicas, racionais ou emocionais que mais valorizamos e que sentimos a nossa autonomia cada vez mais fragilizada, o fim parece perfeitamente razoável para muitos de nós.  Pensar desta forma não é nem aberrante, nem patológico.
Outro conceito é o de que os profissionais de saúde devem tratar, curar se possível e acompanhar os doentes, nunca matar ou ajudar a morrer. O que faz todo o sentido e deve continuar a ser o seu principal objetivo. Mas só quem está muito mal informado ou se recusa a ver a realidade do mundo que nos rodeia é que não tem conhecimento de inúmeros casos de ajuda, por profissionais de saúde, a doentes perto do fim que querem acelerar a sua morte. Tudo feito às escondidas, à margem da lei, com enormes riscos de denúncia e com consequências profissionais gravíssimas. Não seria muito mais honesto evitar ao máximo, ou mesmo acabar com esta situação?
Outro argumento forte e plausível é o de que os países, onde se dá assistência médica aos que querem morrer, passarão a ser centros mundiais de morte assistida. Nenhuma das poucas experiências que existem neste domínio, tanto nos EUA como na Europa, comprova essa afirmação. E todas elas mostram que, onde é legal, o processo é longo, complexo e exigente – muito diferente do que se passa onde é criminalizado e por isso mesmo praticado às escondidas e sem qualquer controlo.
Uma das soluções sugeridas e que tem ganho alguma aceitação é a de não fazer nada para tentar alongar o tempo de vida que resta, quando a equipa médica decide que o paciente está em fase terminal. Esta solução, em que se mantém o paciente com a hidratação mínima necessária, e que pode durar dias ou semanas, é vista por muitos (onde eu me incluo) como cruel e insensível.
Por todas estas razões, e tantas outras que são sobejamente conhecidas, acho que a morte assistida deve ser legalizada e que o processo seja o mais exigente e rigoroso possível para evitar ao máximo aquilo que hoje acontece muitas vezes sem qualquer supervisão.
Para mim, a qualidade e dignidade da minha vida e da minha autonomia é muito mais importante que a “quantidade de vida” e suspeito que isso é verdade para muitos cidadãos. O dilema está em decidir quem deve dar a ajuda solicitada, quando os profissionais de saúde são impedidos de o fazer legalmente.»
D'Aqui

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Galiza: Una multitud clama contra la política sanitaria de Feijóo impulsada por la lucha de Verín


Como hace un año, Santiago se volvió a llenar en defensa de la sanidad pública. Miles de personas –incluso más que hace doce meses– han ocupado este sábado las calles compostelanas acudiendo a la llamada de SOS Sanidade Pública en una marcha «contra el deterioro» del sistema sanitario gallego. Lo han hecho en una movilización apoyada por toda la oposición, que ha vuelto a hilar un discurso unánime contra la gestión de Núñez Feijóo, a quien el conflicto sanitario se le ha vuelto a echar masivamente a la calle a poco de unas elecciones autonómicas.

Con el cierre del paritorio de Verín y su posterior reapertura todavía muy vigente, fue ese conflicto uno de los protagonistas en las pancartas y manifiestos. «Rubial dimision», en referencia al gerente del Servicio Gallego de Salud (Sergas) en el área ourensana, «Feijóo dimisión» o «Feijóo, ruin, no vuelvas por Verín» han sido algunas de las consignas en una marcha que ha mostrado una indignación por el deterioro de la atención sanitaria en los últimos años, común en muchas comarcas de Galicia. «Zas sin recortes en pediatría», «En defensa de la sanidad pública de A Mariña» o carteles por la atención en O Piornedo se han visto por las calles de Santiago, donde se han juntado jóvenes, mayores y familias.
«Contra el desmantelamiento de la sanidad pública gallega», rezaba la pancarta tras la que se colocaron líderes o figuras relevantes de los partidos de la oposición y de los principales sindicatos gallegos en una marcha apoyada por montones de colectivos sociales, ciudadanos y en defensa del sistema sanitario. Todo marcado por un conflicto permanente, con las denuncias de los defectos en la atención pediátrica, de la precariedad del personal, de la falta de recursos o de la saturación de las Urgencias más vivas que nunca y, sobre todo, impulsado por el cierre del paritorio de Verín, con alusiones constantes en toda la manifestación, y la desatención acentuada fuera de las áreas urbanas. «La gente del rural también tenemos derechos», se ha clamado varias veces.
En una plaza de la Quintana desbordada a pesar de la lluvia, en la lectura del manifiesto final, los organizadores advirtieron de que la «gran manifestación» de este domingo «debe ser el comienzo de una movilización continuada que conduzca a un cambio de gobierno, sin la cual la sanidad pública gallega está condenada al deterioro y posterior desaparición».

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Com este Orçamento vai manter-se o subfinanciamento do SNS


Eugénio Rosa
Contrariamente ao que afirmou o governo (1º ministro e ministra da Saúde) o subfinanciamento crónico do SNS pelo OE vai continuar em 2020 assim como vai continuar a enorme divida do SNS a fornecedores privados. Vai manter-se a política de destruição do SNS em benefício dos lucros do negócio privado da saúde.
(Resumo)
EM 2020 AS TRANSFERÊNCIAS DO OE PARA O SNS INFERIORES ÀS DESPESAS EM 809 MILHÕES €
No período 2014 -2020, as transferências do OE para o SNS somaram 61.109 milhões €, e a despesa do SNS foi de 68.697 milhões €, portanto registou-se um saldo negativo de -7.588 milhões €. No período de governos PS (2016/2020) o saldo negativo foi de -5.365 milhões €. Mesmo em 2020, em que o atual governo anunciou que iria acabar o subfinanciamento crónico do SNS, a previsão é que a despesa seja superior às transferências do OE em 809 milhões €. Mesmo adicionado as taxas moderadoras – 170M€/ano- a receita continua a ser muito inferior à despesa. Daí o crescimento ininterrupto da divida que continuará em 2020.
A realidade é bem diferente das declarações governamentais que servem para a propaganda.
A DIVIDA ENORME DO SNS A FORNECEDORES PRIVADOS MANTER-SE-Á EM 2020
Uma outra declaração do actual governo que não tem também correspondência no real, é a resolução da enorme divida do SNS, consequência do subfinanciamento crónico pelo OE.
Em Novembro de 2019, a divida total do SNS a fornecedores privados atingia 1.989 milhões €, e a vencida (a que ultrapassava o prazo acordado de pagamento) era de 1.309 milhões €. Em relação ao do ano de 2018 não se verificou qualquer melhoria pois, no 3º Trimestre de 2018, a divida total somava 1.950 milhões €.
Esta enorme divida é causa de má gestão (não permite qualquer planeamento e obtenção de descontos nas compras), de custos excessivos (os fornecedores naturalmente incluem no preço uma taxa pelos atrasos), e contribui para o agravamento das dificuldades e da degradação do SNS pois impede que adquira a tempo e horas e com qualidade o que precisa.
E vai continuar a aumentar em 2020, porque, por um lado, as transferências do OE para o SNS (10.290M€) são insuficientes para cobrir as despesas previstas (11.090M€) como mostramos, e, por outro lado, o reforço do orçamento dos hospitais realizado em Dez.2019 para pagar a divida existe foi manifestamente insuficiente.
Segundo o chamado “Plano de Melhoria da Resposta do SNS”, aprovado em Dez.2019 através da RCM 198/2019, o governo, no ponto 14, refere “como medida adicional para 2019 , um reforço de 550 milhões € destinados à redução do actual stock de pagamentos em atraso (divida) Do SNS” (Ponto 14).
Em Novembro de 2019, portanto não incluía o mês de Dezembro, a divida do SNS aos fornecedores privados já atingia 1.989 milhões €. Se deduzirmos os 550 milhões € ainda ficam por pagar 1.439 milhões €, que transitaram para 2020. Afirmar, como faz o governo na sua campanha de propaganda que a situação do SNS vai melhorar em 2020 é não falar verdade para não utilizar outras palavras.
O INVESTIMENTO RIDÍCULO EM 2020 EM NOVOS HOSPITAIS CONTRARIA AFIRMAÇÕES DO GOVERNO
Um dos aspectos da campanha de propaganda do governo é que vai fazer grandes investimentos em novos hospitais prometidos mas nunca realizados. Comparemos estas promessas com a realidade.
Exceptuando o Hospital da Madeira, cujos 62 milhões € foram concedidos em troca da abstenção no OE 2020, o investimento que resta para 5 grandes hospitais em 2020 – Lisboa Oriental, Seixal, Sintra, e Alentejo – é ridículo e simbólico pois como ele praticamente nada se pode fazer (41 milhões €).
O total de 950 milhões € que consta do quadro é para o futuro, mas não se sabe quando será realizado. Mas é desta forma que se desinforma e manipula a opinião publica criando falsas expectativas (a 1ª pedra do Hospital do Seixal já foi lançada pelo governo de Sócrates mas ainda não passou da 1ª pedra. E a ministra ainda veio prometer mais um hospital para o Algarve).
A DEGRADAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E DE REMUNERAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE VAI CONTINUAR EM 2020, APESAR DE SER UMA CAUSA IMPORTANTE DA DESTRUIÇÃO DO SNS
Há uma incompreensão das condições de trabalho, de carreira profissional e de remunerações dos profissionais de saúde no SNS que são degradantes, que estão a destruir o SNS, e a alimentar a explosão do negócio privado da saúde em Portugal.
A falta de profissionais dedicados em exclusividade ao SNS é actualmente o problema mais grave deste. A nova lei de bases de saúde aprovada em 2019 foi uma oportunidade perdida. Ela não dá resposta aos maiores problemas do SNS. O OE 2020 é a prova disso. No SNS, com a introdução do Contratos Individuais de Trabalho instalou-se a selva laboral, onde profissionais a fazer o mesmo têm contratos de trabalho com remunerações muito diferentes.
As carreiras médicas foram destruídas perante a passividade da A. República. A compra de horas de médico (100 M€/ano) impera. A lei que permitia a exclusividade no SNS foi abolida em 2009. A promiscuidade dos profissionais que trabalham simultaneamente em hospitais públicos e privados multiplicou-se afectando mesmo a sua consciência ética e o seu sentido de dever público, reduzindo drasticamente a sua produtividade, o que agrava as dificuldades do SNS.
O investimento no SNS é mínimo, degradando as condições de trabalho dos profissionais. E o OE 2020 não permite melhorar as condições de vida e de trabalho dos profissionais de saúde. Em 2019, segundo o governo (pág. 37 da Nota Explicativa do MS) as despesas com pessoal atingiram 4.371 milhões €, ou seja, mais 285 milhões € do que em 2018. Para 2020, foram orçamentados apenas 4.547 milhões € de despesas de pessoal para o SNS, só mais 176 milhões € do que em 2019. Com tal aumento é impossível garantir carreiras e remunerações dignas aos profissionais de saúde. E assim o SNS continuará a ser destruído e o negócio privado de saúde continuará a ser alimentado. Mas nenhum partido na Assembleia da República se preocupa verdadeiramente com isto considerando mais importante a descida do IVA da electricidade. A cegueira política continua.
Mas assim se destrói uma das principais conquistas de Abril vital para os portugueses e para combater as graves desigualdades que continuam a existir no país. À direita que quer destruir o SNS ainda se compreende, mas à esquerda não, tem de ser mais firme e actuante se não quiser que o SNS seja destruído».
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